AMORES SOB O SOL ESPANHOL
Com jeitão independente, novo filme de Woody Allen foge de rotulações e mostra o quanto é difícil compreender os sentimentos de quem se apaixona
Por André Azenha
VICKY CRISTINA BARCELONA
Woody Allen
[Vicky Cristina Barcelona, ESP, 2008]
Em seu quarto filme seguido realizado na Europa, primeiro fora da Inglaterra (os anteriores foram Match Point, Scoop e O Sonho de Cassandra), Vicky Cristina Barcelona (2008) se passa na cidade espanhola, e é um tratado sobre amores desfeitos, dirigido e escrito de forma leve – sem perder suas doses dramáticas – e competente por Woody Allen, que concebeu um belo trabalho, escudado por ótimos diálogos e um elenco expressivo.
O longa acompanha duas amigas de férias na capital catalã. Vicky (Rebecca Hall) é centrada, prática, está noiva. Cristina (Scarlett Johansson, pela terceira vez atuando sob a direção do diretor) é o oposto: impulsiva, meio-artista, procura amores intensos.
Barcelona é a cidade das paixões, e junto às duas moças no título do filme, também funciona como personagem, tamanho o esmero e admiração como é filmada por Allen. Bela, a cidade não precisa de nada além de sua próprias paisagens para servir de cenário maravilhoso. No verão europeu, as duas visitam os cartões postais da cidade, passeiam pelas ruas ensolaradas e numa noite conhecem Juan Antonio (Javier Bardem), um pintor que teve um divórcio conturbado da mulher, Maria Elena (Penélope Cruz), linda – e maluca.
Com o tempo, as pessoas envolvidas na história se apaixonam, ficam confusas, questionam suas formas de encarar os relacionamentos e um triângulo amoroso (que inclui um beijo entre duas atrizes capaz de fazer muito marmanjo perder o sono) é formado. E Woody Allen aproveita para discursar sobre a forma como o amor, a paixão e a sexualidade humana são encaradas. O mote não é entender os sentimentos, mas sim mostrar como é difícil compreendê-los. Que o amor não pode, e não precisa ser rotulado. Ou ainda, como as pessoas se prendem a uma relação amorosa que não as realiza, mas ao menos dá segurança.
Cada personagem é retratado com carinho, de forma complexa. O filme muito bem poderia se chamar Vicky Cristina Juan Antonio Maria Elena Barcelona, pois todos eles possuem igual importância. E os atores escalados desempenham com extrema eficiência seus papéis.
Penelope Cruz, por sinal, toda vez que surge em cena ofusca a sempre sexy Scarlett Johansson. O desempenho da espanhola ganhou reconhecimento e rendeu a ela prêmios de atriz coadjuvante nos prêmios Los Angeles Film Critics Association Awards, New York Film Critics Circle Awards, National Board of Review, Independent Spirit Awards, e uma indicação ao Globo de Ouro na mesma categoria.
Também merece elogios Rebeca Hall (O Grande Truque). Ela talvez não possua a beleza (ou o padrão de beleza) das outras duas protagonistas da trama, mas graças ao drama de sua personagem, a única a fazer parte de um compromisso pré-estabelecido, aquela quem possui os conceitos mais firmes, e por isso, a que é colocada contra a parede com o surgimento de novas situações, ganha a atenção do público, numa atuação intensa, sem ser exagerada. Ela também foi indicada ao Globo de Ouro, em Atriz Comédia/Musical, e está presente em outra produção que vem aparecendo nas premiações, Frost/Nixon, de Ron Howard.
Javier Barden (indicação ao Globo de Ouro em Ator de Comédia/Musical) comprova sua versatilidade como intérprete, e Johansson segue sendo a musa atual de Allen. Sem o talento dos colegas em cena, a atriz é uma das mulheres mais sensuais do cinema atual, o que num filme sobre amores e paixões conta bastante.
Com todas essas qualidades, Vicky Cristina Barcelona, orçado em US$ 15,5 milhões e filmado em período curto, entre 9 de julho e 23 de agosto de 2007 (mantendo o jeitão quase independente com que Woody Allen realiza seus trabalhos) é o melhor filme da fase europeia do cineasta americano, um dos melhores do ano e um dos mais charmosos dos últimos tempos.
Vencedor do Globo de Ouro em Filme Comédia/Musical, mantém a consistência do diretor e roteirista, que não tem encontrado produtores em seu país e recorreu às terras europeias para filmar suas obras. Sorte a dele, que encontrou gente interessada em bancar seus filmes (a prefeitura de Barcelona custeou o projeto), dos atores europeus que puderam trabalhar com ele, e do público que continua tendo a chance de apreciar produções líricas e interessantes como essa.
NOTA: 8,5
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