Show do Ave Sangria no Guaiamum Treloso Rural uniu passado e futuro e foi mágico

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Fotos: Jonatan Oliveira

A Ave Sangria é, sem dúvida, a banda mais cult da cena musical pernambucana. O show do último sábado no Guaiamum Treloso Rural comprovou isso. Mesmo com um único disco gravado, em 1974, e apenas três remanescentes da formação original – Marco Polo no vocal, Almir de Oliveira na guitarra base e Paulo Rafael com guitarra solo e viola -, pois os demais já são falecidos, o grupo de rock psicodélico, que conta agora com os novos integrantes Juliano Holanda (baixo e vocais), Gilu Amaral (percussão) e Junior do Jarro (bateria), incendiou a garotada com sua apresentação.

O show mesclou as músicas antigas do histórico disco Ave Sangria apreendido pela censura logo depois de lançado e o novo trabalho da banda, o álbum Vendavais, o primeiro disco de estúdio em 44 anos.

No auge da onda psicodélica, nos anos 1970, o Ave Sangria compartilhava a cena musical local – a mais forte de todo o país em termos de psicodelia – ao lado de Flaviola, Lula Côrtes, Zé Ramalho, Marconi Notaro, Lailson e Alceu Valença. Inicialmente se chamava Tamarineira Village e além de Marco Polo, Paulo Rafael e Almir, contava com os músicos Israel Semente, Ivson Wanderley e Agricio Noya. Suas composições mesclavam rock com música regional nordestina. Em 1974, eles rumaram para o Rio onde gravaram o LP Ave Sangria, pela Continental, que nesse período abria espaço para novos grupos de rock como o Secos e Molhados.

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Marco Polo segue com a mesma instiga do início do Ave Sangria.

As canções do disco tinham arranjos sofisticados e muito bem elaborados e letras poeticamente complexas, mas uma delas, “Seu Waldir”, uma mistura de rock com samba de breque, começou a ser tocada nas rádios do Recife e um colunista social começou uma campanha dizendo que a música era imoral. Dizem também que a esposa de um general reclamou ao marido do conteúdo da letra e a polícia acabou recolhendo o disco e proibiu que fosse tocado nas rádios. A censura foi uma ducha de água fria no pique da banda que acabou se desfazendo.

A despedida do grupo se deu um pouco tempo depois com o show Perfumes & Barachos, um espetáculo inesquecível onde se podia ver a força do trabalho dos jovens psicodélicos pernambucanos com músicas que flertavam com um romantismo rasgado e ao mesmo tempo cantava jovens carniceiras e corpos em chamas. Tive a oportunidade de ver esse show no clássico Teatro de Santa Isabel e até hoje ele está bem vivo na memória, assim como estão vivíssimos e com muito pique os integrantes dessa nova versão do grupo.

Pela apresentação no Guaiamum Treloso Rural deu para ver que a Ave Sangria, depois da volta à cena em 2013, está cada vez mais forte em suas performances e sem dúvida o novo álbum deu um gás extra para Polo, Paulo Rafel e Almir.

Diferente do disco de 1974 que sofreu vários ajustes no estúdio para se tornar mais comercial, em Vendavais seles tiveram mais liberdade para experimentar e dar vazão à criatividade, embora as composições – com exceção da instrumental “Em Órbita” – sejam todas da formação inicial da banda. O show apresentado, portanto, manteve vivo o espírito irreverente, o clima de contestação e as imagens psicodélicas que sempre foram a marca da Ave Sangria. E o público presente na Fazenda Bem-te-vi, em Aldeia, embarcou na viagem, do passado de “Dois Navegantes”, “O Pirata”, “Hei Mane” “Georgia a Carniceira” e se deixou embalar livre e feliz na ludicidade das novas músicas. Foi mágico.

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Almir Oliveira fez parte da formação original da banda.
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Paulo Rafael, um dos integrantes originais.
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A banda apresentou faixas do novo disco.