Tudo o Que Você Podia Ser
Ricardo Alves Junior
BRA, 2024. Documentário, Drama, 1h13. Distribuição: Vitrine Filmes
Tudo o que Você Podia Ser é um filme sobre amizade e pertencimento. Quem for vê-lo não espere uma trama rocambolesca cheia de viradas, tiradas trágicas melodramáticas ou paixões tresloucadas. Acompanhar os noventa minutos dele é chegar perto de quatro amigues trans Aisha, Igui, Bramma e Will e compartilhar com elas os seus cotidianos, os quais, como as vidas de qualquer pessoa, tem coisas boas acontecendo, mas também percalços, dúvidas, temores, sobretudo para quem não reza a cartilha da heteronormatividade.
A trama de Tudo o que Você Podia Ser se desenvolve no espaço de um dia e uma noite na cidade de Belo Horizonte. No decorrer dela descobrimos que Aisha passou no vestibular de Ciências Sociais em São Paulo, Igui foi aprovada para um doutorado em Berlim, Bramma encara como viver bem após o diagnóstico de portador de HIV, e Will faz bicos pela internet. E o mais importante: de forma clara e serena, o filme mostra a partir da vivência das protagonistas que, sem largar as mãos, é possível experimentar o acolhimento e o afeto e acreditar num futuro melhor para pessoas LGBTQIAPN+.
Para contar essa história, Alves Junior deu aos personagens os mesmos nomes das intérpretes que, além disso, mantêm vínculos de amizade na vida real e já trabalham juntas no teatro. Esse entrosamento permitiu a direção apostar na improvisação e na espontaneidade da atuação, uma vez que os diálogos são o ponto forte da narrativa.
A opção por uma encenação naturalista, do tipo “a vida como ela é”, nem sempre consegue captar a atenção do espectador acostumado com filmes baseado em conflitos, mas se a escolha for calcada em uma boa premissa, ela pode dar certo. E ela deu, a julgar pelo prêmio de público de melhor longa de ficção no último Mix Brasil arrematado pelo filme, mostrando o quanto é relevante filmes cuja representação de personagens LGBTQIAPN+ respeitem a sua autenticidade e diferenças.
Para realçar esses aspectos, o filme foca na intimidade das personagens e de como a realidade pessoal de cada uma delas moldam suas identidades e as relações que vão se estabelecendo. E isso ganha uma dimensão ainda mais profunda quando percebemos que esses corpos, ricamente configurados pela mise en scène, no fluxo das conversas que desenvolvem, delineiam uma paisagem sociocultural e um lugar de pertencimento que precisa ser constantemente afirmado e assumido, pois a ameaça da intolerância é uma realidade incontornável.
As lembranças de Aisha, Igui, Bramma e Will e os pequenos episódios retratados – a mãe que não reconhece o filho não binário, transeuntes que agridem “viados” – demonstram a mensagem clara proferida por Tudo o que Você Podia Ser diante da ameaça de intolerância que está sempre rondando os corpos desviantes. Ela está estampada nos seus planos finais com as quatro amigues, depois da balada, comendo felizes um sanduba que leva até purê de batata e, em seguida, indo ver, no alto de uma colina, abraçadas, o sol nascer.
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