Na última sexta-feira (12), saiu Ave, Êxodo!, disco de estreia do músico, cantor, compositor e traquitaneiro Pero Manzé, registro que parte das raízes numa infância cristã que foi dando lugar a uma vida adulta com fome de mundo, marcada pela arte, a engenharia e a migração. O disco Movimenta-se sob uma liturgia com o profano e sai de andada numa procissão que reúne todos os tipos de paixões e angústias que a gente tem no decorrer da vida.
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Produzido por Lucas Gonçalves (Maglore), o álbum apresenta 11 faixas autorais de Pero Manzé e uma de Lucas (“Procissão”). “Caro Espírito Paisano” foi o único single, lançado na semana passada como um pequeno spoiler. A mix do disco é de Chico Bernardes e a master de Fernando Sanches (Estúdio El Rocha).
Natural de Maceió, o artista vive em São Paulo há 13 anos. Encontrou na capital paulista a oportunidade de aliar seu ofício de engenheiro elétrico – “por pura nerdice e necessidade”, como ele mesmo explica -, com suas descobertas na música, formando-se sonoplasta pela SP Escola de Teatro em 2024. Atualmente, Pero Manzé também trabalha como operador de som em peças teatrais nos circuitos SESI e SESC de São Paulo.
“Me tornar oficialmente músico depois dos trinta foi uma questão grande pra mim por muito tempo. Hoje, porém, enxergo isso com outros olhos – vejo o quanto essa jornada pela tangente foi essencial, vivenciando o mundo totalmente por fora do ambiente artístico, acessando-o apenas como apreciador e, por vezes, como um ‘pretenso artista’. Uma experiência que contribuiu muito para meu próprio processo criativo, enriqueceu meu repertório e inspirações”, reflete Pero Manzé, que em 2022 decidiu gravar um disco com as canções que vinha acumulando.
Na capa de Ave, Êxodo!, Pero Manzé nos apresenta à sua avó, Dona Marieta, quando jovem. O rosto da moça alagoana nos captura pelo olhar, escondendo um sorriso esquecido no canto da boca. É assim, pelo semblante de Dona Marieta, que seu neto nos convoca a mergulhar num álbum repleto de camadas. Não apenas às de produção musical, mas sobretudo aquelas subjetivas, contidas naturalmente nas composições de Pero Manzé.

O álbum
“Ao avaliar minhas composições com mais cuidado, percebi a naturalidade do uso de termos cristãos nas minhas letras. Por um tempo quis renegar essa influência e tentar compor de outra forma, mas notei que aquilo tava encarnado, era parte de mim”, ele completa. “Vi que artistas que tanto admiro também tinham isso em suas letras, como é o caso do Tom Zé, Milton Nascimento, dentre outros. Decidi abraçar isso e foi aí que o disco começou a tomar forma”.
Ave, Êxodo! foi nascendo então dos processos criativos entre Pero Manzé e Lucas Gonçalves. Mergulhados em referências diversas em comum, eles passaram a dar ao álbum uma cara específica e orgânica. Os Mutantes estão ali, no fuzz rasgado que perpassa todas as canções. Fagner, Otacílio Batista e Clube da Esquina, também.
“Simplesmente fizemos, Lucas e eu, uma mistureba real de todas as nossas influências, que se convergiam no rock e na psicodelia dos anos 60 e 70. Trouxemos muito de Zé Ramalho em algumas canções – nesse lugar profético, apocalíptico e messiânico. Isso fica bem evidente na faixa ‘Procissão’”, detalha o cantor. “Eu também trouxe o Quinteto Violado, do sagrado misturado com o profano que eles trazem no disco ‘Missa do Vaqueiro’ (1976). De Tom Zé veio a parte mais divertida: o sampleamento e o jogo de palavras, observados especialmente nas canções ‘Ave, Êxodo’, ‘No dia em que Tom Zé Vier lhe Visitar’ e ‘Não Me Resolvo’. Elas surgiram do mesmo processo de sampleamento de sons aleatórios (violas, percussões, vozes, etc) até chegar num ritmo base que eu julguei legal pra criar a letra em cima, ou mesmo costurar letras inacabadas de canções”, detalha Pero Manzé.

