Com quase 500 exemplares vendidos apenas no primeiro dia de pré-venda, Superpunk é uma obra que mistura aventura sobrenatural, humor e punk rock. A história acompanha Violeta, uma pré-adolescente de 13 anos que, ao tocar uma fita cassete ao contrário, libera monstros assustadores e ganha poderes que a transformam na heroína Superpunk. Lançado inicialmente como um zine em 2017 pelo quadrinista Guilherme Petreca, o quadrinho traz uma linguagem acessível e referências à cultura pop, atraindo diferentes gerações e resgatando memórias dos anos 2000.
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A ambientação da HQ reflete um típico bairro de periferia brasileiro, incorporando elementos visuais que remetem à cultura local, como grafites e referências à Turma da Mônica. Petreca, que cresceu no Grande ABC, traz sua experiência pessoal para construir um cenário autêntico e vibrante, evidenciando a riqueza estética das periferias. Essa representação desafia as narrativas tradicionais e oferece uma nova perspectiva sobre a vida nas comunidades, dignificando a estética popular.
Conversamos com Guilherme Petreca e Mirtes Santana, que é roteirista, sobre o impacto de Superpunk na cultura juvenil e a importância de contar histórias que ressoem com as novas gerações. A obra busca que os jovens se vejam nas histórias e se inspirem a serem protagonistas da sua própria vida. Confira a entrevista na íntegra.
Superpunk mostra um apego à nostalgia, com as fitas cassete, as músicas punk clássicas, mas tem um frescor na narrativa com personagens jovens, podcasters. Como foi alinhar esses dois universos em um gibi com um apelo ao público juvenil?
Guilherme Petreca: Acho que cheguei em uma idade em que já é “permitido” ser nostálgico. Superpunk, é um reflexo do que fui, quando tinha a idade da personagem. Cresci com muita música em casa, por causa do meu pai. Inclusive, foi ele que me apresentou ao hardcore. Eu tinha um fascínio por fitas cassete, fazer mixtape, gravar o ensaio das bandas que tive. Tem uma coisa mágica na fita, fico muito feliz que as cassetes e discos de vinil estejam revivendo os dias de glória.
Assim como esse universo – que já era antigo quando o descobri – me fascinou, acho que ele pode gerar interesse no público juvenil. Fez parte do desafio deste projeto equilibrar elementos nostálgicos com uma linguagem contemporânea, e tem sido muito divertido receber feedback de pessoas que se identificam com a parte nostálgica da HQ, e dos leitores mais jovens que estão tendo contato com essas tecnologias e músicas pela primeira vez.
A HQ resgata muito da filosofia punk, da rebeldia com causa, a oposição às regras injustas, do faça você mesmo. Sempre foram apreciadores do movimento e como foi incluí-lo na história?
Guilherme Petreca: A HQ nasceu com a proposta de homenagear duas coisas que eu era apaixonado (ainda sou) na pré adolescência – o punk e hardcore e os mahou shoujo (animes e mangás de garotas mágicas), então a inclusão da filosofia punk faz parte do embrião deste projeto. É uma forma de pensar que me guiou durante minha fase de desenvolvimento, e até hoje influencia diretamente minha forma de enxergar arte, política, relações interpessoais. Então, mesmo que eu trabalhe em um projeto que não tenha nada a ver com punk rock, sempre vai ter um pouco dessa forma de pensar no que faço.
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Pode falar um pouco mais de Violeta e de sua construção? Desenvolver adolescentes é mais desafiador?
Mirtes Santana: A Violeta é como uma representação das nossas rebeldias. O Petreca criou a Superpunk no formato de fanzine em 2017 (que é uma espécie de episódio piloto de quadrinhos), baseado nas vivências dele crescendo, escutando álbuns punks e treinando skate (tomando vários tombos por aí, rsrs). Quando fui convidada para colaborar no projeto, também contribui para moldar essa personagem, trazendo um pouco mais de impulsividade, de deboche e também de um espírito mais ranzinza. Sou roteirista de cinema, então pra mim foi muito interessante trabalhar elementos de construção de personagem numa mídia impressa, construindo isso através de páginas e não de cenas animadas.
Mesmo que Violeta represente traços de nós mesmos, também gostamos que ela abarque os desejos dos pré-adolescentes da Geração Z e Alpha. Afinal de contas, existem vivências de infância que são universais.
É desafiador trabalhar com o equilíbrio entre o caráter nostálgico e o atual, no entanto, encontramos brechas para nos conectar com a nova geração de leitores para a qual esse quadrinho é direcionado. É justamente essa mistura, entre o novo e o velho, que dá identidade à HQ.
A HQ tem uma ambientação de um típico bairro de periferia brasileiro, com destaque para a pintura icônica da Turma da Mônica tosquinha, os murais de grafite, as ladeiras. É também uma imagem pouco comum quando pensamos em narrativas brasileiras nesse cenário, levando para um lugar mais pop, inclusive. Podem falar um pouco mais dessa construção, sobretudo a inspiração da região do Grande ABC?
