Altos e baixos da Vertigo
Depois de décadas, leitor brasileiro pode finalmente ganhar nova esperança para acompanhar histórias do selo adulto da DC. Acompanhe a aventura das séries incompletas, histórias irregulares e edições desencontradas que a Vertigo teve no País
Por Germano Rabello
É problemática a vida do colecionador dos quadrinhos Vertigo no Brasil. As publicações deste selo adulto da DC COMICS tiveram uma trajetória pra lá de errática, migrando de editora pra editora com uma velocidade estonteante. O resultado é que as coleções estão sempre recomeçando do zero e o leitor pena pra conseguir completá-las. Quase sempre fica mais fácil apelar para os importados mesmo. Todo esse drama com os quadrinhos adultos da DC (no qual poderiam ser incluídos títulos da America´s Best Comics e da Wildstorm) pode chegar agora a uma fase de estabilidade graças ao interesse da editora Panini – já responsável por publicar no Brasil os quadrinhos mais mainstream da editora americana como o Batman, Superman, Liga da Justiça, etc.
Mas que tal então aproveitar e fazer um retrospecto da trajetória do selo Vertigo e sua presença em nosso país?
Primeiramente, uma análise básica no que deu origem à Vertigo. Embora somente oficializado no ano de 1993, o tipo de quadrinho adulto pelo qual o selo se tornaria conhecido já estava sendo circulando nos anos 80. Na origem de tudo, um certo roteirista bretão barbudo. Isso mesmo: Alan Moore, com seu trabalho com O Monstro do Pântano, foi o grande moldador do estilo Vertigo de ser. Apesar da DC ser uma editora americana, nos quadrinhos adultos eram os britânicos que davam as diretrizes. Mais especificamente os ROTEIRISTAS britânicos. Afinal, se eram quadrinhos cabeça, o texto era mais importante do que os desenhos, certo? E isso foi o calcanhar-de-Aquiles de algumas séries.
Não que os americanos não tivessem feito seus esforços: podemos pensar em vários quadrinhos adultos da DC nos anos 80, como Etrigan (Matt Wagner), Deadman (Mike Baron / Kelley Jones), Justiça Ltda (Andrew Helfer / Kyle Baker), O Sombra (Howard Chaykin). Mas o fato é que os quadrinhos feitos por britânicos estavam em ascensão e começaram a ser cultuados cada vez mais. Já no primeiro arco do Monstro do Pântano, “Lição de Anatomia”, estavam alguns pilares do “estilo” Vertigo. Narração em primeira pessoa, texto excepcionalmente bem construído, horror, reformulação de velhos personagens, conceitos científicos e referências culturais surpreendentes a serviço da trama.
john
Das páginas do Monstro do Pântano, surgiria um certo John Constantine, que logo conseguiria estrear seu próprio título: Hellblazer, também assumido por um roteirista britânico, Jamie Delano. Em seguida, enquanto Grant Morrison causava um certo barulho com o Homem-Animal e Patrulha do Destino, Neil Gaiman acertava em cheio com Orquídea Negra e Sandman. Sem alcançar tanto reconhecimento, Peter Milligan lançaria Shade, o homem mutável. Todos estes eram (à exceção do Constantine) derivações de antigos personagens da DC.
A partir de 1993, esses títulos mensais e mini-séries começaram a ser aglutinados oficialmente em torno de um selo. No Brasil, já estavam sendo ou já haviam sido publicadas várias Hqs que fariam parte desse selo, retroativamente inclusive: Sandman, Orquídea Negra, V de Vingança (editora Globo), a revista Monstro do Pântano que publicava também as Hqs solo de John Constantine, a mini-série de Neil Gaiman Livros da Magia (ambas pela Abril Jovem) . Sem falar nas publicações em formatinho que incluiam Homem-Animal (na revista DC 2000) e histórias mais antigas do Monstro do Pântano (em revistas como Novos Titãs e Superamigos, antes do grandão ganhar sua própria revista – que aliás começou formatinho e virou formato americano depois).
