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Leonardo DiCaprio em cena do novo de Thomas Anderson: domínio fílmico. (Divulgação).

“Uma Batalha Após a Outra”: coquetel molotov cinematográfico arremessado à política antimigração dos EUA

Paul Thomas Anderson erige obra excepcional que esquadrinha as vísceras do regime Trump

“Uma Batalha Após a Outra”: coquetel molotov cinematográfico arremessado à política antimigração dos EUA
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Libelo incendiário contra as barbaridades promovidas pelo governo de Donald Trump, especialmente aquelas capitaneadas pelo Serviço de Imigração e Alfândega dos Estados Unidos (ICE, na sigla em inglês), Uma Batalha Após a Outra é um acontecimento cultural, mas acima de tudo político. Diante da panela de pressão na qual a sociedade estadunidense se vê mergulhada em 2025, Paul Thomas Anderson resgata a freneticidade de um cinema engajado que há muitos anos não se via na produção comercial made in USA.

A condução orquestral da introdução já revela que o espectador está diante de algo majestoso. Aqui não há formalismo inócuo; ao apresentar-nos ao grupo revolucionário French 45 durante uma ação na fronteira do México com os EUA, a câmera de Anderson contempla a narrativa com o raro equilíbrio de elegância e urgência dramática. Em meio à ação coordenada entre diversos personagens, somos apresentados ao casal de ativistas Bob (Leonardo Dicaprio) e Perfidia (Teyana Taylor), centrais à história que se desenrolará, assim como o coronel Steven Lockjaw (Sean Penn), figura cuja asquerosidade só não é maior que seus trejeitos físicos ridículos. Opto, neste texto, a pouco versar sobre os caminhos traçados pelo roteiro de Anderson, que é inspirado no livro Vineland de Thomas Pynchon – autor já adaptado pelo cineasta anteriormente em Vício Inerente

Ao transportar a história do livro para os Estados Unidos de hoje, o enredo proporciona comentários sagazes e incisivos, banhados de humor ácido, acerca do sectarismo impregnado na cultura armamentista, branca e masculina norte-americana. Anderson dosa como ninguém a seriedade das temáticas trabalhadas com o escracho na composição corporal dos personagens.

Dicaprio, impecável como o junkie revolucionário Bob, arranca gargalhadas em cenas como a do telefonema para tentar descobrir o ponto de encontro com o grupo. Sua ansiedade explosiva é contrabalanceada com a calma inabalável do Sensei Sergio St. Carlos (Benicio del Toro); as sequências com os dois personagens são memoráveis. A ótima surpresa do elenco, sem dúvidas, é Chase Infiniti, jovem atriz que faz sua estreia em longas-metragens. De intensa entrega à personagem, a intérprete de Willa evoca segurança e ternura admiráveis para alguém com tão pouca experiência (seu primeiro trabalho à frente das câmeras foi na recente série Acima de Qualquer Suspeita). 

One Battle After Another
Taylor em cena: comentários sagazes sobre o sectarismo impregnado na cultura armamentista, branca e masculina dos EUA. (Divulgação).

Para os afeitos aos exercícios de previsibilidade à temporada de premiações, o filme de Paul Thomas Anderson desponta como um dos favoritos do ano. Duas categorias técnicas impecáveis, a caráter de exemplificação: a montagem de Andy Jurgensen, estonteante, responsável por segurar o ritmo caótico ao longo de 2 horas e 40 minutos sem desvanecer.

Igualmente magnífica, a trilha sonora concebida por Jonny Greenwood (guitarrista do Radiohead e parceiro de longa data do diretor) tensiona a experiência a níveis quase insuportáveis de inquietação. Incrível como a estridência das notas de piano percorrem, ininterruptamente, grande parte da narrativa para, em momento-chave, serem suspensas, dando ao silêncio gravidade dramática abismal. 

Anderson, especialista na tessitura de obras multifacetadas, reitera mais uma vez o completo domínio fílmico que possui ao equilibrar todos os pratos com primor. Das perseguições de carros alucinadas ao arranjo de planos mais comedidos, como a reunião do Clube dos Aventureiros Natalinos, o cineasta imprime sua marca na urdidura narrativa de Uma Batalha Após a Outra. Mesmo ao explorar novas possibilidades dentro das camadas de gênero (cinema de ação, thriller político), o diretor não se desvencilha da voz autoral que exaltamos, anteriormente, em grandes obras como Magnólia, Sangue Negro e Trama Fantasma

Contíguo às proposições libertadoras de pensadores como Mikhail Bakunin e Frantz Fanon, o filme de Paul Thomas Anderson provavelmente se tornará alvo do conservadorismo fascistóide – ainda que seja cedo para entender o real impacto que a produção terá nos EUA e no mundo. Com lançamento nos cinemas brasileiros a partir desta quinta-feira (26), a obra pode e deve ser analisada como paralelo à nossa própria realidade política e social. Quão dispostos estamos para defender a democracia e a liberdade no nosso país? 

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