Ao se identificar com os personagens e subverter os fatos, Philip rompe com o realismo Flauberiano
Em homenagem a Philip Roth, morto nessa terça (22), republicamos a resenha de Complô Contra a América, um dos seus livros mais famosos e celebrados. O texto saiu na primeira versão desse site, ainda como um blog
Setembro é o mês que marca o lançamento de Complô Contra a América de Philip Roth. O livro, que sai pela Companhia das Letras, debruça-se sobre a recente história americana, ambiente das últimas narrativas do escritor. Entretanto, a obra não revela os bastidores políticos, mas, sobretudo, desvenda os meandros do seu microcosmo judeu a partir de uma perspectiva ficcional.
Como na trilogia Casei com uma Comunista, Pastoral Americana e A Marca Humana, Philip Roth se volta para o mesmo contexto político do macarthismo dos anos 50, da Guerra do Vietnã e do escândalo envolvendo Bill Clinton e a secretária Mônica Lewinski, respectivamente. Cria um cenário de truculências e se propõe enquanto personagem, além de colocar a própria família como protagonista do enredo.
A comunidade judaica das proximidades de Nova York, o menino Philip com apenas sete anos, os pais e irmãos são citados durante a narrativa. O forte teor biográfico se conjuga com a subversão histórica proposta pelo escritor. Sem dúvidas, Philip Roth tenta expor um retrato do cotidiano ao construir um relato daquilo que poderia ter acontecido nos Estados Unidos: a derrota de Roosevelt para um candidato pró-nazista em meados dos anos 1930.
É um romance psicológico que extrapola o gênero inaugurado por Gustave Flaubert, famoso pela frase “Bovary sou eu”. Ao se posicionar em vários trechos do livro, sem deixar brechas para opiniões ideológicas, mas distorcendo lembranças para construir a narrativa ficcional, o autor amplia a realidade do enredo e não abre mão de importantes técnicas literárias como o jogo dos espelhos e os duplos ficcionais, que tanto já apareceram nos livros Patrimônio, essencial para a compreensão de toda a obra de Philip, e Operação Shylock.
Essa trajetória de identificação com os personagens começou com a publicação de Complexo de Portnoy em 1969, dando ao protagonista a sua mesma idade e relembrando fatos de sua infância sobre as asas de sua mama judia superprotetora. Philip Roth compõe David Kapesh, que também carrega os mesmos traços do autor, para O Seio em 1973, reaparecendo em Professor do Desejo quatro anos depois. David Kapesh ainda volta em 2001 quando Philip lança Animal Agonizante, muito lembrado pela crítica na época do lançamento de Homem Comum.
Esse constante empréstimo de suas características aos personagens, já fez a imprensa especular sobre sua saúde quando um dos personagens de Philip passou por uma cirurgia de ponte-de-safena.
Complô contra a América é uma intrincada trama que não se faz por realidades paralelas. Muito pelo contrário, Philip chega a esgotá-la, construindo um enredo pautado por um cenário irreal ao cindir a percepção do concreto com o imaginário.
Não só o leitor se perde, mas também todas as reflexões acerca do que seria hoje caso aquilo tivesse acontecido. O real é tão brusco, rápido e abstrato que se dilata diante do exercício de possibilidades proposto pelo autor.
COMPLÔ CONTRA A AMÉRICA
Philip Roth
[Cia das Letras, 565 págs, R$ 62,50]