Sing Sing
Greg Kwedar
EUA, 2024. 1h47. Drama. Distribuição: Diamond Filmes
Com Colman Domingo, Clarence Maclin, Sean San Jose
O programa Reabilitação Através das Artes (na sigla em inglês, RTA) é um projeto que opera 11 unidades prisionais de segurança máxima e média nos estados de Nova York e Califórnia. Baseadas no poder da cultura para garantir dignidade às pessoas durante o período de reclusão, as atividades são realizadas durante todo o ano, com workshops de teatro, música, dança, escrita criativa e artes visuais. Uma das prisões integrantes do programa é o Centro Correcional de Sing Sing. É entre as grades e cercas elétricas da penitenciária, com personagens reais que ficcionalizam as próprias experiências no cárcere, que o filme Sing Sing (2023) germina sua história.
Dirigida com sensibilidade por Greg Kwedar, a obra é baseada na peça Breakin ‘the Mummy’s Code, escrita pelo diretor teatral Brent Buell durante as atividades do RTA (interpretado no filme pelo ótimo Paul Raci), além da reportagem The Sing Sing Follies, publicada em 2005 pelo jornalista John H. Richardson. No filme, acompanhamos os ensaios do grupo de detentos para o novo espetáculo proposto pelo programa. Com exceção de Paul Raci, Sean San Jose e Colman Domingo, o restante do elenco principal é composto por integrantes reais do RTA, como o incrível Clarence “Divine Eye” Maclin, cuja construção dramática-performática é essencial para o triunfo do filme. Com justiça, foi indicado a Melhor Ator Coadjuvante em prêmios importantes como Bafta, Gotham e Critics Choice Awards.
Hábil ao transportar o dinamismo do grupo para a tela, a câmera de Greg Kwedar transita fluidamente durante as interlocuções entre os personagens. O estrato cênico da narrativa permite ao diretor experimentar possibilidades estéticas interessantes, desde a fotografia de cores marcantes em momentos de apresentações do grupo, até mesmo planos mais subjetivamente meditativos. Tudo lindamente composto em 16 mm pelo diretor de fotografia Pat Scola, cujas imagens granuladas funcionam muito bem para enfatizar o caráter artístico da narrativa (em contraponto à perspectiva limitante de filmar dentro de uma unidade prisional).
Há cenas de beleza singular, como o exercício de introspecção proposto pelo diretor do grupo para que cada um pense em “seu lugar de paz”. Ao termos consciência que aqueles homens passaram, de fato, por anos de privação de liberdade, multiplica-se a força de cada fala. Mesmo explicitamente ficcionalizado, o filme carrega a potência das obras que utilizam personagens reais revisitando suas próprias existências, como o semelhante César Deve Morrer (2012), dos Irmãos Taviani, e mesmo o duríssimo O Ato de Matar (2012), de Joshua Oppenheimer, que fez o assassino em massa Anwar Congo reencenar em frente à câmera alguns de seus crimes cometidos contra comunistas na Indonésia.
Focado demais nos dramas pessoais dos presos, o filme denota uma incômoda ausência de crítica ao sistema prisional estadunidense. Principalmente se pensarmos no fato de o personagem Divine G, interpretado por Domingo, ter sido preso injustamente e cumprido anos de uma pena equivocada. Esquivando-se de inserir o mínimo dedo na ferida das instituições judiciais dos EUA, a narrativa se restringe a comentários pontuais demais sobre a impassibilidade do Estado. Mesmo compreensível não querer comprar esta briga devido ao objetivo de inserção do filme nas unidades prisionais do país, fica a sensação de crítica insuficiente ao longo da projeção.
Para finalizar, não se pode deixar de enaltecer a grandiosa atuação de Colman Domingo. O ator de Rustin (2023) e A Voz Suprema do Blues (2020) alcança uma altitude absurda nesta performance que lhe rendeu nova indicação a Melhor Ator no Oscar (o longa ainda concorre ao prêmio de Melhor Filme e Melhor Roteiro Adaptado). Entre comedimento e fervor, Domingo insere seu nome, inegavelmente, entre os principais intérpretes do cinema norte-americano contemporâneo. A simpatia exalada por seu personagem contagia os demais colegas de cena e, em consequência, o espectador. Engrandece, sem dúvidas, um filme de notável sensibilidade que celebra os caminhos abertos pela arte.
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