Ícone do importante movimento artístico Clube da Esquina e parceiro de grandes nomes da música brasileira, como Milton Nascimento, Beto Guedes, Nando Reis e Fernando Brandt, Lô Borges atravessou gerações como uma grande referência do cancioneiro nacional.
Mas o principal parceiro de Lô Borges ao longo da carreira tem sido seu irmão Márcio Borges, com quem ele compôs clássicos como “Um Girassol da Cor de Seu Cabelo”, “Clube da Esquina” e “Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor”, entre outros sucessos.
O ano de 2021 guardou nova parceria de Lô com o irmão Marcio, “Muito Além do Fim”, a primeira em dez anos. A canção faz parte do novo disco deste que é um verdadeiro ícone da música brasileira e foi produzido durante a pandemia marcando o retorno da parceria de sucesso com o irmão Marcio Borges. As gravações seguiram as recomendações da OMS, com distanciamento. Mas com muita proximidade de ideias, de afinidades musicais, de vontade de tocar. “A gente tem muitas limitações por conta da pandemia com o isolamento social, mas há muito o que fazer em casa”, opina.
E quem divide os vocais deste primeiro single é Paulinho Moska. A composição traz uma mensagem de alento e esperança nestes tempos em que nada parece ser fácil e o futuro permanece incerto. “O cessamento desse abalo sísmico/Me diz que eu verei a paz/Das águas claras de um rio límpido/Cantando seu final feliz”, diz a letra.
O álbum conta com dez faixas inéditas, muitas delas, apesar de inéditas em disco, têm já uma trajetória longa. “Terra de Gado” por exemplo foi composta em 1999 e nunca havia sido gravada por Lô. Já “Piano Cigano”, que encerra o álbum, foi composta ao piano por Lô em 1978 e ganhou letra de Márcio.
Batemos um papo com Lô Borges sobre seu mais recente trabalho, carreira e isolamento social.
Como está sendo esse período de isolamento social? Você já tinha planejado o disco ou surgiu durante a pandemia?
Esse disco vem numa sequência de antes da pandemia. Em 2019 eu fiz um disco com letras de Nelson Ângelo chamado Rio da Lua. Em 2020, eu fiz um disco com letras de Makely Ka chamado Dínamo e aí, em 2021, veio a pandemia, quando ia lançar o álbum. Aí vem a pandemia, aí eu falei: “puxa!”. Tem muito tempo que eu não faço música com o meu irmão [o músico Márcio Borges], eu vou convidar ele pra fazer um disco, que eu não quero ficar triste, em casa, com a pandemia. Nos primeiros dois meses, eu fiquei meio triste, assim, até parei de tocar violão um pouco, piano, viola. Mas dois meses depois eu voltei a mil por hora e convidei o meu irmão pra fazer as músicas comigo, um disco de 2021. Eu já tinha feito um em 2019, fiz um em 2020 e tava a fim de fazer o de 2021 com o meu irmão. Eu o convidei e ele me pediu os áudios e foi mandando letra atrás de letra. Foi tudo perfeito! As letras se encaixam super bem, por que a gente tem um entrosamento muito grande, ele é meu compositor majoritário, 70% das minhas músicas as letras são dele. Tudo flui muito naturalmente.
Foi uma ótima oportunidade para reavivar essa parceria familiar?
Eu não diria parceria familiar. O Marcinho é um cara do mundo e eu sou um artista do mundo. Eu não sou família. A consanguinidade é uma consequência entre eu e o Márcio Borges. A gente não precisava ser consanguíneo para ter entrosamento e fazer música. Não é a família e nem a consangüinidade. Na verdade, é identificação que eu chamo isso.
Como você gosta de realizar parcerias com outros artistas? Como você escolhe cada colega a cada ciclo do seu trabalho?
Eu gosto de interagir, não como compositor, de fazer música com outros autores improváveis, digamos assim, como autores que não são do Clube da Esquina, por exemplo. Há quem diga que “o pessoal do Clube da Esquina só compõe com a turma do Clube da Esquina”, mas eu não sou assim, eu faço música diversificada. Só com os paulistas, eu vou citar a Patrícia Maês, Tom Zé, Arnaldo Antunes, Nando Reis… Eu faço questão de citar a Patrícia porque ela faz letras muito legais. Ela fez mais letras que eles três, inclusive.
Quando eu fiz 50 anos, eu decidi ficar em casa, larguei a boemia e resolvi ficar em casa compondo. E já fiz uns dez discos depois dessa minha decisão.
Como foi o processo de composição das músicas e do título Muito Além do Fim?
