Salman Rushdie | Luka e o Fogo da Vida

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ENCANTO E DESENCANTO

Novo lançamento de Salman Rushdie rememora livro lançado nos anos 90, e agora, está impregnado pela narrativa de jogos eletrônicos

Por Fernando de Albuquerque
Editor da Revista O Grito!

LUKA E O FOGO DA VIDA
Salman Rushdie
[Companhia das Letras, R$ 42, 208 páginas]

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O que deveríamos esperar de um menino que, no alto de seus 12 anos de idade, vê sua paixão pelo pai e pela própria vida testados? Luka Khalifa, protagonista do novo romance de Salman Rushdie, intitulado Luka e o Fogo da Vida (recém lançado na Flip), passa pela provação de ter de salvar o pai do leito de morte e enfrentar um sem número de intempéries em um jogo dentro do mundo mágico que nos faz rememorar Sherazade e As Mil e Uma Noites. A história de Luka é uma derivação/continuidade do romance Haroum e o Mar de Histórias, também de Salman, e que foi escrito no começo da década de 1990 em homenagem ao seu primeiro filho. Seu novo título é uma homenagem ao segundo filho de Rushdie, Milan.

Tão atual quanto sua própria inspiração, Luka e o Fogo da Vida resgata o que há de melhor no sentido das palavras, o significado puro delas. Aqui, a “torrente de palavras” é uma cachoeira cheia de histórias e palavras que não param de jorrar, literalmente. Ou então o “rio do tempo” é um rio mesmo onde se encontra o passado, o presente e o futuro. Quem leu Haroum e o Mar de Histórias com certeza se sentirá familiarizado com os personagens e com a própria ambientação. No primeiro livro quem viaja pelo mundo mágico é o filho mais velho de Rashid que se aventura para resgatar a habilidade de narrar de seu pai.

» Leia trecho da obra Luka e o Fogo da Vida

Luka tem a companhia de dois amigos em sua trajetória: o urso que se chama Cão e o cão que se chama Urso, ambos fugitivos de um circo. A relação entre o menino e os bichos começa quando o pequeno Luka roga uma praga contra o dono do circo que maltrata os animais que são obrigados a ir no picadeiro. A maldição liberta os animais, mas complica a vida de Luka, já que o dono do circo, o Capitão Aag, resolve se vingar enfeitiçando o velho Rashid, fazendo-o cair num sono profundo.

A irrealidade que cerca Luka se mostra em todas as páginas do livro. Ele detém um vasto sortimento de irrealidade e passa maior parte do dia fora do mundo real e sobre o olhar atento e vigilante de sua mãe, Soraya. E aqui, tal como em Haroum, participar de uma aventura no mundo mágico funciona enquanto um rito de passagem para o universo da maturidade.

Uma das principais características do livro – que passeia com tranquilidade por Borges, Calvino e Lewis Carrol – é a forte vinculação com o mundo dos videogames. Luka se vê impelido a acumular vidas, ultrapassar estágios e a lidar com um visor que demonstra níveis e dados sobre o universo mágico em que participa e acumula pontos. Assim, Rushdie vincula o espaço literário à narratividade dos vídeos games e faz do seu leitor um usuário de joystick.

Rushdie parece completamente à vontade com essa linguagem adolescente e própria do mundo dos meninos. Chama atenção sua capacidade de transportar o leitor a outra esfera, contaminando a própria narrativa com a fantasia, a exemplo dos desenhos impronunciáveis postos no lugar de palavras para descrever a voz aterrorizante que emana do coração das nuvens.

Luka e o Fogo da Vida é um livro simples, sensível e que vai na origem de nós mesmos para compor sua narrativa que beira o visual. Aqui, a surpresa está no lirismo e na força de vontade de Luka que contra todas as fabulações vence os nove estágios do jogo no mundomágico e empreende uma dificultosa viagem de volta para casa e em torno da própria vida.

NOTA: 7,0

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