80 ANOS DE TINTIM
Companhia das Letras lança primeiro e último volumes da série, que influenciou gerações de autores e elevou o nível criativo dos quadrinhos
Por Germano Rabello
Em 2009, comemoram-se 80 anos desde a primeira publicação de uma história de Tintim. Os leitores brasileiros podem comemorar também a publicação de toda a coleção do personagem no Brasil, pela Companhia das Letras (incluindo alguns álbuns inéditos). Certamente há muito motivo para se comemorar. Acima de tudo, um trabalho magistral de um dos grandes quadrinistas de todos os tempos: Hergé.
Georges Rémi nasceu em Etterbeek, Bélgica, em 1907. Em sua adolescência, participava de um grupo de escoteiros, onde recebe o apelido de “Raposa curiosa”. Foi num jornal de escoteiros que foram publicados seus primeiros desenhos (em 1922). É interessante notar a influência dos ideais do escotismo no seu personagem mais famoso. A partir de 1924, começa a assinar Hergé. Esse nome artístico não passava de uma alusão à pronúncia francesa das suas iniciais invertidas (RG).
O personagem Tintim surgiu primeiramente no suplemento infantil Le Petit Vingtième, que saía semanalmente no jornal belga Le XX Siécle. Foi em 10 de janeiro de 1929. A primeira aventura foi Tintim no País dos Sovietes, serializada no jornal, onde o jovem protagonista era apresentado como um repórter do Petit Vingtiéme. O livro foi lançado mês passado pela Companhia das Letras, ao lado do último e ainda inacabado, Tintim e A Alfa Arte.
Nos livros, a profissão que permitia a ele viajar o mundo em busca de aventuras – uma visão idealizada do ofício, já que Tintim simplesmente não era visto escrevendo um texto ou negociando com editores. De qualquer maneira, essa característica exploradora, inquieta e corajosa de Tintim o fez viajar por vários lugares enfrentando perigos, desvendando mistérios. As primeiras aventuras de Tintim traziam um ranço eurocêntrico extremo, uma visão por demais caricatural das realidades dos outros países e de alguns problemas políticos.
Mais tarde Hergé, recebendo críticas por esse tipo de erro, começa a pesquisar de maneira mais sistemática os países pelos quais Tintim iria passar – o marco inicial dessa virada foi O Lotus Azul (1934-35), sobre a China, onde recebeu ajuda de Tchang Tchong-Jen, um estudante chinês para dar maior veracidade à narrativa. De qualquer forma, é importante ressaltar que Tintim no País dos Sovietes e Tintim no Congo, os dois álbuns iniciais, são finalmente publicados no Brasil depois de tantos anos (por algum tempo, os álbuns ficaram fora de circulação inclusive na Europa).
Há algo de muito especial nos álbuns, algo capaz de atrair a atenção de crianças, de adolescentes, de adultos. Pode agradar tanto a Steven Spielberg (diretor do filme que deve estrear em 2010) como Alan Moore ou Lourenço Mutarelli. Esse encanto quase universal pode ser explicado pelo fato de que as aventuras do personagem são visualmente encantadoras, tem tramas interessantes, “censura livre”, mas sem serem bobas. São datados sob muitos aspectos, como por exemplo na ausência de personagens femininas (a grande exceção sendo a cantora Bianca Castafiore, adicionada tardiamente na mitologia da série).
Como trabalho artístico, Tintim permanece um trabalho de fôlego impressionante, com os desenhos deliciosamente harmônicos, o trabalho delicado com as cores, os países distantes, o fascinante elenco de apoio, as direções inesperadas dos roteiros (embora tudo sempre acabe bem no final), aquele clima de tudo pode acontecer (embora sempre se resolvam as coisas de forma mais ou menos lógica).
A influência de Tintim nos quadrinhos europeus e mundiais, no mundo do cinema, da cultura pop, é incalculável. Pode-se mencionar os vários seguidores do estilo ligne claire (Daniel Torres, Max, etc.), lembrar os grandes álbuns de aventuras, de um mais caricato (e genial) Asterix a uma ramificação mais adulta tal como Corto Maltese, todos tem raízes nessas narrativas de Hergé. As viagens do pequeno repórter, que Hergé desenhou até o fim da vida, em 1983, com ajuda da equipe de seu estúdio, continuam fascinando o mundo inteiro. De tal forma, que até a publicação de um álbum inacabado, o já citado Tintim e a Alfa-Arte, serve como importante documento do processo de trabalho de uma mente que ajudou a elevar o nível do entretenimento do século 20 e das futuras gerações.
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