O SUPER 8 NÃO MORREU
Único festival da América Latina mostra uma geração nova que está descobrindo o formato
Por Alexandre Figueirôa
Da Revista O Grito!, em Curitiba
Quem acha que o cinema na bitola super 8 morreu ou que são apenas rolinhos de filmes desbotados no fundo da gaveta deve urgentemente rever sua opinião. Uma boa prova disto é o Festival Internacional de Cinema Super 8 de Curitiba, o Curta 8, que aconteceu no último fim de semana na capital paranaense. Único do gênero na América Latina, o Curta 8 exibiu cerca de 60 filmes na bitola e como acontece há sete anos mesclou retrospectivas de filmes realizados quando o Super 8 estava no auge na década de 1970 e início dos anos 80 com produções recentes feitas por uma galera jovem que está redescobrindo o formato.
O super 8 foi desenvolvido nos anos 1960 e lançado pela Kodak no mercado em 1965. É um formato cinematográfico aprimorado da bitola de 8 mm com maior área de exposição e portanto melhor qualidade de imagem. Inicialmente ele era mudo, mas em 1973 foi lançada a versão sonora. Hoje, não são mais fabricadas câmeras para a bitola, mas elas podem ser encontradas no mercado paralelo e em antiquários a preços bem em conta.
Atualmente a Kodak distribui várias opções de filmes super 8 reversíveis (revelado com imagem positiva no mesmo material) em cores ou preto e branco. Curiosamente, embora poucos lugares vendam cartuchos em super 8, existe uma grande variedade de filmes que são usados principalmente para filmes publicitários, videoclipes e experimentos cinematográficos. Alguns laboratórios na Europa, Estados Unidos e Argentina também revelam os filmes com boa qualidade.
O idealizador do Festival Curta 8 de Curitiba é Leandro Bossy, um jovem físico de 28 anos. Quando ele nasceu o super 8 já estava desaparecendo das prateleiras e sendo substituído pelo vídeo em VHS. Mesmo assim depois de ver uma reportagem na televisão, Leandro resolveu comprar uma câmera de segunda mão, embora não soubesse usá-la. Ele começou então a pesquisar, na internet, como manusear o equipamento e foi adquirindo outros materiais, realizando um curta na bitola.
A partir daí foi reunindo outros jovens amigos, recolheu filmes e organizou em 2005 a primeira mostra com filmes antigos e novos, todos rodados em Super 8. Ela foi o embrião do festival que hoje tem alcance internacional e recebe tanto produções do Brasil quanto de países como Inglaterra, Espanha, Holanda, Uruguai e Portugal.
O Curta 8 rende ao super 8 um tributo comovente e, o melhor, sem mergulhar numa vibe meramente saudosista. Mesmo quando homenageia os superoitistas do passado isto é feito com um profundo fascínio pelo que o cinema super 8 tinha de mais interessante: a abertura para a experimentação e a ousadia. As sessões do festival de Curitiba apresentam retrospectivas de produções antigas e filmes recentes exibidos tanto em película quanto digitalizados e oferece aos participantes o contato com um cinema puro, descristalizando nossos olhares e estabelecendo um rico debate com o audiovisual contemporâneo.
Este ano foi apresentada uma mostra retrospectiva de filmes em super 8 pernambucanos realizados por Fernando Spencer, Celso Marconi, Paulo Bruscky, Geneton Moraes Neto e Jomard Muniz de Britto. O cineasta Rafael Urban, curador da programação deste ano, destaca a afirmação do realizador curitibano Fernando Severo quanto a bitola: “o super 8 mais do que qualquer outra bitola, fornece condições, por seu descompromisso com esquemas mercantilistas, para que o cinema investigue seu próprio mistério cinematográfico, seu mágico equilíbrio entre o real e o imaginário”.
Fazer um festival com um material cuja maior dificuldade é encontrar equipamentos tanto para rodar os filmes quanto para projetá-los é um desafio. Todavia, tal obstáculo não inibe os organizadores do Curta 8. Leando Bossy aproveita o evento para repassar dicas aos realizadores de como conseguir finalizar os filmes. Muitas dessas informações são frutos das pesquisas feitas por ele próprio graças aos seus conhecimentos de eletrônica. Ele passa suas horas vagas desmontando e aprimorando velhas câmeras de modo a criar novas condições de uso a partir de um material obsoleto.
É com estas câmeras que em julho os produtores do Curta 8 organizam oficinas para jovens estudantes de audiovisual, ou qualquer outro interessado, realizarem filmes de tomada única, ou seja, os participantes produzem curtas em um único cartucho e que não passam por processo de edição após a filmagem, pois as sequências já são filmadas na ordem final. Estes filmes são projetados durante o festival pela primeira vez e proporcionam um dos momentos mais interessantes do evento com os realizadores descobrindo ao mesmo tempo com os espectadores os resultados de suas idéias transformadas em imagens em movimento.
Além da mostra competitiva e das retrospectivas, o festival realiza o Home Movie Day, organizado pela pesquisadora Lila Foster especializada em trabalhos com acervos de filmes domésticos e amadores. No Home Movie Day são exibidas produções domésticas – filmes inacabados, filmes com festas e viagens familiares, etc. – levados pelos participantes do festival.
O Curta 8 também traz sempre a cada edição um realizador contemporâneo que utiliza o super 8 nas suas produções. Este ano pudemos ver o trabalho da belga Isabelle Wuilmart cujos filmes são uma viagem de liberdade criativa e poesia visual. Lúdicos, mágicos, são pequenas pérolas cinematográficas em que as barreiras entre a imagem projetada na tela e a sala se diluem. As exibições foram feitas com música ao vivo e se transformaram numa festa de sensações que nos remeteram tanto ao cinema primitivo de Méliès quanto ao cinema pós-moderno, mesclando estilos e, sem grandes pretensões, renovando a nossa crença na magia do cinema.
Para realizar as projeções em película ou mesmo as versões exibidas em formato digital, o Curta 8 conta com uma equipe de jovens realizadores curitibanos. Eles preparam a sonorização sincronizada dos filmes e todas as medidas necessárias para contornar as limitações naturais do super 8. O projetor, desde a primeira versão do Curta 8, é operado por um cinegrafista de Campinas, Lucas Vega, que vive de trabalhos como câmera, mas todos os anos se desloca para Curitiba com seu equipamento na bagagem.
Todo este empenho e mais os debates feitos com os realizadores em estreita colaboração da equipe de produção dão ao festival uma dimensão pedagógica interessante, pois proporciona trocas francas entre os presentes e o enriquecimento de uma cultura audiovisual descolada de modelos engessados e aberta ao frescor da experimentação e ao entrecruzamento entre antigos dispositivos e novas possibilidades de manuseio das imagens.
Assim, quem não se importa em ficar à margem do cinemão mainstream não hesite, dê uma busca nos armários de casa e se encontrar a velha câmera de seus pais ou avós, faça um filme em super 8 e, em 2012, vá para Curitiba. Você não vai se arrepender.
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Alexandre Figueirôa é jornalista e doutor em cinema pela Sorbonne. Autor dos livros O Cinema Super 8 em Pernambuco e Cinema Novo: a Onda do Jovem Cinema. Também é o editor-executivo da Revista O Grito!