AGORA SÓ POR DIVERSÃO
Chabrol subverte e abandona sua própria vocação de cronista social francês para, apenas, se divertir
Por Fernando de Albuquerque
UMA GAROTA DIVIDIDA EM DUAS
Claude Chabrol
[La Fille Coupée en Deux, França, 2006]
O amor é um tema inesgotável. Americanos, romenos, russos, argelinos, marroquinos e mais uma miríade de filmes e suas respectivas nacionalidades abordaram esse tema sobre os mais diversos aspectos. Sejam traições ou mesmo paixões, amor sempre rende um bom roteiro. E esse é justamente esse o tema que Claude Chabrol, o cronista que analisa a hipocrisia da burguesia francesa, faz uso em mais uma de suas crônicas Uma Garota Dividida em Duas, filme lançado ainda em 2006, mas que só agora ganhou as legendas em bom português.
Mais uma vez, ele conta com o mesma equipe com que trabalha e o elenco também. Mas nesse filme, algo mudou. Chabrol ao invés de examinar seus compatriotas, prefere analisar suas próprias referências, colocando tudo em um mesmo liquidificador. Testando, assim, a noção de gênero contida em cada filme.
No roteiro, Uma Garota Dividida em Duas é descrito como uma espécie de “comédia negra”, mas ele é muito mais um retrato dos conflitos emocionais de Gabrielle (interpretada por Ludivine Sagnier), uma apresentadora de metereologia que se vê nos braços de dois homens que competem pelo seu afeto. Um é Saint-Denis (François Berléand), um escritor hermita, decadente nos seus desejos, com o triplo da sua idade. O outro, um caprichoso herdeiro, Paul (Benoit Magimel), que qual príncipe mimado, move todos os focos para si no seu jeito absurdo, entusiasmante e ameaçador. E todas as regras do início da comédia romântica estão lá: o amor à primeira vista, a música que pontua os momentos de emoção, os estereótipos da moça ingênua e do sedutor arrogante.
E a todo momento nos vemos numa espécie de festival de linguagem cinematográfica em desuso, como a utilização extensiva de zooms, fades e câmeras que, em busca da simetria perfeita, se mexem interminavelmente para se adequar a cada virada de pescoço dos personagens. O conflito desta linguagem antiga com o conteúdo contemporâneo gera certa surpresa por Chabrol ter realizado uma obra tão disforme quanto embaraçosa. E isso fica evidente quando uma garotinha aparentemente ingênua se traveste de pavão e pratica sexo oral nos seus dois candidatos a príncipes encantados, enquanto a música alegrinha sugere um momento de leveza, de romantismo.
Nessa levada, vê-se um filme inegavelmente artificial. Cada elemento é utilizado para exagerar os estereótipos: a fotografia completamente desigual que faz do ambiente de trabalho uma coisa completamente branca, chata, uniforme; a direção de arte que veste todos os aristocratas com colares de pérolas; a montagem que interrompe a imagem no rosto dos personagens, após uma expressão dramática; e claramente o roteiro, que cria cenas de uma inverossimilhança extrema.
Talvez, por ter sido influenciado narrativamente por Scoop e Match Point, ambos de Woody Allen, dado as semelhanças epidérmicas e a referência ao gênio do neurótico realizador, o triângulo de amor adúltero em Uma Garota Dividida Em Duas termina fazendo com que Chabrol recorra a metáfora da abruptesa. E assim acaba se perdendo no desfecho pós-clímax, de algo que até aí tinha sido bem intrincado, subjetivo e até sugestivo, deixando as nuances ingênuas à espera de confirmações. Uma pena.
NOTA: 4,0
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