Stop Making Sense
Jonathan Demme
EUA, 2024. 1h28. Documentário/Concerto. Distribuição: O2 Play
Com David Byrne, Tina Weymouth, Chris Frantz, Jerry Harrison
Em comemoração aos 40 anos do lançamento do inovador filme dirigido por Jonathan Demme (O Silêncio dos Inocentes, Filadélfia), Stop Making Sense retorna aos cinemas, remasterizado em 4k pela jovem e badalada produtora norte-americana A24. O filme traz à telona a banda new wave Talking Heads no pico da sua carreira no início da década de 1980. Gravado durante três noites de apresentações do grupo em dezembro de 1983, no Teatro Pantage, em Hollywood, o longa foi lançado no ano seguinte.
A escolha da A24 em reviver essa experiência foi uma aposta estratégica e inteligente que combina com a ideologia descolada, inovadora e, ao mesmo tempo, nostálgica do seu catálogo. O longa de quase 90 minutos de duração é considerado por muitos críticos o filme-concerto mais relevante da história do cinema. A própria categorização do filme abre espaço para uma reflexão sobre o gênero da obra. É um documentário? É uma gravação promocional de um concerto da Talking Heads? Um videoclipe longo? Stop Making Sense é antes de mais nada um filme e esse é o seu maior diferencial de obras com proposta semelhante como o recente Taylor Swift: The Eras Tour.
O relançamento de Stop Making Sense chega às salas de cinema e IMAX do Brasil um ano após estrear nos Estados Unidos e será uma oportunidade para fãs antigos e novos da banda Talkings Heads vivenciaram David Byrne liderar a formação principal do grupo formado por Tina Weymouth, Chris Frantz, Jerry Harrison, Bernie Worrell, Alex Weir, Steve Scales, Lynn Mabry e Edna Holt. Eu nasci em 1989 e só ouvi falar da banda nos fins dos meus 20 anos de idade, mas virei fã imediatamente depois de escutar a música “This Must Be the Place” (1983). Ao assistir o filme, os novos fãs terão o privilégio para sentir um pouco da energia psicodélica e elétrica que o grupo levava para suas apresentações.
Eu tive a chance de assistir o filme em IMAX nos EUA ano passado e fui tomado pela experiência sonora proposta pela obra, realçada nesse formato de exibição. Pessoas presentes na sessão se levantaram, desceram até próximo a tela e dançaram quase o filme todo. Eu entendi o impulso deles ao perceber a vibração eletrizante que eu mesmo sentia.
Comparado à Taylor Swift: The Eras Tour, um filme-concerto de sucesso recente de bilheteria, ou mesmo Rennaisance – A Film By Beyoncé, eu não tenho dúvidas de que Stop Making Sense é um dos melhores filmes concertos de todos os tempos.
Ao contrário do filme de Taylor, que aposta no maximalismo do megashow da pop star global para destacar a popularidade da artista, navegando até em comentários narcisistas durante três horas de filme, um prato cheio para alimentar a euforia dos seus fãs, o filme de Jonathan Demme confia no minimalismo, na esquisitice, na originalidade e energia de David Byrne e companhia.
Desde o início, o filme de Demme propõe um convite a uma experiência construída em camadas. Sem entrevistas de cabeças falantes ou conversas com o público presente no Teatro Pantage, David Byrne apenas com seu violão e um rádio portátil, entra sozinho no palco para cantar “Pyscho Killer”. A cada nova música, um novo integrante da banda aparece no palco que vai sendo montado no decorrer do show com a equipe no backstage, toda vestida de preto aparecendo nas filmagens e trazendo certo realismo ao filme.
O primeiro ato do filme convida os espectadores a apreciarem um palco que lembra mais um estúdio de um pintor ou artista no modo “em construção.” A edição também explora ganchos das letras do line up do show para marcar as transições de tons e canções da performance da banda como, por exemplo, durante a música “Burning Down The House”. Um dos tecladistas introduz a música perguntando se alguém tem algum palito de fósforo na plateia. Logo em seguida, a primeira estrofe da música que diz “Ah, watch out. You might get what you’re after” (em tradução livre: Presta atenção. Talvez você ache o que está procurando), funciona como um alerta de uma explosão que está por vir a partir daquele número.
Stop Making Sense evolui em espaço, estilo, estética, e energia a cada nova música apresentada sem perder seu minimalismo envolvente representado também pelo monocromatismo das variações de cinza do figurino dos músicos. O controle dos planos fechados e abertos do show ajudam a criar um olhar experimental, esquisito e estimulante que se assemelha ao conceito artístico da Talking Heads. O grande diferencial desse filme é que seu processo de criação parece ter levado em consideração cada composição a fim de gerar uma experiência autoral-cinematográfica musical e não apenas uma gravação monótona de um show.
Alguns críticos consideram o filme um documentário, mas eu tomo a liberdade para distanciá-lo desse rótulo porque em nenhum momento a obra tenta investigar a vida de um sujeito, ou tenta nos convencer a abraçar uma causa, ou conhecer a vida pessoal e motivações dos músicos.
A A24 acertou ao abraçar a remasterização e promoção do filme. A obra se identifica com o seu público-alvo e o conceito artístico trilhado até aqui. Acredito que o motivo principal dessa aquisição foi impulsionar a nova aventura da produtora no ramo musical com a A24 Music. A produtora lançou um álbum em tributo ao Talking Heads com artistas renomados, contemporâneos e conhecidos de grande parte do seu público-alvo como Miley Cirus, Paramore, Lorde, e Toro y Moi, para citar alguns.
Stop Making Sense funciona como um set de um DJ que busca levar seus ouvintes em uma jornada eufórica crescente. Saímos do cinema sentindo que tudo foi feito para enaltecer o conjunto completo dos elementos da performance musical da banda. A força psicodélica da música dos Talking Heads é o principal personagem do filme. O longa entrega o que se propõe a fazer e espero que rejuvenesça a proposta de uma experimentação criativa no casamento de cinema e concerto musical para futuras produções a fim de solidificar o gênero filme-concerto como uma força da experiência cinematográfica.
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