The Handmaid’s Tale – Temporada 5
Bruce Miller (criador)
EUA, 2022, 18 anos, 10 episódios. Disponível no Paramount+
Com Elisabeth Moss, Yvonne Strahovski, Ann Dowd
Em alguns momentos parece indiscutível preferir um seriado breve e que mantenha uma cadência em sua qualidade até o final, a um fenômeno que perca sentido ao longo de várias temporadas só para cumprir com o mercado. Diante disto, The Handmaid’s Tale está com os alertas ligados para não se transformar no segundo caso, visto que se arrasta por uma quinta temporada, e já tem encomendada uma sexta e última. O prolongamento pode causar um desgaste desnecessário, provável até de colocar em xeque sua premissa revolucionária, distópica e ao mesmo tempo tão íntima com a realidade.
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É quase unânime a assertiva da série em elevar a muitos degraus a história original do livro de Margaret Atwood, também uma das produtoras executivas desta adaptação da Hulu (aqui no Brasil na Paramount+). A trama apresenta a fictícia Gilead, uma versão dos EUA em que as mulheres perderam os direitos e são obrigadas a cumprir papeis sociais determinados pelos homens. Acompanhamos a história de June, uma aia, casta de mulheres férteis que trabalham para famílias ricas e que são estupradas para garantir a procriação neste mundo distópico. Nas quatro temporadas anteriores, a protagonista viveu toda sorte de humilhações até se transformar uma líder revolucionária, e, por fim, conseguir escapar para o Canadá.
Agora, a Gilead apresentada pela série é muito mais ampla, cruel, misógina e cristã fundamentalista. Após cinco temporadas, os fatores extras à nação onde começou a ser ambientada a história, ganharam importância. O “descobrimento” de um Canadá acolhedor de refugiados (Moira, Luke, Rita) e empenhado em investigar Gilead já se provou parte da narrativa. Entretanto, ao longo desses três primeiros episódios, fica evidente que a jornada de June não avança no Canadá, pelo contrário, está bem empacada. Gilead lhe puxa, tanto no nível da ficção, quanto no que se espera como espectador.
O início da temporada apresenta uma June tentando se encontrar em si mesma e no que fazer. Um marco que mexe com os brios da protagonista é a morte de Fred Waterford (Joseph Fiennes), seu antigo captor, que é assassinado por ela e outras aias residentes no Canadá. Ainda que tenha representado um momento de ápice, vingança e conquista, o “salvamento” de seu maior algoz trouxe à protagonista algumas perturbações pessoais. São nestas perturbações que o primeiro episódio se pauta. Elisabeth Moss, além de ter dado vida à June, também dirigiu os episódios iniciais. No capítulo de estreia da temporada, “Manhã”, a atriz apresenta uma June perturbada. Incerta sobre se matar Fred foi a ação mais correta, ela entra na confusão entre o prazer de ter feito isso, e o que isso pode significar para a sua filha mais nova. A sensação de ser perigosa para a bebê Nichole e para os seus amigos mais próximos abala a confiança e mexe com a sanidade, até porque, neste nível, a personagem acaba detendo um posto difícil de ser retirado, o de liderança das aias refugiadas, mesmo que esse não tenha sido seu propósito inicial.
Assistir aos conflitos de June sobre ser a “inimiga número um de Gilead” não dispensa o fato de que sua estadia no Canadá é pouco empolgante. Isto porque o roteiro deixa marcado que o “empecilho” para que a personagem mude ou dê uma guinada ao seu destino é o mesmo desde a primeira temporada: sua filha Hannah (Jordana Blake). Ou melhor descrevendo: Hannah, que está totalmente imersa no sistema opressor e misógino de Gilead.
