Roma: o imaginário mexicano no cinema sensível de Cuarón

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Yalitza Aparicio as Cleo, Marco Graf as Pepe, Carlos Peralta Jacobson as Paco, and Daniela Demesa as Sofi in Roma, written and directed by Alfonso Cuarón. Image by Alfonso Cuarón.

Roma BrincarO filme Roma, do diretor mexicano Alfonso Cuarón, belíssima obra autoral, surgiu em 2018 deflagrando polêmicas.  Lançado pela Netflix em dezembro de 2018, levou estatueta de melhor filme no Festival de Veneza. Foi indicado em 10 categorias do Oscar 2019, uma conquista, levando em conta o boicote da indústria às produções cinematográficas do grupo de streaming. Acabou sendo premiado no Globo de Ouro como melhor direção, e no Oscar deste ano apenas com Melhor Direção e Fotografia – assinada pelo próprio Cuáron –  nas categorias principais, e como Melhor Filme Estrangeiro, algo que demonstra claramente a indisposição da indústria hollywoodiana com a filmografia estrangeira e com a produção de streaming, considerada ainda uma ameaça. Desde a indicação de Cidade de Deus (2002) que a academia vem sinalizando uma abertura com relação às premiações de produções estrangeiras e à diversidade étnica, mas sempre a passos de caranguejo. Afinal, Roma foi um dos 10 lançamentos originais Netflix para a América Latina, produção que vem se expandindo rapidamente. O grupo Netflix vem fazendo lançamentos em algumas salas de cinema e circuitos de arte desde a primeira produção original, Beasts of No Nation (2015), mas em geral com estreia simultânea no catálogo. Foi o que aconteceu com outra produção mexicana, A Cuarta Compania (2018).

Apesar da beleza invulgar da obra há divergências sobre o lugar de fala da protagonista, Cleo (Yalitza Aparício), empregada doméstica de ascendência indígena e bastante submissa aos patrões. A história se passa a partir do ponto de vista de Cleo, mas o olhar da câmera se faz presente.Em preto e branco, e longos planos-sequência,  a obra remete à estética do neorrealismo italiano, e não apenas pela fotografia em preto e branco, encontrada em outras realizações do circuito de arte de caráter nostálgica, mas pelo som ambiente, pelas locações, pela forma de produção e pela narrativa.  Essa tendencia estética parece ser característica de obras do chamado circuito independente de cinema, que inclui diretores como o filipino Brillante Mendoza, de cunho social e político, ao qual se filiam parte dos originais Netflix.

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Cleo (Yalitza Aparicio) com Pepe (Marco Graf), ao fundo, e o Sr. Antonio (Fernando Gradiaga) e a Sra. Sofia (Marina De Tavira). Imagem de Carlos Somonte.

O filme retrata a vida da jovem babá de uma família no bairro de elite Colonia Roma na capital mexicana, e sua relação apaixonada com as quatro crianças da casa, Toño (Diego Cortina Autrey), Paco (Carlos Peralta), Pepe (Marco Graf) e Sofi (Daniela Demesa). Há cenas poéticas que se destacam como um autêntico tributo ao cinema, a única diversão de Cleo em sua rotina entediante de empregada doméstica.  E momentos de pura magia e de afeto nas cenas com as crianças.

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Pepe, Sofi, Cleo, Sofia,  Toño e Paco, a família reunida, em cena emocionante durante um passeio na praia.  Imagem de Carlos Somonte.

No começo, acompanhamos a primeira experiência amorosa de Cleo com Fermín (Jorge Antonio Guerrero) um rapaz que ela descobre mais tarde estar envolvido em operações paramilitares do grupo Los Falcones. Na cena em que se conhecem, no entanto, os indícios de que o jovem, encantado com artes marciais possa ser uma figura violenta são sutis, delineados somente pela exibição de suas habilidades. Os homens são fugazes e frios. A figura paterna, representada pelo sr. Antonio (Fernando Grediaga), por vezes é somente um plano detalhe de mãos ao volante. Trata-se de uma família de mulheres, e nela a figura da babá é mais importante para as crianças do que a da mãe, Sofia (Marina de Tavira) que aparece como uma vítima da sociedade machista, abandonada pelo marido sedutor, porém distante.

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Marina de Tavira, a Señora Sofía de Roma, escrito e dirigido por Alfonso Cuarón. A atriz foi indicada ao Oscar na categoria de atriz coadjuvante. Imagem de Carlos Somonte.

O diretor Cuarón teria se inspirado na própria infância para traçar esse retrato sensível dos conflitos domésticos e da exclusão social em seu país durante a década de 1970, quando o  Partido Revolucionário Institucional (PRI) promove uma guerra sem tréguas contra a esquerda e os movimentos populares. Na cena em que Cleo entra numa loja de móveis com a avó, a sra Teresa (Verônica Garcia), estudantes são mortos a tiros durante o Massacre de Corpus Christi, também conhecido por El Halconazo, símbolo da desigualdade da pseudodemocracia mexicana. Um filme de impacto, uma homenagem à família, mas também ao México, e praticamente uma volta a obras que marcaram a carreira do diretor, como E sua mãe também (Y su Mamá también, 2001), que alçou os atores e também produtores Diego Luna e Gael Garcia Bernal ao estrelato.

Cuarón se empenhou em trabalhar com a maior autenticidade possível, refazendo a casa em que viveu com móveis da família. O elenco tem forte composição de muitos atores não profissionais, caso de Yalitza Aparicio, que sofreu retaliações de colegas por conta disso em sua indicação ao Oscar.Roma1

Cleo com Pepe, Paco (Carlos Peralta Jacobson), e Sofi (Daniela Demesa). Imagem de Alfonso Cuarón.

Os atores,que recebiam o roteiro apenas no momento das filmagens,  tiveram liberdade para compor as personagens a partir de suas próprias memórias familiares. A belissima fotografia, sempre a cargo do colega de faculdade nas obras do diretor, Emmanuel Lubezki, o Chivo, desta vez ficou com o próprio Cuáron, que começou a vida profissional como diretor de fotografia. O amigo não pode participar deste projeto, mas foi mencionado com carinho pelo diretor.

https://www.youtube.com/watch?v=fp_i7cnOgbQ