Raça Negra agora é cult? Pelo jeito, sim. O site Fita Bruta convocou diversos nomes da cena independente para interpretar sucessos de um dos maiores grupos de pagode do Brasil de todos os tempos. Gênero hostilizado atualmente, mas um fenômeno de vendas nos anos 1990, o ritmo que causa ojeriza em certos grupos, agora ganha um novo olhar, despido de preconceitos, que tenta identificar suas qualidades.
Entrevistamos Yuri de Castro, um dos responsáveis pelo tributo, chamado de “Jeito Felinde”. “Logo vi o culto ao Raça Negra (por vezes debochada e caindo pro trash), cri neste tipo de adjetivação pois concordo que há uma falta de auto-crítica no mercado”, disse. O tributo completo sai no dia 12 de outubro, e algumas faixas já foram liberadas (veja ao longo do post). [Paulo Floro]
Porque a ideia de uma coletânea-tributo do Raça Negra? Como surgiu o projeto?
A ideia original é do Jorge Wagner, jornalista que eu ainda na faculdade esbarrei com o TCC dele sobre as capas da Rolling Stones. O JW me parece ser uma dessas pessoas que eu admiro pois sabem ler música pop, tal como ele fez com as revistas. A ideia surgiu em meio ao projeto do Tulio Bragança, o Pagodeversions. Dali, houve um meio-campo com outros artistas que já embarcavam em ideias parecidas. O JW foi reencontrando-os, como a Letícia (do Letuce), e a ideia foi vingando. Por coincidência, acompanhamos esse tipo de leitura, sugeri ao JW que o Fita fosse o paizão do projeto.
Muita gente poderá dizer que trata-se de uma homenagem ~irônica~. Você rebateria essas críticas como?
Logo vi o culto ao Raça Negra (por vezes debochada e caindo pro trash), cri neste tipo de adjetivação pois concordo que há uma falta de auto-crítica no mercado. No entanto, fico feliz com o jeito plural com que o Jorge (e todos que estão no tributo) dedicam ao projeto. Há, de fato, uma adoração (excessiva ou banal) da parte de quem entra no vácuo. Mas, creio, isto é reflexo da obra de quem passa a ser admirado. De Tom Zé a Molejo. É um efeito colateral. Mas, garanto: não é o que parece preencher as versões que já estamos finalizando. Vivian Benford e Minha Pequena Soundsystem, por exemplo, foram no subtexto das canções. Um exercício crítico de alguma forma.
Porque existe preconceito com o pagode?
O gênero se mostrou, por vezes, tão frágil quanto os amantes que estampavam as letras das músicas. Foi uma máquina de jabá, uma máquina de timbres e artistas ruins simultaneamente criava (bons) ícones. Rádios do Rio de Janeiro quase morreram depois que o segundo boom do pagode ruiu pois quando a força comercial acabou, pouco talento ficou em voga para salvar. Portanto, isso pesa. Junta isso com o fato de ser um gênero adotado por quem também adora o funk, o rap e o próprio samba; pronto. No Brasil, não precisa de mais do que isso. Mas não podemos deixar de dizer que se fez muita coisa ruim também.
O que o Raça Negra tem de muito bom (e nós estamos perdendo)?
Infelizmente, não é possível hoje traduzir a discrepância que eram shows e álbuns gerados nessa época. Ao vivo, o Raça parecia imbatível. Tinha seu lado romântico, mas a percussão era demais. Isso não se traduz muito nos plácidos registros de estúdio (essa injustiça pode ser compensada com os lançamentos ao vivo mais recentes do grupo). No entanto, o distanciamento pode permitir que pessoas não muito simpáticas ou inteiradas consigam observar que é um dos vários inícios de entendimento da música pop como arte comercial — direta, clara, objetiva, ganchuda. E, no caso do Raça, isso era abrilhantado com uma mistura de sentimentos que gerou (diretamente) tanto o Molejo ou Thiaguinho (ousados e alegres) ou, involuntariamente, o Fabio Goes, por exemplo. O que o Raça Negra tem de bom: todos os hits e o carissssssma do Luis Carlos. Uma aula de como uma música nem sempre muito boa em sua produção pode continuar existindo e sendo… boa.
Quais suas músicas preferidas da banda?
Cheia de Manias é a música que o pop-rock chegou perto de fazer com o Skank em “Calango”. Engraçada essa comparação, pois o Samuel Rosa também fez alguns “Didididiês” por aí. É a minha predileta. O samba-rock de “Pare De Agir” é outra que me atrai pois é quase um anúncio do que o Molejo viria a fazer posteriormente (inclusive na letra: “trouxa”, “cara de zé mané”).
A lista de músicas do tributo
Letuce – “Jeito Felino”
Harmada – “É Tarde Demais”
Giancarlo Rufatto – “Maravilha”
Hidrocor – “Deus Me Livre”
Vivian Benford – “Cheia de Manias”
Lulina – “Cigana”
Nevilton – “Vida Cigana”
Radioviernes – “Você Não Sabe de Mim”
Minha Pequena Soundsystem – “Te Quero Comigo”
Amplexos – “Quando Te Encontrei”
Orquestra Superpopular – “Me Leva Junto Com Você”