Fotos Jonatan Oliveira/O Grito!
Ao voltar a ter em sua programação uma noite dedicada ao pop, o festival Abril Pro Rock deu uma cartada certa, sobretudo por ter selecionado artistas e grupos comandados e formados majoritariamente por mulheres. Graças a essa decisão, na noite da última sexta-feira, no Baile Perfumado, foi possível ver os shows das bandas 808 Crew (PE), Arrete (PE), Sinta a Liga Crew (PB), a cantora Letrux, o grupo Côco de Umbigada (PE) e a banda de punk feminista russa Pussy Riot.
A mistura de gêneros – do hip hop ao punk, passando pelo côco – deixou o público meio atordoado porque a maioria dos presentes parece ter ido assistir principalmente as apresentações da Letrux e das ativistas da Pussy Riot, que foram as atrações mais esperadas. A primeira pelo fato de já ter no Recife uma legião de fãs que a acompanha já há um certo tempo em outros eventos (foram quatro shows por aqui em menos de um ano). Carismática, com um ótimo domínio de palco e canções que mesclam fossa amorosa e sexualidade, a cantora carioca ainda tem as músicas do seu disco Letrux em Noite de Climão (2017) como o fio condutor de seu show.
A apresentação da Letrux foi a mais envolvente da noite de sexta e era perceptível a entrega da artista ao público, uma vez que, como ela mesmo declarou, ainda no início da carreira um dos seus maiores desejos era cantar no Abril Pro Rock. Ela também deu espaço a um dos momentos mais emocionantes da noite ao convidar a companheira de Marielle Franco, Mônica Benício, para fazer um pequeno pronunciamento, cobrando a elucidação completa e justiça pelo assassinato da vereadora carioca ocorrido há mais de um ano. Ela propôs um jogral com a plateia: “eu vou falar o nome de Marielle e vocês não irão dizer ‘presente’, mas sim, ‘justiça'”, explicou. “MARIELLE! Justiça!!”, entoou o público lotado.
Ativismo político também foi o mote da apresentação da Pussy Riot. A banda feminista russa é conhecida por suas ações e performances contra o primeiro-ministro Vladmir Putin e contra o estatuto das mulheres na Rússia. Em 2012, três integrantes da banda foram presas por conta de um concerto-protesto improvisado realizado na Catedral do Cristo Salvador de Moscou. Imagens dessa ação integram inclusive as projeções visuais que acompanham o show.
Apesar da curiosidade despertada e o reconhecimento pela ação política do grupo, musicalmente a Pussy Riot não apresenta nada tão extraordinário capaz de hipnotizar uma plateia. A performance de palco também tem algo de estranho e anacrônico em termos de composição visual para quem está habituado com grupos similares no Ocidente. E, apesar de ser um grupo com diversas integrantes, quem veio ao Brasil foi apenas uma das membros, Nadezhda Tolokonnikova, acompanhada de um DJ. Ela aproveitou para lançar por aqui seu livro, O Guia Pussy Riot para o Feminismo, que saiu pela editora Ubu.
É bom lembrar que a Russia é um país com uma sociedade bem conservadora e que enfrentou uma defasagem grande nas artes cênicas, em geral, durante o período soviético. Outro elemento a ser considerado é um certo estilo retrô kitsch que pode ser observado nas manifestações artísticas contemporâneas que ocorrem por lá e que a Pussy Riot incorpora em seu visual. Essas peculiaridades talvez não tenham sido muito bem compreendidas pelo público, o que acabou esvaziando o show nos momentos finais.
Mas seria injusto ressaltar o ativismo apenas das garotas russas. As meninas da Arrete, da 808 Crew e da Sinta a Liga Crew também colocaram nos dois palcos do Abril Pro Rock seus gritos contra o machismo e a favor do empoderamento feminino. A banda paraibana fez um show potente e as letras de suas músicas reivindicam a presença das minas em todas as áreas onde ainda predominam o preconceito e atitudes machistas.
E falar de ativismo é também falar de resistência, palavras de ordem do pessoal do Côco de Umbigada, de Olinda. Com Beth de Oxum à frente, o grupo fez uma bela apresentação no Abril Pro Rock. Embora no palco se tenha apenas um lampejo da Sambada de Coco que ocorre nas ruas da comunidade do Guadalupe, em Olinda, a força do ritmo e a consciência do papel político da valorização dessas manifestações fizeram do show do grupo um dos pontos altos do festival esse ano.