Dentre os anos 1970 e 80, em plena Ditadura Militar no Brasil, alguns músicos recifenses entraram para a história da música graças a seus ideais libertários e enfrentamento ao mercado cultural da época, desafiando valores sociais. Para relembrar essa era no cenário musical, o jornalista e escritor Rogério Medeiros lança a obra Valsa dos Cogumelos – A Psicodelia Recifense 1968/1981.
O livro surgiu primeiramente como o trabalho de conclusão de curso do jornalista, ainda no ano de 2004 e segundo Medeiros, o sentimento era de que aquela obra ainda não estava completa, o que o levou a se debruçar mais uma vez sobre o trabalho durante a pandemia da Covid-19. Em entrevista à Revista O Grito! o autor da obra afirmou que este período de lockdown o fez sentir uma maior necessidade de contar as histórias que não tinham sido incluídas em seu TCC e assim, com um tempo maior disponível ele decidiu “retomar um projeto que sabia que em algum momento iria voltar”.
O produto final conta agora com mais de 50 pessoas entrevistadas, entre músicos, compositores e produtores, além da utilização e análise de artigos, resenhas e diversos textos jornalísticos que servem como um mecanismo para identificar como a música psicodélica da época foi recebida pelos críticos e também pelo povo.
De acordo com Medeiros, o período de 1968 a 1981 foi escolhido por ter sido o momento de maior produção e destaque dessa cena. Era uma música que não estava em conformidade com o mercado fonográfico da época, porém, gerou discos que resistiram ao tempo e hoje acumulam fãs por todo o mundo”.
O escritor contou em entrevista que sempre foi uma ávido colecionador de discos e apaixonado por música e acredita na importância de investigar esse momento em nossa história musical: “A história nunca tinha sido contada com tantos detalhes. O pioneiro foi José Teles com o livro Do Frevo ao Manguebeat onde ele fala dessa história, mas eu sinto que hoje em dia as pessoas querem saber mais e não tinha quase nada sobre o assunto. Eu acho que é uma cena muito importante porque mostra como a música do Recife pode chegar aos quatro cantos do mundo”, afirmou Medeiros.
Na obra é possível conhecer de maneira mais profunda a história de artistas e bandas como Ave Sangria, Lula Côrtes, Flaviola, Marconi Notaro, Alceu Valença, Geraldo Azevedo, Zé Ramalho, Robertinho de Recife, Aratanha Azul, Ricardo Uchôa, Zé da Flauta, Laboratório de Sons Estranhos, Nuvem 33 e muito mais. Todos esses nomes fizeram parte do cenário psicodélico e são essenciais para descobrir mais sobre a grande história por trás das cenas.
“Eles tinham esse experimentalismo e traziam o que estava acontecendo de mais importante na música mundial, o rock progressivo, aquele interesse com a música oriental, indiana e misturavam com os ritmos locais”, cita Medeiros, explicando que são estas as características mais em evidência na produção musical do período.
Com o período da Ditadura Militar em todo o pais, onde a arte sofria constantes repressões, os artistas envolvidos nesse cenário também tinham limitações, pois suas obras sonoras necessitavam aprovações da censura, e em seus show, a policia também deveria dar seu aval. Mesmo com as limitações e perseguições porém, os músicos eram capazes de se liberar e revolucionar através de sua canções.
“Imagine os anos 70, um homem cabeludo com roupas meios hippies andando na Av. Conde da Boa Vista, as pessoas olhavam e estranhavam aquilo. Então talvez eles não tivessem tanta liberdade assim, mas de uma forma coletiva, com eles juntos, a liberdade existia ali no fazer música, no fazer arte, eles não estavam presos a algo ‘temos que fazer um rock desse jeito, um frevo daquele’, não, eles misturavam e utilizavam outras referências que possuíssem também”, explica o escritor.
“Eu acho que eles escavavam liberdade de onde não tinham e conseguiam transparecer isso nas músicas”, conclui Rogério Medeiros.
Valsa dos Cogumelos – A Psicodelia Recifense 1968/1981 (Independente) tem 270 páginas e está à venda na PassaDisco por R$ 65.