Branco Mello (primeiro à esquerda) escancara prazeres e desentendimentos através de imagens de bastidores
OLHAR INTERIOR
Sem entrevistas, filme sobre os Titãs faz analogias dos percalços do grupo com imagens espontâneas
Por Gabriel Gurman
TITÃS – A VIDA ATÉ PARECE UMA FESTA
Branco Mello e Oscar Rodrigues Alves
[Moviemobz, BRA, 2009]
A recente proliferação dos documentários nos últimos anos é fruto da incessante inovação tecnológica que permite que aparelhos cada vez menores transmitam os olhares dos realizadores sobre os mais diversos temas. Na área da música, já foram muitas as bandas homenageadas com filmes sobre suas carreiras. Sonic Youth, Ramones, Oasis e Wilco são algumas delas. No Brasil, são raros estes registros audiovisuais.
Em 1986, muito antes do YouTube (e mesmo da internet), Branco Melo, um dos oito membros da recém famosa banda paulistana Titãs, como se estivesse prevendo o fabuloso destino do grupo, começou a gravar os bastidores da carreira do octeto. “A idéia original era mostrar o que não era visto na TV, a vida real de uma banda de rock”, comentou Branco Melo em debate realizado no HSBC Belas Artes, que transformou estas imagens no documentário Titãs – A Vida Até Parece Uma Festa, co-dirigindo-o com Oscar Rodrigues.
Se mesmo o que era visto na TV já era um choque por conta da estética, digamos, “diferente”, dos integrantes e da postura rock ‘n’ roll da banda – são antológicas as interpretações em playback de “Sonífera Ilha” em programas do Chacrinha, Hebe e afins -, o “making of” dos shows era ainda mais intenso. “Minha intenção no começo era mostrar só as doideras mesmo”, brinca o Titã. Não são raros os momentos do filme em que os integrantes aparecem inegavelmente alterados e hilariamente verborrágicos.
Diferentemente dos documentários lançados ultimamente, o filme não se utiliza de entrevistas para contextualizar o que está sendo mostrado. “Não tinha sentido ter entrevistas, quisemos contar a carreira da banda através das músicas”, comenta o vocalista. Desta forma, as analogias dos percalços do grupo são apoiadas pelas letras das canções, quase sempre com uma compilação de imagens de shows. “Polícia”, por exemplo, serve para ilustrar o famoso caso da prisão de Tony Belloto e Arnaldo Antunes por posse de heroína. Apesar de simplista, o recurso funciona por conta do poder das músicas. “Flores”, “Marvin” e “Família” são apenas alguns exemplos de canções onipresentes na história recente da música brasileira. A não-presença de entrevistas funciona também para aproximar o espectador dos acontecimentos registrados: “É bacana que quem esteja assistindo não esteja apenas vendo uma história, mas vivendo junto com a gente”, diz Branco.
Os melhores momentos do filme estão exatamente nestas situações de “invasão de privacidade” que, infelizmente, ficam escondidas entre as músicas. Um destaque é a cena em que está sendo definido o repertório do disco A Melhor Banda de Todos Os Tempos da Última Semana, aonde vemos o baixista Nando Reis visivelmente contrariado com a exclusão de uma música de sua autoria. Coincidentemente ou não, Nando abandonaria o Titãs pouco tempo depois.
Uma grande vantagem das imagens é que a câmera na mão de um dos “personagens” afasta o estranhamento gerado por um intruso que, inevitavelmente, modifica o ambiente. Um momento inusitado propiciado por esta intimidade é quando a câmera aponta para o tecladista Sérgio Britto completamente embriagado e este balbucia: “lá vem o Branco com essa câmera nojenta”. “Essa cena é legal para mostrar como foi difícil fazer este filme”, brinca o diretor.
Com mais de 200 horas filmadas, sem conhecimento prática na área, Branco Melo viu a necessidade de convidar alguém para imergir na história da banda e realizar o documentário. O escolhido foi Oscar Rodrigues que iniciou seu contato com a banda ao dirigir o clipe da música “Epitáfio”. “O Oscar foi o cara para dar ordem no filme”, comenta Branco. Para realizá-lo, a montagem, o roteiro e a edição foram realizadas ao mesmo tempo. A opção dos diretores por um filme não cronológico também se mostrou interessante: “Apenas de ter saído da banda há bastante tempo, o Arnaldo Antunes, por exemplo, está no filme todo. Até para mostrar a importância dele para a banda”, comentou Oscar Rodrigues.
Como não poderia deixar de ser, o documentário aborda também os momentos ruins do grupo. A saída de Arnaldo Antunes é encarada com uma naturalidade de ambos os lados aparentemente diferente da saída posterior de Nando Reis. Porém, o ápice dramático do filme é a morte do “irmão” Marcelo Frommer. Vemos como este acidente fatal impacta no relacionamento entre os integrantes e também na carreira da banda. É a partir deste momento que, tentando mostrar a atual fase do octeto que perdeu três peças-chave, o filme enfraquece. Apesar de serem acima da média do atual cenário musical, as novas músicas não geram o mesmo fascínio gerado pelos clássicos.
Apesar deste ponto baixo, o resultado final é positivo. “No mundo inteiro não existe uma banda de rock com esta história”, diz Branco Melo. E é difícil pensar o contrário. Os mais de vinte anos de uma das maiores bandas de todos os tempos no Brasil ganha um registro à sua importância em alto e bom som – e imagem.
NOTA: 8,0
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