Uma viagem sensorial é um bom termo para entender (ou tentar entender) Não Dá Pra Agarrar, novo disco do cantor Tatá Aeroplano, lançado no final de junho. O sétimo projeto da carreira solo do artista convida para uma verdadeira viagem (se ouvido com atenção) cheia de curvas, nuances, alternâncias, e quase nenhuma linearidade. A sequência de músicas pode ir de uma baladinha dançante a um rock-indie deprimente em um estalar, causando um mix de sensações e sentimentos no ouvinte. “Cantando O Que Vem Na Cabeça” é um trecho de uma das faixas que pode descrever o material como um todo. Numa loucura digna de Raul Seixas, Tatá quebra as barreiras do que pode-se considerar fazer sentido. Com ideias que transpassam um senso comum, ele cria seu próprio sentido, embarcando num delírio excêntrico e extremamente musical.
Não Dá Pra agarrar é registrado pelo Estudio Minduca, com produção de Dustan Gallas, Junior Boca e Bruno Buarque, também instrumentistas das faixas. Conta com participações de Malu Maria, Kika, Lenis Rino, Márcio Resende e Bárbara Eugenia, além de parcerias com Peri Plane e Yrahn Barreto.
O disco é composto por 11 faixas, que comprovam: não tem como tirar a psicodelia e o místico das características musicais de Tatá. De 2004 com “Freak To Meet You” da banda rock Jumbo Elektro até o álbum solo Delírios Líricos (2020), Tatá vem trazendo a loucura e o mágico em sua obra.
“Discrepância” abre o disco metendo o pé na porta. A voz de ataque quase em stereo de Tatá libera a entrada de todos os instrumentos. Sem tom de introdução, a música parece começar no meio, preenchida com uma guitarra e uma bateria punk e rock’n’roll. Fala do início de um milênio, de uma noite delirante e para saber o que na farinha do sossego do desprezo quer dizer, precisa delirar também. “Na Beleza Da Vida” desacelera os ânimos, com um piano dramático, respeitando a suavidade que emana a voz de Tatá. A percussão com batuques latinos e instrumental simples que instiga um dois pra lá dois pra cá em par, lembra um brega. Nela, o personagem sai pra vida numa madrugada fria, ninguém lhe vê, deixou a casa no breu e seu corpo nasce de novo na beleza da vida.
Em seguida, “Chá Delícia” traz uma montagem mais dançante, mais balada. Percussão bem presente, muito sintetizador, sax e palmas. O trecho “Cantando o que vem na cabeça” é dela. Fala sobre dar uma tragada, dançar com as pernas coladas, e “dichavar” para melhorar. Remete às músicas dos anos 1980, àquelas das discotecas.
Um rock para dançar vem com “Grilos Na Festa”, onde os solos de baixo e guitarra parecem conversar. A voz de Tatá ecoa e reverbera no ouvido, como se intencional para o ouvinte ter a sensação dos efeitos dessa alucinação toda, que envolve grilos numa festa no meio da mata.
“Solta o Desejo” vem com teclado sintético e excitação na bateria que apesar das viradas permanece numa batida só durante a música toda, passando energia frenética. Muita guitarra, que em certos trechos parece desenhar ondas nos ouvidos. Aqui, Malu Maria divide os vocais com Tatá, cantando sobre soltar e lançar o desejo, tapetes cômicos em teatros mágicos, avisando que estão ligados no rádio para sintonizar.
O dueto com a doce voz de Malu Maria segue em “Nosso Quarto Mundo”. Faixa mais romântica do disco, na letra e instrumental, proporcionando pausas na bateria, dando destaque aos vocais. Com você eu abro a janela e grito é aqui que a gente traga o infinito e Nosso canto de amor é nosso quarto mundo embalam a letra.
Em “Sinfonia da Manhã”, Tatá é primeira e segunda voz desde o início. Com guitarra e percussão protagonistas traz um clima nostálgico na letra e composição, de guitarra, violão e um coro viajado no fim.
Vai pela luz que é o mesmo caminho que tua mão me conduz declama “Cantando Para a Vida Encontrar Sentido”, envolta pela introspecção. Um violão protagoniza o instrumental, junto de um arranjo, ou até mesmo feito por um sintetizador, que produz uma escala do grave ao agudo, como se uma dor fosse crescendo.
“Tempo que Não Cabe em Nós” mantém o clima deprê. Tem graves de piano e um drama generalizado nos instrumentos. Há mistério e suspense na faixa mais expressiva do álbum. A montagem instrumental é tão forte e carregada de drama que em certos momentos pouco dá para prestar atenção na letra.
Vale reforçar que o disco quase não tem linearidade, por essa sequência que apresenta semelhança entre si e finaliza com “Chama Solidão”. A atmosfera lenta, triste e dramática na melodia acompanha a letra sobre a imersão na solidão. A faixa parece buscar representar o sentimento com toda uma carga emocional que dá pra sentir na pele.
O disco finaliza com a faixa homônima, que reúne todas as propostas já apresentadas: o delírio aparente na letra, o drama nos instrumentos, e um rock indie alucinado.
Aterrissar da viagem que Não Dá Pra Agarrar traz na bagagem uma mescla de impressões proporcionadas pela complexidade em sua construção e o abalo no sensorial. Fato é que não se encontra nada de tão moderno ou inovador no novo álbum, e pode ser até arriscado (que seja) dizer que não é necessário, pois é apostando nisso e na expressividade poética de si mesmo, que Tatá segue fazendo sucesso.
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