A mesmice dos conflitos psicológicos da protagonista no Canadá desvia a atenção para um arco que ironicamente, é mais interessante, que são os fatos que estão acontecendo em Gilead. Neste sentido, Serena Joy é um destaque. O trabalho dos roteiristas em trazer um conflito de julgamento para a personagem ainda funciona bem. A personagem da competente Yvonne Strahovski beirou algumas vezes uma mudança de rota ou um reconhecimento de que também é vítima de um sistema que ajudou a consolidar. Com a morte do marido, Serena volta a ser detestável. E chega a ser trágico, quando assim que descobre da fatalidade, ela lembre de um único momento bom ao lado de Waterford. Entre idas e vindas (e a perda de um dedo) a criadora do estado distópico se empenha em honrar um marido sem honras em vida, nem com ela, nem com a sua própria nação. As investidas discretas e até bregas, de cunho afetivo, do agente Mark Tuello (Sam Jaeger) são inválidas, enquanto Serena retorna ao perfil frio e articulado, um tanto desconstruído ao longo dessas temporadas.
O ex-chofer Nick (Max Minghella), alcançando o patamar de comandante, com uma nova esposa, divide suas energias entre os deveres em Gilead e a evidente preocupação por June e sua filha. Aqui, o roteiro nos afasta do clichê do amor proibido entre Nick e a protagonista, o que nas outras temporadas caiu tão bem, para testar a insistência pouco cativante da relação já perdida entre June e Luke (O. T. Fagbenle).
Vale ressaltar que assim como o primeiro, o segundo episódio, “Balé”, foi dirigido por Elisabeth Moss. E seu comando, já utilizado na temporada anterior, mostra mais uma vez apostar numa pegada mais metafórica ao reger a narrativa. Neste, é possível explorar como estão outras personagens já conhecidas, como a Tia Lydia (Ann Dowd), Janine (Madeline Blewer), que acabou como braço direito da Tia e super-amiga da ex-esposa e atual aia Esther (Mckenna Grace). Um dos dois enredos presentes no episódio estão neste núcleo, muito a ver com o desejo de fuga de Esther de um futuro de estupros e objetificação destinados para uma aia. O segundo brinca justamente com a metáfora. Ao assistir uma apresentação de balé, parte de sua tentativa de vida pacata, June acaba sendo telespectadora de um espetáculo ainda maior assim que sai do teatro. Orquestrado por Serena Joy, o funeral de Fred em Gilead é transmitido para todo o mundo. Nos telões de uma praça do Canadá, a protagonista vê o que mais temia: Serena tendo contato com Hannah, quem lhe entrega um buquê de flores. A fotografia da cena é impecável. Os closes nos rostos das rivais, enquanto June sucumbe de ódio e Serena sorri, revelam que o fio da meada da temporada será este embate.
O terceiro episódio, “Fronteira”, mostra a repercussão dos movimentos do segundo episódio, junto às consequências do atos de June, que provocam uma proteção declarada à Agnes (novo nome de Hannah) por seus pais em Gilead. A direção de Dana Gonzales traz um ar diferente ao roteiro, e com isso, vem de presente uma cena crucial de entrega de Ann Dowd, jus à indicação recebida no Emmy. Tia Lydia faz uma confissão em oração desesperada, ao mesmo tempo culpada e muito sincera, provocando uma simpatia quase que involuntária com a personagem. Conhecemos ainda os dramas do comandante Joseph Lawrence (Bradley Withford), que vale lembrar, está viúvo, e por isso tem sua utilidade em Gilead questionada (solteiros não podem ser comandantes). O episódio traz ainda as intenções e planos de Serena Joy, que apesar do medo notório de June, quer voltar à sua nação por um sentimento cru de pertencimento e desejo de poder.
O contato com um grupo mais subversivo ao sistema Gileadeano, no estilo Mayday, e os conflitos internos que, por fim a transformaram em grande revolucionária indicam que a estadia no Canadá de June pode não durar pelos próximos episódios. E para o bem do roteiro, é inteligente que não dure. A não ser que os roteiristas achem uma via que faça mais sentido para um desfecho, já que a narrativa claramente encontrou uma saturação.
A precoce renovação para uma sexta temporada leva a criação de expectativas que a série pode não atender nesta quinta. A história já não vem tão impactante quanto nas duas primeiras temporadas. Entre um fenômeno curto com qualidade, para um longo e decrescente, o alerta está ligado, e por enquanto, The Handmaid’s Tale está em cima do muro.