Resenha: A memória da psicodelia brasileira no livro Lindo Sonho Delirante

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A música psicodélica e suas inúmeras variações é o mote de Lindo Sonho Delirante, livro-catálogo do jornalista e pesquisador Bento Araújo. Viabilizado através de financiamento coletivo ele já está nas livrarias e é um ótimo guia para quem estiver interessado em conhecer os 100 principais discos dos primórdios do rock psicodélico brasileiro lançados entre 1968 e 1975.

O gênero surgiu no rastro do movimento hippie nos anos 1960 e tem uma relação direta com as drogas alucinógenas usada por muito dos seus artistas. O título do livro refere-se a uma canção composta em 1968 pelo cantor Fábio e o produtor Carlos Imperial e lançada num compacto que tinha no alto a sigla LSD.

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Araújo priorizou discos com composições autorais e cantadas em português e expandiu sua pesquisa de modo que mesmo trabalhos não inteiramente psicodélicos integrassem a coletânea. Como o próprio autor observa, o conceito do que é e não é psicodélico é subjetivo e se ele tivesse radicalizado nas suas escolhas no máximo 30 discos teriam sido resenhados. Segundo ele, pesaram na seleção “os efeitos ousados de estúdio, produção e arranjos inventivos, guitarras com distorções, letras surrealistas e um conceito amarrando a obra”. A arte gráfica da capa também “deu um empurrãozinho”, diz Araújo. Com textos publicados em revistas como Rolling Stone e Bizz, Araújo cobriu festivais e shows em diversos países e foi responsável pela criação em 2003 do Poeira Zine, uma publicação impressa independente que divulgou o trabalho de artistas que não tinham destaque nos grandes veículos de comunicação.

Essa experiência e conhecimento do universo musical pode ser avaliada na introdução de Lindo Sonho Delirante, onde ele consegue sintetizar o percurso da psicodelia na música brasileira, mostrando que ela não é apenas uma reprodução do fenômeno pop lisérgico/musical ocorrido na Inglaterra e Estados Unidos. Sem negar as influências estrangeiras, Araújo mostra que a antropofagia tropicalista dos baianos Gilberto Gil, Caetano Veloso, Rogério Duprat – cujo marco foi o disco Tropicalia ou Panis et Circensis – e dos Mutantes e a radical cena psicodélica pernambucana de Lula Côrtes, Lailson e Marconi Notaro, tão inventivas e originais quanto a cena internacional.

Na lista de discos, temos nomes mais conhecidos, que inclui grupos e cantores solos como Os Mutantes; Som Imaginário, de onde saiu Zé Rodrix; O Terço; A Barca do Sol; A Bolha; Secos e Molhados; Novos Bahianos; Caetano Veloso; Gal Costa, Gilberto Gil; Tom Zé; Jards Macalé; Alceu Valença; e ainda vamos encontrar artistas cujas carreiras foram mais efêmeras, mas que mostram como era rica e ousada a cena da psicodelia nacional num período de censura rígida devido ao regime militar.

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Ronnie Von se eternizou como galã, mas teve sua fase viajadão. (Divulgação).

Um deles era o quinteto Equipe Mercado, do Rio de Janeiro, cujos integrantes subiam ao palco pintados de verde e com roupas provocantes e que, segundo Araújo, “era glam rock antes do glam rock”. O grupo lançou um compacto cuja música do lado B se chamava “Poesonscópio de Mil Novecentos e Quarenta e Quinze”. Araújo lembra que a “vocalista Diana entoava gemidos perturbadores que se misturavam à guitarra lisérgica de Antônio César Lemgruber e a percussão forte de Naná Vasconcelos”. Era comum eles serem detidos pela polícia após os concertos, onde, conta Araújo, “quase seminus eles jogavam carne crua e lixo no público”.

A seleção tem também algumas revelações curiosas como a inclusão de discos do cantor Ronnie Von, até hoje mais lembrado como galã romântico. Bento Araújo conta que o artista psicodelizou sua carreira a partir do disco Ronnie Von nº 3, de 1967, ao ter acompanhamento dos Mutantes, Beat Boys e arranjos de Rogério Duprat, embora esse disco não entre na lista por conta do recorte temporal feito pelo autor. Aparecem apenas A Misteriosa Luta do Reino de Parassempre Contra o Império do Nunca Mais, de 1969, e A Máquina Voadora, de 1970. O mesmo acontece com os trabalhos do cantor Serguei, que antes de 1968 gravou canções como “Eu Sou Psicodélico”. Embora citado, seus compactos também não entraram.

Outro destaque na seleção feita por Bento Araújo é a forte presença de músicos pernambucanos, reconhecidamente autores de alguns discos mais importantes da música psicodélica nacional. Nela vamos encontrar Satwa, de Lula Côrtes e Lailson, de 1973, primeiro disco independente de rock do país, gravado pela pernambucana Rozemblit e estreia do coletivo Abrakadabra fundado por Lula Côrtes. Do coletivo surgiu também No Sub Reino dos Metazoários, de Marconi Notaro, lançado em 1973, e o disco, hoje considerado o mais raro e valioso de todos os tempos, Paêbiru: Caminho da Montanha do Sol, de Lula Côrtes e Zé Ramalho. Para Araújo o disco poderia ter sido o manifesto sonoro sucessor da Tropicália se tivesse tido uma maior exposição.

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Ave Sangria foi uma das bandas recifenses de maior destaque na psicodelia. (Divulgação)

Estão listados ainda os discos Ave Sangria, de 1974, gravado pelo grupo Ave Sangria, uma das principais bandas psicodélicas brasileiras e que tem voltado a fazer apresentações nos últimos anos; Alceu Valença e Geraldo Azevedo, de 1972; Molhado de Suor, de Alceu Valença, de 1974; e A Noite do Espantalho, trilha do filme de Sérgio Ricardo cuja trilha sonora surrealista é interpretada por Alceu Valença, Geraldo Azevedo e Ana Lucia Castro.

Em edição bilíngue, o livro tem 232 páginas e custa R$ 120, à venda no site do Poeira Zine.