Há 40 anos, o Ateliê Iza do Amparo se tornou um marco na cena artística de Olinda. Fundado por Iza do Amparo e seu falecido esposo, Humberto Magno, o espaço tem sido um ponto de referência para artistas e visitantes, destacando-se pela sua contribuição às artes plásticas pernambucanas. Para celebrar este importante marco, foi lançado em 13 de julho o circuito Da Casa-Ateliê de Artistas-Etcétera ao Agora: Duas Gerações, Quatro Desdobramentos, que estará disponível até 11 de agosto. Este evento, incentivado pelo Funcultura, consiste em quatro exposições individuais ao longo de um ano, cada uma celebrando as diferentes gerações de artistas que compõem o ateliê.
A primeira exposição, intitulada Artista-Cientista Paulo do Amparo: Das Manufeituras à Zoada do Teu Momento, foi inaugurada no Museu Regional de Olinda. Curada por Ana Gabriella Aires, a exposição de Paulo do Amparo apresenta suas produções mais recentes, incluindo trabalhos em litogravura e eletrogravura, realizados em parceria com Ricardo Melo. O público também pode conferir criações do Xekerall, coletivo de pesquisa em música e eletrônica que Paulo integra junto ao produtor musical Homero Basílio.
Além de criar e expor suas obras, Iza do Amparo, agora com 74 anos, dedica-se a transmitir seus conhecimentos. Ao longo das décadas, ela ofereceu oficinas e compartilhou técnicas com novos artistas, fortalecendo a cena artística local. O ateliê não é apenas um espaço físico, mas também um símbolo de resistência e acolhimento. Desde sua fundação, tem sido um local de criação e convivência, onde os artistas como Iza, Paulo e Catarina do Amparo desenvolvem suas obras e interagem com a comunidade.
Em conversa com a Revista O Grito!, Iza compartilha detalhes sobre sua trajetória, desafios e conquistas ao longo de quatro décadas dedicadas à arte. Confira a entrevista na íntegra.
Como começou sua jornada como artista em Olinda e o que a inspirou a estabelecer o Ateliê Iza do Amparo?
Eu cheguei em Olinda em fevereiro de 1982 deliberadamente, diante das minhas experiências de viver em outros locais e em outras cidades. Eu e meu ex-marido, Humberto Magno, que era artista plástico, resolvemos que o destino que iria realizar o nosso sonho seria Olinda. Então, nós compramos essa casa já com este plano – daqui ser residência, local de trabalho e exposição. Deu certo.
Ao longo de 40 anos de ateliê, quais foram os momentos mais significativos e desafiadores para você como artista e matriarca de uma casa de artistas?
Todos os momentos são desafiadores, dependendo do seu astral, da sua energia e das circunstâncias. Acho que realizei, de uma maneira que foi boa e produtiva, todos estes desafios que eram me inserir na cidade, me adaptar e adaptar a realidade da casa ao que a gente desejava. Isso também envolve aprender com ela, aprender com a cidade e, inclusive, criar um nome artístico que é Iza do Amparo, em função da rua.
Como foi a evolução do Ateliê Iza do Amparo ao longo das décadas? Houve alguma mudança significativa na dinâmica ou na visão artística ao longo do tempo?
Eu nunca tive uma visão artística fixa. O que era fixo era a casa, Olinda, o fato de aqui a gente realizar o que era um sonho ou projeto de vida e as adaptações que foram necessárias. Até eu ter uma circunstância que ficou adaptável para mim ou minha família. Eu queria que meus filhos vivessem numa cidade onde eles tivessem uma identidade com aquele local, que eles não fossem estrangeiros, alguém de fora. Acho que conseguimos isso, inclusive com os netos que já nasceram aqui.
Como funciona a dinâmica criativa dentro do Ateliê, especialmente considerando a convivência e colaboração entre artistas?
É uma casa que está em movimento, ela está à beira da rua, vive da janela e da porta. Então, não é uma residência ou um ateliê parado, fixo. Aqui, tudo se movimenta e se modifica, dependendo também das circunstâncias da própria rua e da própria necessidade de Olinda, que comanda. Dentro disso, seguimos esse parâmetro que a cidade nos oferece, que é o de estar presente, participando, recebendo pessoas. Este é um ponto fundamental.
Qual é o papel da arte na sua vida pessoal e na comunidade de Olinda? Como você vê a contribuição do seu trabalho para a cena cultural local?
A arte em si, seja ela em suas várias expressões, em uma realidade muitas vezes dura e difícil, recebe o papel de refrigerar e abrir janelas. Ela tira do caminho o que estiver atrapalhando uma realidade profunda e rica, renova a mesmice cotidiana que a gente tem que viver. Então, eu acho que a interação da gente com a cidade, com o mundo, com as pessoas e delas com a gente, é quase perfeita. Eu respondo aos anseios que a sociedade dá de abrir novas percepções e ela me dá o recado de onde ela tá precisando. Essa foi a maneira que eu escolhi para sobreviver. É uma guerrilha diária.
Aqui, tudo se movimenta e se modifica, dependendo das circunstâncias da própria rua e da própria necessidade de Olinda, que comanda. Seguimos esse parâmetro que a cidade nos oferece, que é o de estar presente, participando, recebendo pessoas. Este é um ponto fundamental.
Iza do Amparo
Você poderia destacar algum projeto que tenha sido especialmente significativo para você ao longo dos anos?
O único projeto que existiu, de fato, foi vir para Olinda. O restante, foi o que a vida nos determinou e os caminhos que estavam abertos, que eram possíveis de dialogar. Então, todos os momentos são decisivos para a sobrevivência e para a nossa criação.
Ao longo de sua carreira, como você vê a evolução da cena artística em Olinda e em Pernambuco como um todo?
Pernambuco tem uma arte forte. A Bahia pode ter me dado uma régua, um compasso, mas foi aqui que recebi o conteúdo necessário. É incrível a criatividade e a sensibilidade que existe aqui. Por outro lado, eu vejo que desde que eu cheguei aqui, a cena artística não se desenvolveu muito. É o aspecto sensível da importância de algo que também gera dinheiro, mas que não é levado em conta. Tudo é feito de um modo atrasado, em troca de favores, de interesses que não abordam a amplitude que a arte ou que a cultura tem.
O que significa para você celebrar este marco de 40 anos?
É uma vida que eu não vivi em outro lugar, mas dentro dessa casa. Todos os dias, todas as semanas, meses… Com poucas fugas, cada vez menos. Eu sou dessa casa e de Olinda.
Como você enxerga o futuro do Ateliê Iza do Amparo?
Por estes anos que eu vivi, percebi que tudo passa, tudo se acaba e vira pó. Principalmente neste mundo em que estamos, que é totalmente disfuncional ao que era importante e valorizado em 40 ou dez anos atrás. Eu acredito que o vale, no momento, é eu estar aqui, estar interferindo e comunicando. Depois? Eu não quero nem ter acervo guardado. Se não há na cidade um arquivo público respeitado, onde se agreguem estes valores e documentos, eu não espero muita coisa não. Enquanto eu estou aqui, a minha casa está viva comigo cuidando, mantendo, consertando, interagindo com as pessoas e contando histórias. Depois, virão outros.
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