Em 1998, o mundo passava a conhecer um grupo de jovens reunidos num porão em Point Place, Wisconsin (EUA). Quatro rapazes, duas moças, três ou quatro casais que saíram disso, muitas descobertas da adolescência/vida adulta, cerveja e maconha. Isso tudo ambientado nos anos 1970 com uma narrativa que se baseava no humor pastelão, mas muito bem dosado. That ’70s Show, transmitida pela Fox por oito temporadas (1998-2006) foi um fenômeno estrondoso no mundo das sitcoms. E toda essa potência se perpetua como base do spin-off That ‘90s Show, da Netflix.
A série original, criada por Bonnie Turner, Terry Turner e Mark Brazill acompanhava a rotina de Eric Forman (Topher Grace), seus amigos Donna (Laura Prepon), Michael (Ashton Kutcher), Jackie (Mila Kunis), Fez (Wilmer Valderrama) e Steven/Hyde (Danny Masterson), e seus respectivos pais, com foco nos Forman, Red e Kitty (Kutwood Smith e Debra Jo Rupp). O mesmo trio criador expande o universo que retratava o período setentista, agora adaptados nos anos 1990, seguindo a jornada de Leia (Callie Haverda), filha de Eric e Donna, (casal principal da primeira história), quem vai passar as férias de verão na casa dos avós, onde fica o famoso porão.
That ‘90s Show se apoia na fórmula da série base ao mesmo tempo que traz refrescos e novas personalidades para compor o novo elenco. Nesta, o grupo de adolescentes está dividido num sistema mais igualitário de gênero. Leia, Gwen (Ashley Aufderheide), Nikki (Sam Morelos), o filho de Michael e Jackie, Jay (Mace Coronel), Nate (Maxwell Acee Donovan) e Ozzie (Reyn Doi) são os responsáveis por trilhar suas próprias histórias no porão dos Forman e ao longo de Point Place durante os 10 episódios desta primeira temporada.
As semelhanças da série original são um dos pontos mais altos da produção. Os “mundos” das duas produções estão muito bem conectados e interligados, servindo até como uma continuação, o que permite a aparição de rostos que o público fã da franquia conhece e tem muito apreço. Fora Red e Kitty, que atuam como personagens regulares, os episódios contam com as aparições e participações de Eric, Donna, Michael, Jackie, o icônico Fez, que da safra original é o que mais dá as caras, além do velho maconheiro Leo (Tommy Chong), o pai de Donna, Bob (Don Stark) e Fenton (Jim Rash).
O roteiro traz, sem pudores, referências à série original, como reproduções de cenários, remakes de situações e até mesmo de narrativas. A diferença aqui é que o elenco jovem passa uma impressão de menos experiência que o grupo da série base. E é importante ressaltar que essa falta de experiência existe tanto nos personagens quanto nos atores. As idades, aparências e estéticas do elenco tornam a narrativa menos madura, mas com a mesma proposta de descobertas e conflitos da adolescência.
Um dos pontos comuns do processo de narrativa, é que ambos os shows estão abraçados intimamente aos contextos sociais de suas épocas retratadas, além, claro, das referências na caracterização, menções à cultura pop e etc. Na sitcom original, a crise econômica com o fechamento das fábricas e a insurgência de movimentos feministas eram pautas recorrentes, enquanto nesta nova, a chegada das novas tecnologias, como os computadores e até mesmo os DVDs aparecem na composição temporal. Em ambas, a maconha permanece na caixinha do tabu de proibição, mas deliberadamente naturalizada entre os mais novos.
Fica injusto comparar o impacto de uma série que se prolongou por oito anos no ar, com uma estreante que se sustenta neste legado, ao mesmo tempo que é inegável a percepção de que o elenco jovem ainda tem muito o que aprender em questão de humor, de interpretação e do “charme” que prende o telespectador, fator muito presente em That ‘70s Show. Assim como a série original, That ‘90s oscila no roteiro de sua comédia. A diferença aqui é que a quantidade reduzida de episódios torna isso mais aparente. Outro elemento também aparente, é a tentativa de trabalhar temas que exigem um drama mais carregado, o que fica de escanteio, superficial, pouco trabalhado, já que neste contexto, eles primeiramente focam em provar o seu humor.
O elenco jovem desta continuação da franquia, pelo menos nesta temporada, ainda não alcançou um potencial parecido com o do primeiro grupo. Porém, pensando mais numa questão de bastidores, é extremamente interessante assistir as trocas dessa nova safra com atores que já se apropriaram de seus personagens. O elenco veterano tem suas interpretações no gatilho, e a passagem de tempo tanto na ficção quanto fora dela, contribuiu para deixar tudo muito natural e espontâneo. A oportunidade que esses jovens estão tendo com profissionais como Debra Jo Rupp e Kurtwood Smith é coisa de escola.
Ainda sobre a dupla, é formidável vê-los tomando as rédeas da sitcom. Se o humor cai alguns degraus, tê-los no volante é uma garantia. O timing perfeito das piadas, a essência cômica dos personagens que se renovou por 17 anos e está mais afiada do que nunca é um dos pontos estruturadores da série e também o que faz com que haja esperança de que ela se renove para mais uma temporada.
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