TRAGÉDIA DO OLHAR
Persépolis sublinha complexidade e leveza numa narrativa sobre as mudanças ocorridas no Irã, vividas pela protagonista
Por Cláudia Vital
Premiado no Festival de Cannes e indicado ao Oscar de melhor animação, Persépolis, a autobiografia em quadrinhos que foi sucesso na França, virou uma animação do tipo que não estamos costumados a ver. Todo em preto e branco e composto pela real história da iraniana Marjane Satrapi, autora dos quadrinhos, roteirista e diretora do filme que conta a sua própria vida. Persépolis parece ter encontrado a medida perfeita entre a inocência e a gravidade dos acontecimentos.
Irã, 1978. Marjane era uma garotinha de olhos expressivos que fazia da curiosidade o seu encanto, tinha pais intelectuais, esquerdistas, e vivia em plena revolução islâmica. Isso significa dizer que ela tinha costumes ocidentais, usava calça, era fã de Bruce Lee, estudava em uma escola francesa não religiosa, e, ao mesmo tempo, estava cercada pela cultura repressora do seu país. Ela começa, então a entender o choque cultural entre o seu universo familiar e a revolução islâmica ao ver o tio querido ser preso, e posteriormente executado. Ou ainda ser obrigada a usar o véu, não poder falar com meninos e ter que comprar clandestinamente LPs do Iron Maiden.
A preocupação e o clima tenso se fazem presente na família de Marjane. Algo parecido com a ditadura militar de 1964 no Brasil, onde quem não era adepto ao sistema via amigos sendo exilados, presos e desaparecendo. Já adolescente, Marjane não conseguia se calar diante dos equivocados ensinamentos repassados em sala de aula. Sua personalidade, formada em uma ambiente familiar de consciência e liberdade não mais conseguia aceitar o sistema do país. Percebendo o risco que a jovem corria, seus pais a mandam para a Áustria.
Descolada e isolada: Marjane conviveu com punks e aiatolás
Marjane se admira com a liberdade e a riqueza do novo país, um dos seus passatempos era ir ao supermercado só para poder ver as prateleiras cheias de mercadorias. Faz amizades com punks, freqüentou a noite, se sentiu só e se apaixonou. Eis então a pior guerra de todas: a que fazemos dentro de nós. Depois de ser traída inesperadamente pelo namorado, a garota que parecia forte sucumbiu à tristeza do descrédito. Morou na rua, passou necessidades, amargou o desamor e resolveu voltar para o seu país.
De volta ao lar, mas sem reencontrar a alegria, Marjane passa algum tempo para se curar da depressão. Revive o aconchego familiar, têm conversas com a admirada avó, faz amizades e novamente se apaixona. Proibida pelo sistema de se encontrar com qualquer homem, Marjane decide se casar. Novamente sente o desamor e passa a viver à margem dos costumes locais.
O roteiro teria tudo para ser um filme denso, daqueles que ao final da sessão sentimos um peso nos ombros, uma angústia de ser. No entanto, Persépolis conseguiu escapar do óbvio e ponderar os sentimentos da platéia através do seu formato leve. Trata-se de uma animação, mas não como as outras, pois ela economiza nos efeitos e capricha no conteúdo. Mesmo em um contexto triste, Persépolis não abre mão da comicidade e mostra o quanto é possível unir elementos que parecem antagônicos. Uma complexa história contada de forma simples.
Considerado pelo governo do Irã como uma sabotagem à cultura iraniana, o longa foi indicado ao Globo de Ouro em janeiro deste ano como melhor filme estrangeiro, mas o filme escolhido foi O Escafandro e a Borboleta. Persépolis Ganhou prêmio do júri em Cannes em 2007, foi premiado também no Festival de São Paulo e agora concorre ao Oscar de melhor animação. Está competindo com Ratatouille e Tá Dando Onda, candidatos aparentemente fracos diante de Persépolis. Escrito e dirigido por Marjane Satrapi e Vincent Paronnaud, a animação tem vozes da aclamada Catherine Deneuve, Chiara Mastroianni e Danielle Darrieux.
PERSEPOLIS
Marjane Satrapi e Vincent Paronnaud
(Persepolis, França, 2007)
NOTA: 8,0
OSCAR 2008
Melhor animação
Trailer do filme