V
O grande passo para o selo ficar mais conhecido no Brasil foi a criação de uma revista de nome Vertigo pela editora Abril Jovem. A revista estreou em maio de 1995, estrelando John Constantine (estreando com o clássico arco “Hábitos Perigosos” de Garth Ennis e Will Simpson) e Sandman Máscara do Mistério, de Matt Wagner e Guy Davis. A Vertigo era uma publicação cara, em papel acima da média, encadernada, com 100 páginas. Publicava sempre quatro edições americanas por edição brasileira – geralmente duas de um personagem, duas de outro. Logo a saga d´ Os Livros da Magia, de John Ney Rieber, entraria no mix. A revista ainda publicaria histórias fechadas como Jonah Hex (Joe Lansdale/Tim Truman) e Sebastian O (Grant Morrison/Steve Yeowell), sendo este publicado na última edição da revista (número 12, fevereiro de 1996).
É interessante notar que a implantação do selo Vertigo nos EUA coincidiu com a permissão da DC para os chamados “creator owned projects”. Ou seja, começou a haver liberdade para os roteiristas e desenhistas terem controle de suas criações – a tradição era que os personagens criados ficassem pertecendo unicamente à editora (sendo este um dos grandes motivos da revolta de Alan Moore contra a DC, que lhe havia prometido os direitos de Watchmen). Neste segundo momento, ao invés dos personagens clássicos reformulados, entram em cena personagens nunca vistos antes. É aí que surgem mini-séries como Enigma (Peter Milligan/ Duncan Fegredo) e séries como Os Invisíveis (Grant Morrison/ vários), Preacher (Garth Ennis/ Steve Dillon).
Bom, quanto ao mercado brasileiro, poderia se dizer que depois de um certo boom de quadrinhos adultos, houve uma ligeira retraída aí nesse meio dos anos 90. Por exemplo, depois do fim da Vertigo, a Abril Jovem lançou em 1997 apenas Bruxaria (James Robinson/ vários), Morte O Grande Momento da Vida (Neil Gaiman e Chris Bachalo) e alguma outra coisa que não vem à mente agora. Enquanto isso, a série Sandman estava se arrastando nas mãos da Editora Globo, aos trancos e barrancos, com uma distribuição deficiente.
Transmetropolitan de Warren Ellis e Darick Robertson
Mas foram surgindo editoras novas, interessadas em publicar coisas fora do mainstream. A mais interessante era a Metal Pesado, que investiu com força na Vertigo a partir de 1998. Essa editora publicou materiais interessantes como Shade o homem mutável, Patrulha do Destino, , e o especialmente popular Preacher. Além de dar continuidade a publicação de personagens abandonados pela Abril, tais como Hellblazer, Os Livros da Magia, Sandman Máscara do Mistério, Homem-Animal. A editora não apostava em nenhuma revista mix, e sim na publicação de diversas revistas mensais, mini-séries, publicações especiais. Houve uma avalanche de títulos. Depois de pouco tempo, a Metal Pesado passou por estranhas mudanças de nome. O slogan “Tudo em Quadrinhos” virou o nome, depois adicionara “Fractal”, depois virou “Atitude”, culminando num trágico desaparecimento que impediu o leitor de conferir o final de séries como Super-homem & Madman, e principalmente, para mim, a supracitada Enigma (que eu acho genial e até hoje, 2009, dez anos depois, não foi publicada no Brasil completa). A editora inclusive vinha estava relançando Sandman edição por edição. Transmetropolitan (Warren Ellis/ Darick Robertson), Como Matar Seu Namorado (Grant Morrison/ Philip Bond) e Menz Insana (Cristopher Fowler/ John Bolton) foram outros lançamentos dessa fase.
Uma editora muito mixuruca (Magnum Force) deu início a publicação dos Invisíveis no Brasil e alguns títulos da Dc interessantes como Hitman e Starman. Durou pouco tempo.
Vale ressaltar que enquanto isso, a Abril Jovem resolveu publicar em 1998 uma seleção de cinco mini-séries ou one-shots da Vertigo, incluindo os ótimos Visões de 2020 (Jamie Delano/ Frank Quitely), Terminal City (Dean Motter/ Michael Lark) e O Sistema (Peter Kuper). Mas o interesse da editora pelos quadrinhos adultos praticamente morreu aí.
