Em determinado momento de Logan, de James Mangold, o protagonista interpretado pela última vez por Hugh Jackman, tem que lidar com o fato de que suas garras já não saem completamente de suas mãos. Uma dor excruciante surge quando ele precisa mostrar sua marca registrada, o impacto visual em adamantium puro que todo mundo espera ao pagar para ver Wolverine nas telas ou na mídia que for.
Mais resenhas
O baile de máscaras em Jackie, de Pablo Larraín
As palavras cortantes em Animais Noturnos
Redemoinho atesta o talento de Villamarim para a tela grande
Tradução e afeto em A Chegada
Na trama deste novo filme da franquia dos X-Men no cinema temos um Logan destruído, ainda mais irascível e violento. Mas também mais frágil e vulnerável. Seu principal superpoder, o da regeneração, já não funciona como deveria. Ele também está esgotado psicologicamente, tendo que viver em um mundo onde os mutantes foram praticamente exterminados e que o sonho de Xavier, da coexistência pacífica entre as espécies, se foi há muito tempo. Esse tom desolado, meio depressivo e também violento faz de Logan um dos melhores filmes de adaptação de heróis para as telas em muito tempo.
Os filmes de super-heróis, em sua maioria, precisam cumprir tantas demandas mercadológicas dentro de um universo de merchandising bilionário que sobra pouco espaço para qualquer tentativa de experimentar, filmicamente falando. Ou seja, são narrativas presas em convenções estéticas e narrativas, cujo objetivo é agradar um número cada vez maior de público. Podemos até ter obras impecáveis do gênero aventura, como Vingadores – A Era de Ultron ou Guardiões da Galáxia, mas em geral a pirotecnia e o deleite visual sobrepujam qualquer coisa.
Em Logan, pela primeira vez, o drama é o carro-chefe da trama e seus personagens complexos e cheios de camada estão ali para servir à história e não para satisfazer os desejos mais urgentes do entretenimento pop.
Jackman, que catapultou sua carreira graças a Wolverine, retorna ao personagem pela última vez entregando uma de suas melhores interpretações até aqui. A trama se passa em um futuro próximo, onde os mutantes estão ameaçados de extinção. Logan, cansado e com os poderes falhando, precisa cuidar de Professor Xavier (Patrick Stewart, também se despedindo da franquia). Imagine a bronca quando a mente mais poderosa do mundo sofre de uma doença degenerativa do cérebro, como a esclerose. Sem poder sair de um esconderijo por perigo de machucar outras pessoas, Logan, Xavier e o escudeiro Caliban (Stephan Merchant) sonham em terminar seus últimos dias longe de problemas.
Mas eis que Logan acaba sendo encontrado por uma mulher que esconde uma misteriosa garota que, por acaso, tem garras de adamantium e fator de cura como Wolverine. A contragosto ele precisa salvar a jovem de uma facção de homens mecanicamente modificados e descobrir mais sobre uma nova organização que está fabricando mutantes clonados secretamente. A partir daí o longa se transforma em um filme de estrada com um ritmo que passa longe de qualquer produção de super-heróis nas telas. Há também muita influência de western, o que ajuda a montar um clima muito particular ao filme. Entre as obras clássicas que inspiraram Mangold estão Os Brutos Também Amam (1953), que por sinal também mostra a relação de duas pessoas com muitas coisas em comum, mas desconfiados um do outro.
É mostrado, sem muita pressa, a construção do relacionamento de Logan e da jovem Laura (Dafne Keen). Tentando fugir de seu passado como Wolverine ele é obrigado a conviver com alguém que o reconecta diretamente com sua própria natureza. Já Laura interpreta com afinco uma garota que desconhece o mundo ao seu redor e que tem apenas a violência como parâmetro. Como todo bom road-movie, ambos serão transformados ao final da experiência, com consequências irreversíveis. Há passagens interessantes que servem para criar uma conexão do público com Laura, o que funciona bem.
Logan é um bom filme de drama, que, por acaso, é uma adaptação das HQs. Hugh Jackman mostrou bastante respeito ao personagem ao entregar uma interpretação bastante ousada, cheia de nuances e diferente do tom monocórdico que ele mantinha nos primeiros filmes dos X-Men. Já Dafne Keen, como a X-23, tem tudo para seguir em novas produções, o que torcemos bastante que aconteça.
Mangold ousou ao adaptar para os cinemas os quadrinhos da série Velho Logan, de Mark Millar e Steve McNiven, uma releitura violenta de Wolverine que se passa em um universo alternativo. Ao mostrar o personagem transtornado e fisicamente quebrado ele subverteu as expectativas do que esperávamos de um filme do personagem. Ainda adicionou violência explícita, o que é bastante próximo da HQ original. Mas talvez seu maior feito tenha sido introduzir nas telas a X-23, hoje a “Wolverine” titular nas revistas mutantes da Marvel. É uma ótima oportunidade para conectar novas audiências e renovar a franquia dos X-Men nos cinemas.
Assim como fez Christopher Nolan com O Cavaleiro das Trevas, James Mangold também foge do básico dos super-heróis para se diferenciar. Mas ao contrário de Nolan, que trouxe tons mais pesados e um verniz de “seriedade” para Batman, Mangold se diferencia ao mostrar que seus heróis tem sentimento de verdade. Eles são humanos a ponto de fazerem coisas ruins e terem que lidar com isso. Trabalhar culpa, remorso e depressão em uma produção desse tipo nunca tinha sido alcançado com tanto afinco até agora. É difícil não segurar as lágrimas em alguns momentos da projeção.
A Fox, detentora dos direitos dos X-Men para a tela grande, é bastante irregular em suas produções. Foi a responsável por reintroduzir o gênero de super-heróis e lhe conferir relevância com X-Men (2000) e X-Men 2 (2003), mas perdeu fôlego para longas da Marvel Studios, que seguem em expansão. O próprio Mangold foi diretor de Wolverine: Imortal, considerado um dos piores filmes de super-heróis desta nova leva. Com uma cronologia confusa e falta de rumo criativo, as adaptações dos mutantes no cinema estão aquém do potencial que esses personagens possuem.
Logan, com sua ousadia em experimentar além das convenções do gênero, pode representar um novo momento da franquia. Ao se arriscar ao mostrar o lado mais vulnerável de alguém tido como invencível, Mangold mostrou que as possibilidades podem ser exploradas com relativo sucesso. E que todo gênero uma hora precisa amadurecer.
LOGAN
de James Mangold
[Logan, EUA, 2017 / Fox Film do Brasil]
Com Hugh Jackman, Dafne Keen e Patrick Stewart