Guilherme Petreca: O ABC é a região onde nasci, cresci e voltei a morar há alguns anos. Foi aqui onde comprei minha primeira guitarra, com moedas que juntei durante um ano, numa loja chamada O Pai da Banda, homenageada na HQ como Mãe da Banda. Aqui tomei meus primeiros tombos andando de skate, fiz as primeiras pichações e lambe lambes. Desde os primeiros esboços da concepção de mundo essa bagagem da região influenciou muito a forma de pensar o deslocamento dos personagens. Se eles estão em uma sala de aula, não vão estar usando terninho e meias ¾ numa sala perfeitamente limpa. A sala vai ter cadeiras diferentes uma da outra, com pichações bobas nas mesas e cadeiras, um Abaporu pintado pelos alunos no fundo da sala, etc…
Nós partimos da piada de que um bairro periférico brasileiro merece ser salvo tanto quanto Tóquio, Nova Iorque e Gotham. A estética periférica brasileira (neste caso, mais focado na grande São Paulo) é fascinante. Os postes cheios de fios, as ruas pintadas com cal em época de copa do mundo, pichações e a inocência das pinturas de muro de escola pública são coisas que crescemos observando e admirando. Fico feliz em poder condensar essa estética na HQ.
Queria ouvir um pouco de Mirtes Santana de como tem sido a primeira experiência com quadrinhos? E quais eram suas maiores referências desse universo antes de trabalhar nessa HQ.
Mirtes Santana: Eu sempre tive muita curiosidade de escrever em outros formatos. Como roteirista de TV, temos a chance de ver nosso projeto concreto só na tela, e isso é um pouco imaterial. Nos quadrinhos, temos uma referência física, impressa numa edição (e Superpunk tem uma das impressões mais lindas do mundo!). Minha alfabetização, como de quase toda criança brasileira, começou lendo os gibis da Turma da Mônica, tirinhas da Mafalda – acredito que foram dessas histórias que vieram parte das minhas referências de como construir a Violeta como uma personagem questionadora. Durante a adolescência, virei uma otaku de carteirinha e os animes passaram a fazer parte da minha vida. A partir desse repertório visual, fui criando o gosto por colecionar os mangás desses seriados japoneses, como Sakura e Nana. Para a HQ, fiz uma pesquisa muito profunda nesse universo, com a ajuda do Guilherme que, claro, expandiu todo o repertório e hoje tenho as minhas coleções na prateleira.
Superpunk se insere em um momento bem interessante do mercado de quadrinhos brasileiro, de autores encontrando seu público, de trabalhos explorando diferentes gêneros, mas com essa cara local. Como vocês visualizam esse momento e como é esse contato com os leitores?
Guilherme Petreca: Além dos autores encontrarem o público, tem sido muito importante que o público conheça e valorize os autores. E é um movimento recente que, acredito, tende a crescer. Também é um fenômeno autores brasileiros cada vez mais serem publicados e premiados no exterior. Eu me considero um cara muito sortudo por poder fazer parte deste momento. A gente vem de uma geração que via com maus olhos o que era produzido no Brasil. Isso era triste, e felizmente é um preconceito que está ficando para trás
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O livro deixou possibilidades para novas histórias. Vocês pensam em expandir o universo de Superpunk, apresentar novos personagens? O que planejam?
Mirtes Santana: Superpunk é um projeto que visa ultrapassar várias fronteiras e explorar várias mídias, a HQ é só o começo dessa jornada. Estamos desenvolvendo um projeto de série de animação com a produtora Chatrone, responsável por grandes sucessos do streaming como, O Menino Maluquinho (Netflix) e Ba Da Bean (HBO). Ano passado, com o projeto de série, tivemos a oportunidade de participar de um evento de mercado no Festival de Animação de Annecy, na França. Enquanto a série não sai, estamos bastante animados com a ideia de escrevermos um segundo volume da HQ. Achamos que o universo tem muito a se expandir. Temos novos personagens que ainda não foram apresentados e uma mitologia muito rica para explorar. Aliás, essa a vantagem de trabalhar com uma personagem nessa fase da vida adolescente em que as emoções e os hormônios fervilham: a rebeldia sempre tem o poder de se ressignificar independente da época, mostrando que a desobediência é necessária, para fazer o mundo mudar.
Quais as referências mais importantes pra vocês, o que os inspirou a querer trabalhar com quadrinhos?
Guilherme Petreca: Eu sempre fui atraído pela estética, seja visual, sonora, olfativa. De todas as mídias que explorei – animação, fotografia, pintura, escultura, música, escrita – achei que nos quadrinhos é onde consegui condensar melhor uma experiência de interagir e me comunicar com o mundo. Na HQ consigo retratar sensações e sentimentos de forma única.
Eu acho que [a HQ] é uma mídia apaixonante, tanto para quem produz tanto quanto para quem consome.
É uma forma de arte que permite se inspirar em tantas outras… É possível imprimir musicalidade, treatalidade, movimento. Além de ser muito conveniente, já que é possível fazer HQs com o mínimo de recursos possível. Também é uma mídia democrática, mesmo tendo álbuns de luxo custando 3 dígitos, é possível encontrar HQs muito baratas, fora o crescente das publicações online e gratuitas.
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