A origem das canções é sempre da mesma forma comigo e meu instrumento. Antes da pandemia, eu já vivia muito em casa, eu já era um cara de isolamento social por conta da música. Eu sempre tive muita vontade de fazer muita música. Então eu acho mais interessante fazer uma música em casa do eu ir para um bar na rua. Eu faço bastante música e o processo de composição foi o de sempre: sou eu tocando violão, piano ou viola. No caso de Muito Além do Fim foi violão. O Márcio Borges fez as letras, Henrique Matheus na guitarra, Thiago Corrêa contrabaixo, teclado e percussão, Robinson Matos bateria. Então, foi muito rico todo o processo. Ainda teve o Paulinho Moska fazendo uma linda participação.
Na maioria dos meus discos, a última coisa que eu escolho é o nome. Eu fiz um projeto após o Muito Além do Fim, só com sons de teclado de igreja. São dez músicas no total. Agora eu estou fazendo a quarta música de um projeto Guitar Songs, compondo só na guitarra, depois de ter feito Muito Além do Fim que é solo ou violão. Assim eu vou diversificando o meu dia-a-dia para lidar com o isolamento social também.
E uma ação importante essa prática de trabalho, além de terapêutica, não é?
Quem tem o que fazer, não precisa de rua.
Como você vê sua obra ao longo do tempo? Suas músicas envelheceram bem e ser tornaram atemporais?
Minhas músicas antigas não envelheceram e as novas as pessoas vão conhecer quando eu estiver bem velhinho. Eu faço mais música do que a minha capacidade de lançar discos. Lancei Muito Além do Fim recentemente, mas já tenho mais de 30 músicas compostas. Meu processo de composição é muito grande. O que me interessa é fazer música. Dos 30 aos 50 anos, eu era quase um boêmio: aquela vida do Clube da Esquina, Santa Tereza [bairro de Belo Horizonte], os bares… Quando eu fiz 50 anos, eu decidi ficar em casa, larguei a boemia e resolvi ficar em casa compondo. E já fiz uns dez discos depois dessa minha decisão.
Na minha opinião, sem querer sem agressivo, eu acho que o Brasil elegeu um louco pra presidente da República!
As novas bandas e artistas sofram com o monopólio da grande mídia e da indústria sobre os mecanismos de divulgação?
Já faz um tempo que quem tem o que mostrar não usa a grande mídia, pois sabe das dificuldades que tem pra chegar até ela. Para 99,9% dos artistas brasileiros é difícil chegar à grande mídia. O pessoal já descobriu há muito tempo a internet. E nesses novos espaços que os novos artistas e bandas estão batalhando fora da grande mídia. Mas ainda tem gente que procura e encontra alguma coisa. Tem gente que só faz trabalho pensando na grande mídia e às vezes, não consegue, e deve ser uma decepção tão grande. Eu nunca pensei em mídia, nem em grande mídia. Eu faço música por prazer e tem um público que gosta do que eu faço e me apoia o tempo todo. Tenho músicos que trabalham comigo, tenho letristas disponíveis, pessoas que tem interessam… Então, minha vida, mesmo com pandemia, eu a transformei numa coisa boa! Eu tive que transformá-la por que, se não, eu ia ficar “deprimidão”, pois tô em casa o tempo todo. Mas eu não tô confinado porque eu tenho a música no meu espírito, eu vou construindo as canções uma atrás da outra. Compor, para mim, é uma coisa do meu cotidiano como tomar banho, dormir, tomar café da manhã… Então, estar em casa é muito gostoso, pois tenho o que fazer.
Depois de uma carreira com tantas conquistas e realizações, há algo que você não fez e tem desejo de por em prática?
Fazer um show pelado em Olinda! [risos]
O disco Clube da Esquina continua influenciando gerações?
Já comemoramos 20, 30, 40 e ano que vem acho que vamos comemorar os 50 anos do Clube da Esquina. Pelo que tenho visto nos últimos tempos, tem tanta celebração que o pessoal tá gostando do que a gente fez 50 anos atrás.
O país está sofrendo de posturas conservadoras e de censura às artes, qual sua leitura sobre a conjuntura política do Brasil neste sentido?
O que está acontecendo no Brasil é algo tão lamentável em todos os níveis. O nível sanitário é calamitoso. O nível governamental também. O que vai segurar o país é essa CPI, que pode ajudar a gente. O país tá muito mal tratado pelos seus governantes. Na minha opinião, sem querer sem agressivo, eu acho que o Brasil elegeu um louco pra presidente da República!
Queria agradecer e parabenizar pelo seu mais recente trabalho. Sucesso!
Aproveitem e produzam! A gente tem muitas limitações por conta da pandemia com o isolamento social, mas há muito o que fazer em casa, descobrindo o que pode ser feito nas nossas residências. Eu já descobri várias e faço todos os dias e convido a todos a descobrirem coisas novas.