Vidas Passadas
Celine Song
EUA/Coreia do Sul, 1h45. Gênero: Drama. Distribuição: California Filmes
Com Greta Lee, Teo Yoo e John Magaro
“E se…?” é uma pergunta poderosa e que ressoa com tanta força em todos nós que muitas obras de ficção são baseados nessa premissa única de recontar algo a partir da imaginação do que poderia ter sido. Quase todo mundo se depara com esse questionamento em algum momento, mas a vida segue sem maiores atribulações após esses devaneios. Vidas Passadas, longa indicado a dois Oscar, melhor filme e roteiro original, investiga o que acontece quando essa pergunta é levada às últimas consequências. E se um amor de infância reaparecesse destinado a ganhar mais uma chance?
O filme de estreia da cineasta Celine Song causou burburinho no Festival de Sundance no ano passado e sustentou seu hype até a temporada de premiações, muito em parte pelos fãs devotos de sua produtora, a A24. O longa vai construindo lentamente uma história de amor que atravessa décadas e vence a distância entre dois países, EUA e Coreia do Sul, além de provações ligadas às diferenças étnico-culturais.
Nora (interpretada na vida adulta de maneira impressionante por Greta Lee) vive a descoberta do primeiro amor com seu colega de classe Hae Sung, interpretado por Teo Yoo, também em uma atuação bem inspirada. Nora acaba migrando com sua família para o Canadá e o jovem casal acaba se separando. Anos depois, com o advento das redes sociais na virada dos anos 2000, eles se reconectam, à distância, e reacendem a cumplicidade e o amor que sentem.
Mas os sonhos e ambições da vida adulta põem esse amor à prova – ela uma jovem escritora tentando uma carreira em Nova York; ele um promissor engenheiro terminando os estudos na universidade em Seul. Como nenhum dos dois cede à vontade de largar tudo para viver esse amor, o namoro morre antes mesmo de ganhar uma forma real. Mas é aí que o “e se…” da trama reaparece e o destino dá mais uma chance ao casal. Anos depois, casada e morando com seu marido, também escritor, Arthur (interpretado pelo sempre competente John Magaro), Nora segue uma vida tranquila e organizada quando Hae Sung reaparece em Nova York para reencontrá-la.
Filmado de maneira elegante, sempre em uma distância segura, dando todo o espaço necessário para a reconstrução do laço entre Nora e Hae Sung, a diretora Celine Song mostra o talento de conseguir trabalhar as nuances de uma paixão como poucas vezes foi vista no cinema. A câmera está sempre olhando de longe, procurando ângulos discretos, sob uma luz quente e aconchegante. As cenas parecem durar o tempo necessário, muitas vezes com um silêncio e troca de olhares, sempre expressivos. É tudo calibrado a partir dos detalhes, tanto por parte da direção de Song quanto pela interpretação do trio de atores.
As comparações com a trilogia Antes, de Richard Linklater, são automáticas, mas Song teve um trabalho ainda mais difícil, pois seu roteiro ainda precisou dar conta de várias outras questões além da passagem do tempo, como as diferenças culturais e até mesmo o lado econômico e pragmático, sempre subestimados nos filmes.
Se o desejo de ser bem-sucedido na vida adulta serviu de empecilho para o romance do casal, a vida estruturada e o conforto dos dias atuais também atua como um obstáculo. O reencontro, porém, deixa claro que a química entre os dois ainda segue intacta e o amor, sem dificuldade, ainda segue latente. Pra completar, o casamento de Nora com Arthur convive com os pequenos entreveros étnico-raciais, que ela não vivencia com o seu ex-amor de infância.
Falado quase inteiramente em coreano, o filme coloca o espectador como testemunha do poder desse primeiro amor, sem nunca ceder à tentação de julgar as decisões dos personagens. Ao longo de sua narrativa construída a partir das nuances, Vidas Passadas acaba trazendo à tona temas como amadurecimento, destino e cumplicidade. O longa vai ganhando tintas cada vez mais melancólicas à medida em que avança ao seu final, tristíssimo. A cena de encerramento é uma das belas filmadas e, certamente, uma das mais dilacerantes. Se você já viveu uma forte situação em que o “E se…” ainda reverbera, a experiência de assistir ao longa será ainda mais impactante.
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