Um dos nomes mais cultuados da eletrônica nacional, a dupla paulistana Liana Padilha e Luca Lauri mostra como a NoPorn firmou-se como um electro afiado e de versos ritmados (mais falados que cantados), que perduraram até hoje no ideário clubber. Eles fazem experimentações musicais com letras “abusadas” e um (super) pé na moda, arte e cultura pop, fazendo sucesso nas pistas e inspiração para muita gente, principalmente nos rolês LGBTI+.
A dupla de artistas sempre teve como pressuposto falar dos vários tipos do amor, em particular o amor físico, sem pender à pornografia – por isso o nome NoPorn. O DJ/produtor cria bases aleatórias em aplicativos como o portátil Figure e a controladora Push, e agora também usando o baixo sempre acoplando suas ideias sonoras às rimas e versos de Liana. “Me incomoda essa preocupação com as liberdades individuais e não com o que realmente importa politicamente, que é o bem-estar das pessoas. E nisso entra o direito aos afetos e a sexualidade livre”, observa Liana.
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A NoPorn se prepara para comandar uma noite dedicada à música eletrônica no Recife, no próximo dia 28, no Biruta Bar. A dupla divide o palco com a cantora e performer Potyguara Bardo (Natal, Rio de Grande do Norte) e a banda recifense Triinca. Liana, que tem avó pernambucana, com sua voz deliciosa do hit nacional “Baile de Peruas”, conversou com o Grito! sobre a expectativa para a apresentação na capital pernambucana e atual conjuntura brasileira.
Onde e como surgiu a NoPorn?
O noporn, (@minhaloucuratemtrilhasonora), surgiu de vários questionamentos sobre o momento que vivíamos no começo desse século: eu e o Luca Lauri começamos a tocar como djs em festas e eu cantava/falava coisas minhas e que os outros escreviam, coisas que tinham a ver com ter 20/30 anos e estar na vida, coisas que eu sempre questionei, sobre a sexualidade ser uma aula dada pela indústria pornô e não por professores nas escolas, desde criança. O que faz com que a gente coloque as questões de sexo num lugar proibido, sujo ou errado e não no lugar de potência geradora de vida, afetos e conexões. Eu sempre questionei isso e acho que esse questionamento nunca fica datado, porque continuamos a reproduzir o que aprendemos com a pornografia e não com os sentidos, com o corpo. E o mundo continua aceitando a violência naturalmente e o sexo como estranho.
O primeiro álbum de vocês No Porn era mais melancólico, falava sobre perda. Já o segundo Boca tem a ver com sexualidade, libertação sexual, com os direitos, com violência, com sexo, com amor. Depois desses 13 anos de existência muitas coisas mudaram a forma de visualizar o mundo. O que tem influenciado o NoPorn atualmente?
Pessoalmente, continuo me interessando pelos mesmos assuntos. São temas ligados ao amor, à posse, à perda e também ao deleite, ao prazer, ao abandono e compulsões. Acho que a violência está muito ligada às repressões. Vejo cada vez mais pessoas que não sabem lidar com a liberdade, sua e dos outros. Não sabem dar afeto, trocar. Vivem assistindo a vida dos outros como num reality show. Acho que violência e paixão são temas que ainda nos atormentam.
A banda traz inúmeras participações e referências. Isso é uma forma de produzir que vocês desenvolveram ou surgiu de uma necessidade natural de criar essa conversa entre as referências de vocês dois?
Eu e o Luca Lauri adoramos mashups, citar uma música sobre outra, mixando. Somos djs na origem, e fazemos isso, mixamos referências, quando criamos as músicas. Um jeito de abrir janelas de tópicos conectados, como num fluxo de pensamento. Eu escrevo muito assim. O Luca Lauri produz faz as bases eletrônicas e eu edito ou crio as letras. Sempre fico atenta ao que os amigos falam, aos assuntos, mas tenho interesse em narrativas mais emocionais e pessoais. Narrativas do corpo. Sempre acho que pra viver no coletivo, você tem que se fortalecer no individual, pra não repetir vícios ou querer dirigir os outros.
De onde vem esse gosto da relação da música com a pintura? E com a moda?
Eu sou artista plástica e trabalhava como estilista. O Luca Lauri é designer, então essas coisas nunca estiveram separadas. Tenho um trabalho novo, o @projeto_tintapreta, que une esses três pontos, música, pintura e moda/comportamento.
O que inspira você no processo de criação artística?
A liberdade, a soltura e o prazer.
Como não repetir fórmulas de trabalhos anteriores ou mesmo cair em chavões datados?
Acho que se o que você fala/faz é de verdade, sempre alguém vai se identificar. Como falei aí em cima, acho que sexo, amor e morte, sempre serão assuntos em pauta. Cada geração tem seu modo e me interesso por todos.
Você se afeta muito pelo o que está rolando na política? Acha que o papel dos artistas é de resistência?
Tudo que limita a liberdade nos afeta diretamente. Tentarem censurar arte e manifestações pessoais, é um atraso. Acho que quem pensa um pouco, consegue perceber isso. Tem um “apequenamento” e pasteurização quase depressivo da perspectiva cultural. Me incomoda essa preocupação com as liberdades individuais e não com o que realmente importa politicamente, que é o bem-estar das pessoas e nisso entra o direito aos afetos e a sexualidade livre. Por outro lado, onde se mata, ou se dá pouca importância à cultura, faz nascer uma espécie de contra-cultura que permite quase tudo. E isso particularmente me interessa.
Vocês continuam criando? Podemos esperar por um terceiro álbum em breve?
Atualmente o Luca Lauri atua mais como produtor e eu faço os shows com o Lucas Freire, que é produtor e músico, já trabalhava com o noporn e trabalha comigo na minha outra banda, o @projeto_tintapreta. Mas sempre tenho assuntos Noporn e claro que quero fazer mais um disco logo!
Está marcada uma apresentação no Recife no próximo dia 28. O que o público pode esperar? O que aguarda os pernambucanos?
Amo Recife, minha avó paterna é pernambucana. É sempre feliz tocar aí. Vou tocar com o produtor Lucas Freire que produziu três músicas inéditas conosco sobre a região norte do Brasil. Ele produziu também um remix de Maiô da Mulher Maravilha, que vamos tocar ao vivo.