Com o fim da Metal Pesado > Tudo em Quadrinhos > Atitude, os títulos da Vertigo voltariam, inclusive com a retomada títulos mensais como Preacher, Os Invisíveis, Hellblazer, pela editora Brainstore. Chegaram a lançar diversos materiais encadernados também, em preto e branco, de clássicos como Sandman, Homem-Animal, Hellblazer, etc.
Outra editora que surgiria mais tarde nesse contexto foi a Opera Graphica. Responsável por lançar coisas como 100% (Paul Pope), Alvo Humano (Peter Milligan/ Edwin Biukovic), 100 Balas (Brian Azzarello/ Eduardo Riso), Y o último homem (Brian K. Vaughan/ Pia Guerra) e as coletâneas de Hqs curtas Vertigo Inverno e Vertigo. A editora também relançou materiais de Neil Gaiman (tais como Orquídea Negra e Os Livros da Magia). Mas entre os pontos deficientes estavam os erros de revisão de texto,capas estranhas e tiragens limitadíssimas a preços salgados.
Já a Devir, dos livros de RPG foi incorporando cada vez mais quadrinhos à sua coleção, e logo chegou à Vertigo com seus encadernados de Preacher, Fábulas (Bill Wilingham/Mark Buckingham), Hellblazer.
Enquanto isso, a Conrad, correndo por fora, realizou o mais notável trabalho de reedição de Sandman – em capa dura, papel couchê, foi considerada a edição mais luxuosa já feita para Sandman até o surgimento dos volumes Absolute Sandman nos EUA. E, milagre, conseguiram reeditar a obra completa nesse esquema. A editora publicou ainda outras coisas de Neil Gaiman para a Vertigo, trabalhos de Jill Thompson com o universo de Sandman e a graphic novel The Originals (Dave Gibbons).
O que nos traz ao momento atual das publicações Vertigo. Eu diria que internacionalmente, o selo já perdeu grande parte da sua relevância. Dentro da própria DC, os selos da Wildstorm e America´s Best Comics muitas vezes chamaram mais atenção do que a Vertigo. Editoras como a Oni Press e Top Shelf cumpriram melhor a missão de revelar novos talentos. A Vertigo vem tentando se manter, inclusive incorporando talentos tradicionalmente ligados a editoras mais “indie” (de monstros sagrados como Gilbert Hernandez e Harvey Pekar a novatos como Jeff Lemire).
O selo perdeu a posição de vanguarda que um dia ocupou, mas ainda existem toneladas de material interessante a ser publicado por aqui, inclusive de séries clássicas da Vertigo como Preacher e Os Invisíveis.
No Brasil, desde 2006 a editora Pixel explorava a maioria das publicações Vertigo (junto com a Wildstorm e America´s Best Comics). A editora tinha apostado numa interessante revista mix, a Pixel Magazine, que publicou Hellblazer, Y o último homem, entre outras. Continuou com encadernados e especiais de Fábulas, 100 balas, Os Invisíveis, etc. Mas depois de um hiato prolongado, a editora confirmou que não irá mais publicar esse material. Os colecionadores ficaram orfãos mais uma vez.
Em agosto de 2009, a Panini anunciou que iria assumir esse universo de publicações adultas. O que pode eventualmente trazer tranquilidade ao leitor brasileiro – afinal, a editora vem fazendo um bom trabalho com quadrinhos DC e Marvel desde 2002. Ao menos em teoria, é um grupo economicamente mais estável, que tem base na Itália e atua multinacionalmente explorando o mercado de quadrinhos e álbuns de figurinhas. A editora já editou alguns materiais da Vertigo, tais como WE3 (Grant Morrison/ Frank Quitely) e Os Leões de Bagdá (Brian K. Vaughan/ Niko Enrichon ).
E depois desse texto enorme, você deve estar querendo saber se vão finalmente ser publicadas até o fim as suas séries preferidas. Eu também gostaria de saber (principalmente sobre Enigma). Colecionar quadrinhos exige fé, companheiro.
TOP 10 roteiristas
- Alan Moore
- Neil Gaiman
- Grant Morrison
- Jamie Delano
- Peter Milligan
- Garth Ennis
- Warren Ellis
- Matt Wagner
- Brian Wood
- Rick Veitch
Troféu FAIL
Vamps (Elaine Lee/ Will Simpson)