Festival Vaca Amarela confirma Goiânia como capital do rock brasileiro
Por Maurício Ângelo
Da Movin’Up em Goiânia
Não é de hoje que Goiânia ostenta, com justiça, o rótulo de capital do rock brasileiro. A “cena rock de Goiânia” tornou-se símbolo de qualidade no underground e no alternativo, com uma profusão de bandas incrível. A 12º edição do Festival Vaca Amarela, que teve média de 1500-2000 pessoas por noite e que divide com o Bananada e o Goiânia Noise a atenção da cena – e o simples fato da cidade ter três festivais independentes fortes já diz muito – comprovou que é muito difícil tirar a primazia de Goiânia quando se trata de oferecer bandas que, a despeito de terem começado “ontem”, entregam um som redondo, maduro e capaz de se destacar. Se o garage rock, o stoner e o metal seguem como a essência da maioria das bandas, sobram destaques para o indie do Cambriana e a psicodelia do Boogarins, nome que começa a circular com força pelo Brasil e já ganha reconhecimento da mídia gringa (o CD da banda recebeu 4 estrelas do All Music Guide, por exemplo).
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Ambas fizeram dois dos melhores shows do festival, lotados, com o público em transe, mostrando porquê merecem a atenção que estão recebendo. O Cambriana é o indie por excelência, bebendo na fonte do brit-pop “tradicional” e “experimental”, já com alguns coringas no repertório, caso de “The Sad Facts”, “Vegas” e “Astray”. Sempre empolgante, carregada de efeitos e artimanhas, o Cambriana caminha para firmar seu nome nacionalmente.
Mesmo caso do Boogarins. Se a psicodelia está em voga, a banda carrega a tradição do estilo com um som etéreo, viajante e muito bem feito, que lembra The 13th Floor Elevators, Spacemen 3 e mesmo algo do space rock como Nektar e Hawkwind, além de Kinks e Syd Barret. Ao vivo a experiência é legítima de uma jam, com longas sessões instrumentais e músicas que se entrelaçam em solos, riffs e levadas cheias de reverb, distorções e efeitos típicas dos anos 60. “Lucifernandis”, “Infinu”, “Erre” e “Doce” foram destaque. “Psicodélicos são vocês”, brincou Fernando Almeida, encerrando o show com um sorriso de satisfação no rosto. Fernandotambém toca no Ultravespa, que fez bonito no primeiro dia no pouco que consegui acompanhar.
Já o Nevilton, queridinho da crítica, com dois discos no currículo, tinha tudo para aplicar uma goleada mas pecou pelo excesso que também acometeu outras bandas: a empolgação exagerada, o desespero em tentar “instigar” o público a todo instante e as repetitivas frases de “tamo feliz pra caralho de tá aqui”. Os gritos incessantes de “vamo quebrar tudo, Goiânia!”, simplesmente não combina com a música do Nevilton. Competente, o trio – que recentemente perdeu o baterista, substituído por um músico contratado quando necessário – aumenta o peso, talvez influenciados também pela cidade e pelo público. Mas, de modo geral, falta algo no balanço do Nevilton. Cansa, não convence, não diverte. Parece artificial demais, forçado demais. Esvaziado, a despeito do Martim Cererê estar lotado, o show esteve longe de conquistar os goianos, ainda que a banda tenha repetido várias vezes que a cidade foi a primeira em que tocaram fora do Paraná. “Já que não cantam as nossas músicas, vamos mandar uma das Spice Girls”, disse Nevilton, emendando um trecho do grupo inglês. Sintomático.
Sobre a principal atração da noite, o Bonde do Rolê, não há muito a dizer. Em termos musicais, a banda é nula e temerosa, inclusive no campo do “funk zuera”. Feito para divertir, cumprem a missão apelando para todo tipo de artifício – versões toscas de hits internacionais, como “Starship”, da igualmente horrível Nicki Minaj e seus “sucessos” como “Solta o Frango” e “Office Boy”, entre bonecos infláveis de bichos e o diabo a quatro.
Entre o stoner, o hardcore e o rap
No segundo dia do evento, Mad Matters e Space Truck fizeram bons shows. O Space Truck, formada por três garotos, soa como uma mistura de Rush e Soundgarden, por mais estranho que isso pareça, e funciona. Boa técnica e instrumental diferenciado em linhas vocais que lembram, de leve, Chris Cornell. O Cassino Supernova, do DF, levou a onda retrô para o palco do Martim Cererê, bebendo na fonte do rock brasileiro dos anos 60/70, com letras em português e animação (até demais) por parte do vocalista, Gorfo. Competente, a banda também fez uma homenagem a Lou Reed, projetando a imagem do músico no telão e tocando um trecho de “Sweet Jane”.
O Porcas Borboletas, de Uberlândia, típico conjunto neo-hippie com letras mezzo cabeçudas mezzo engraçadinhas, agradou o público, que conhecia a maioria das músicas – vale lembrar que o Porcas toca bastante em festivais por aí – incluindo pérolas como “Super-Herói Playboy”.
O Overfuzz foi outra banda goiana que, carregando o formato power-trio estilo Motorhead, se destaca entre seus pares. Brunno Veiga, Bruno Andrade e Victor Ribeiro, que formaram o grupo em 2010, sabem o que fazem, construindo bons riffs, com punch sempre presente.
O encerramento do dia ficou a cargo do Projota, que levou uma legião de fãs adolescentes ao Martim Cererê, fazendo um show absolutamente lotado e praticamente impossível de acompanhar. Apesar de talentoso, Projota parece longe de praticar o discurso humilde e de “família” do rap, fazendo exigências dignas dos piores acessos de estrelismo, como não dividir a van do evento com ninguém e por aí afora. Esse “novo rap paulista” sofre de arrogância precoce, ganhando muito mais holofote do que realmente merecem e capitalizando bem com um discurso fácil que faz a cabeça da molecada.
O último dia do Vaca Amarela, único que, se não chegou a ser sold-out, recebeu ótimo público, foi reservado especialmente ao hardcore. A estrutura do festival, em termos de banheiros, preços e filas para comprar cerveja e comida, foi adequada, assim como o lounge da Ray Ban, que vem “encampando” festivais independentes Brasil afora, disponibilizado para as bandas, produtores, convidados e imprensa.
Se a maioria das bandas de hardcore do último dia apostaram nos clichês típicos do gênero, ainda que redondos, os destaques vão para duas bandas de stoner, levando o estilo com competência acima da média. Don Fernando, da Austrália e Hellbenders, outro destaque da cena goiana, fizeram dois dos melhores shows do festival.
No fim, o Dead Fish, verdadeira instituição do hardcore brasileiro com mais de 20 anos de carreira nas costas, encerrou com a garra habitual o evento, elencando as principais músicas de todos os seus discos, que ganham ainda mais peso e velocidade ao vivo.
A certeza que fica é que Goiânia tem a melhor cena rock do país, num estado que é conhecido pela profusão de duplas sertanejas, o que não deixa de ser curioso. É muita gente nova fazendo música capaz de impressionar quem gosta dos estilos que praticam.
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Maurício Ângelo é jornalista e editor do Movin’UP, onde esse post foi publicado. Veja mais textos dele.