Dado Villa-Lobos protagonizou momentos de maior comoção do festival, em seu terceiro e último dia
Por Yorranna Oliveira
Colaboração para O Grito!, em Belém (Pará)
No domingo, última noite do Festival, a dúvida era se a programação de encerramento iria superar a de sábado, que atravessou a madrugada e foi até o amanhecer com o show histórico do pernambucano Otto, no meio da multidão. Se existiam interrogações referentes à qualidade da programação final do Se Rasgum, todas elas foram respondidas, principalmente, com os shows de Los Porongas e Dado Villa Lobos, Madame Saatan, Delinquentes e The Slackers, responsáveis pelas cenas mais intensas do Festival.
E abrindo a festa, a verve psicodélica e pop do Projeto Secreto Macacos, que facilitou o passaporte desses paraenses nas Seletivas do Se Rasgum para mostrar seu trabalho pela primeira vez no palco do evento. Em seguida, foi a vez da Paris Rock (PA) apresentar um repertório que agrada os mais diferentes gostos, graças a total falta de preconceito dos meninos ao tocar desde o indie até o samba-rock. A experiência de MC de Bruno B.O (PA) veio na sequência com suas músicas de rebeldia e protesto, numa militância sintetizada pelo hip hop como base de suas letras, incrementadas com reggae, candomblé e a influência do nyabingh, o palácio espiritual do rastafarismo. A conexão de sonoridades garantiu o aval do público.
COBERTURA SE RASGUM, EM BELÉM
» Primeiro dia: Cultura Pop(ular)
» Segundo dia: Otto, Odair José e Cidadão Instigado
» Terceiro dia
A banda Deliquentes entrou palco central do African Bar para fazer o público roqueiro explodir. Com 25 anos de estrada, a Delinquentes já abriu shows para bandas como Ratos de Porão, Raimundos e Shelter e é um dos grupos fundamentais para a história do rock paraense. Jaime Katarro comprovou ser dono absoluto do palco, ao rasgar a noite da cidade das mangueiras com “Vagamundo”, “Planeta dos Macacos”, “Um belo dia pra morrer”, “L’uomo Delinquente” e até uma versão hardcore do carimbó “Pescador”.
Para acalmar os ânimos, os mineiros do Graveola e o Lixo Polifônico com uma brasilidade cheia de swing e irreverência. A moçada de ar meio “hipponga”, se apresentou no palco interno do African Bar, um ambiente bem encaixado ao som mais intimista do grupo. Logo após a mineirice do Graveola, o rapper Emicida veio de São Paulo representar a nova safra do hip hop brasileiro em sua primeira apresentação na terra do carimbó e do tecnobrega.
Dos improvisos de Emicida, o Festival passou para as experimentações de Pio Lobato (PA). Guitarrista e nerd de estúdio, Pio é um músico que se volta para o instrumento na região amazônica, foi um os primeiros a estudar a guitarrada de Mestre Vieira – gênero que fundiu nos anos 1970 o choro, o merengue e a Jovem Guarda na técnica de guitarristas do Pará. Pio Lobato embarca em viagens sonoras pelo pop eletrônico, rock, choro, guitarrada e tecnobrega, recombinando estilos, ferramentas, efeitos, texturas e sons. No palco, ele dividiu os holofotes com a cantora Juliana Sinimbú, a nova queridinha da Música Popular Paraense (MPP), Iva Rothe levantando o público com a releitura de “L’uomo Delinquente”, de Jaime Katarro e companhia. E a participação de Sammliz, da Madame Saatan, na música “Café BR”, da época da extinta Cravo Carbono. “O pessoal sempre pede quando fica bêbado”, brincou o guitarrista.
Diretamente do ponto mais desgarrado do país, o Acre, o Festival recebeu a banda Los Porongas, a representante mais próxima de preencher o vazio deixado pelo fim da Legião Urbana. Em seu terceiro show na capital, eles tiveram a ilustre companhia de Dado Villa Lobos, tocando os principais sucessos dos garotos de Rio Branco, como “Não há”, “Nada além”, “Tudo ao contrário”, “Como o sol”, “Ao cruzeiro”; e os clássicos de toda uma geração que cresceu ouvindo a Legião Urbana. “Um amigo que a estrada da música nos deu”, comenta Diogo Soares, vocalista da Los Porongas ao chamar Dado Villa Lobos para dividir atenção do público. O público protagonizou momentos de emoção, com gente de braços estendidos quase que em devoção., pedindo bis.
Em casa
O heavy-metal temperado com lundu, carimbó, quadrilha e MPB do Madame Saatan deixou fãs, simpatizantes e curiosos vibrando com a fúria do grupo ao som de músicas como “Devorados” e “Vela”. Uma resposta pra quem achava que a banda iria acabar.
Sammliz esbanjou sensualidade no palco. Ela cresce de uma forma assustadora quando canta. Vira uma gigante. A macharada fica naturalmente embasbacada. E a incentiva a pular nos braços dos fãs. Esperta, Sammliz não foi. “A última vez que fiz isso, eu fiquei cheia de marca na bunda por uma semana”, justifica. Mas deu um jeitinho. Subiu nos ombros de um dos seguranças de apoio do evento e entrou no mundaréu de gente. Nem precisa dizer que nessa hora o público delira.
A Madame é um daquelas bandas redondas, onde tudo se encaixa e se combina: um baterista completamente insano, dois homens de frente bonitos e talentosos, uma vocalista também bonita, com um vozeirão e cheia de atitude no palco. Elementos com sotaque chiado, bem paraense. “Nós somos a Madame Saatan, de Belém do Pará”, diz Sammliz ao final do show. É heavy metal com gostinho de pato no tucupi.
O Festival Se Rasgum terminou os trabalhos de 2010 ao som das batidas dançantes e dos baixos pesados da Dubalizer, de São Paulo. Projeto do DJ, produtor e engenheiro de som Wagner Bagão, a Dubalizer trouxe para o encerramento da festa a influência dos beats da eletrônica e os graves do dub jamaicano na sonoridade do grupo formado pelo próprio Bagão, pelo MC Dom Lampa e pela vocalista Nell.
Cinco anos depois de uma bebedeira entre amigos, o Festival termina mais uma edição e comprova que permanece conectado com a fertilidade da música contemporânea. São cinco anos de uma história compartilhada com o público. Cinco anos de um menino que caminha a passos largos para a maturidade precoce.