Zona de Interesse
Jonathan Glazer
EUA/ALE, 2024. 1h45. Gênero: Drama
Com Christian Friedel, Sandra Hüller, Johann Karthaus
Zona de Interesse (2024) promove, do início ao fim, experiências sensoriais. E o destaque para essa questão é que o maior provocador disso é o som, seja sobrepondo imagens, seja por si só em meio à tela escura, sem nenhum apelo visual. Gritos, tiros, fazem parte desses estímulos enquanto conversam com a colorida e confortável residência de uma família nazista.
O filme, dirigido por Jonathan Glazer é uma livre adaptação de A Zona de Interesse, escrito por Martin Amis. Produzido pela A24, o longa acompanha a família do comandante nazista Rudolf Höss, bem interpretado por Crhistian Fiedel. Ele, a esposa Hedwig, vivida pela excelente Sandra Hüller e uma boa quantidade de filhos residem em Auschwitz, vizinhos do sádico campo de concentração comandado por Höss.
E isso é o necessário para entender todo o contexto do roteiro. É nessa sinopse que está o filme, e é em como isso é trabalho pela direção que aparecem seus diferenciais, assim como suas fraquezas. Zona de Interesse foi premiado em Cannes em 2023, e disputa cinco indicações no Oscar 2024.
Tal sucesso é perceptível ao entender como Glazer trata sua narrativa. Diferente de uma massiva quantidade de filmes que tratam sobre o holocausto, este dispensa o drama. As atuações cruas, nada dramáticas servem para representar com fidelidade a energia que pairava por ali. Ainda que os nazistas não considerassem o extermínio algo ruim, a atmosfera ao redor daquele contexto nunca poderia ser solar.
Observamos isso na insônia de alguns dos filhos de Höss, nas sutis observações de violência contra os judeus ou até mesmo num choro incontrolável do bebê. E mais: na relação com a própria esposa, sem afeto, camas separadas. Um “eu te amo” que sai da boca do protagonista não é para uma pessoa, por exemplo.
Esse tom de frigidez das emoções vem, justamente pela retratação do lado mal da Segunda Guerra, de um povo que cultivou o antissemitismo e o extermínio de vidas a fio. Não impor drama a estas personas talvez seja mesmo o melhor caminho para dispensar qualquer tipo de afinidade na parte dos telespectadores. Assim também acontece no longa alemão A Conferência (2022), quando o foco é ainda maior nos integrantes do regime nazista.
Ambos os filmes resgatam o conceito de “banalidade do mal”. E sobre isso, não há como não mencionar Hannah Arendt (2013), de Margarethe Von Trotta, quando o conceito é destrinchado em tela, levando a perceber que o totalitarismo nazista produzia seres incapazes de pensar, que apenas destinados a cumprir ordens perdem o senso moral ou a disposição de julgar suas próprias ações.
Em Zona de Interesse essa banalidade ora é sutil, no contraste do jardim florido da casa do comandante que dá vista a chaminé de uma câmara de gás em funcionamento, na gritaria de desespero percebida a janelas fechadas como se fosse o canto cotidiano dos pássaros no quintal, na reação das próprias crianças quanto isso; ora menos velada, com o declarado nojo pelo contato com seja lá o que fosse judeu, as barbaridades, aparentemente cotidianas, faladas e a reunião sobre estratégias de extermínio.
A filmagem do filme contribui nesse quesito, ora com imagens abertas funcionando como um quadro onde, quem consegue, pesca vários detalhes, ora mais íntima, mais dentro do quadro. O som é um dos grandes responsáveis por essa aclimatação sombria. O som dos gritos de morte e o da trilha.
Esse retrato frio trazido por Zona de Interesse é um dos pontos altos do filme ao mesmo tempo que chama atenção para uma fraqueza. Ao mencionar que o longa está todo na sinopse, não há erros, já que nada além acontece. Personagens e suas narrativas não são desenvolvidas. Ao que parece, estes apenas são pano de fundo ou peças não tão significantes de todo o contexto trazido pela obra.
Neste aspecto, é bom questionar se valeria mesmo a pena se aprofundar nas narrativas de carrascos? Isso, de alguma maneira não daria indícios sobre um tratamento atenuado da crueldade dos nazistas? São perguntas válidas, mas a verdade é que essa ausência de narrativa pelo núcleo protagonista torna o filme vazio e até um pouco cansativo pela inatividade.
Contudo, Zona de Interesse se mostra bom representante no Oscar pelo tratamento de direção usado a partir de sua temática, pela boa ambientação cenográfica e pelo ótimo investimento com o som na construção do clímax. Vale a pena ser assistido, desde que, não se crie expectativas em sair do cinema depois de ter conhecer uma “nova história”. O roteiro mostra que as intenções são outras.
Leia mais críticas
- “Wicked”: adaptação do musical da Broadway é tímida, mas deve agradar fãs de Ariana Grande
- “Herege”: com boa premissa, novo suspense da A24 se perde em soluções inconvincentes
- “Gladiador 2” é ambicioso ao explorar os dilemas de uma Roma decadente
- Um “Seu Cavalcanti” para chamar de seu
- “Ainda Estou Aqui”: tomografia de uma família flagelada pela ditadura