Pequenas Coisas Como Estas
Tim Mielants
Small Things Like These, EUA/IRL, 1h38. Drama. Distribuição: O2 Filmes
Com Cillian Murphy, Emily Watson, Clare Dunne
Subsequente ao seu papel que lhe rendeu o Oscar de Melhor Ator no financeiramente colossal Oppenheimer (2023), orçado na casa dos 100 milhões de dólares, o ator Cillian Murphy desvencilhou-se dos holofotes hollywoodianos rumo a uma produção low budget, filmada na Irlanda, seu país natal. Com direção de Tim Mielants (com quem Murphy já trabalhou na série Peaky Blinders), a obra escarafuncha um dos capítulos mais deploráveis da história irlandesa, conhecido como as Lavadeiras de Madalena. Dramaticamente eficiente, o filme é engrandecido pela estatura dramática que o ator concede ao protagonista.
A trama acompanha Bill Furlong (Cillian Murphy), pai dedicado e respeitado vendedor de carvão e madeira na pequena cidade de Wexford. Imageticamente explorada pela câmera de Tim Mielants, a carvoaria funciona como perfeita metáfora para os sentimentos e fantasmas do passado revolvidos no interior do personagem. É perceptível o seu desconforto com as injustiças sociais ao redor. Após realizar entregas no convento da cidade, Bill começa a perceber possíveis abusos cometidos contra as mulheres “abrigadas” no local.
A instituição católica é a representação daquelas que ficaram conhecidas como Lavanderias de Madalena: conventos onde as chamadas “mulheres caídas” eram exploradas como trabalhadoras e sujeitas a punições corporais que às vezes as levavam à morte, mantidas em segredo por décadas. Entre os anos de 1922 e 1998, mais de 56 mil mulheres foram encaminhadas a tais instituições para “penitência e reabilitação”. Os dados utilizados no filme são baseados no livro homônimo da escritora irlandesa Claire Keegan, a partir do qual o roteiro foi adaptado.
Saliente-se a belíssima fotografia de Frank van den Eeden, fundamentada em planos nos quais a escuridão envolve os personagens, sejam em tomadas internas ou mesmo nas ruas. Visualmente impecável, Pequenas Coisas Como Estas se prejudica por amarrações apressadas do roteiro assinado por Enda Walsh; a impressão é de que, ao sintetizar a narrativa em 98 minutos, o filme oscila entre ótimos momentos e passagens intrincadas demais, como os insistentes flashbacks que tentam dar conta do trauma familiar do protagonista Bill Furlong. E este, ao meu ver, acaba por ser um problema na “moral” do filme: só somos sensíveis em relação aos que sofrem se alguém da nossa família passa/passou por situação semelhante?
Além disso, o ato final reitera, ainda que sem intenção, a obsoleta concepção de protagonista-masculino-salvador-de-mulheres-indefesas. Numa história essencialmente sobre mulheres, a trama designa as ações de importância narrativa unicamente para Bill Furlong. Mesmo com estes pontos problemáticos, o filme é inegavelmente elevado pela performance incrível de Cillian Murphy. Num espectro dramático de introspecção constante, o ator consegue transparecer, sem dizer palavra, a angústia que transborda do seu corpo. Nas cenas compartilhadas com a gigantesca Emily Watson e a super competente Eileen Walsh, o espectador é brindado com atuações cuja sintonia tonificam a relevância da história contada.
Desprezado pela temporada de premiações norte-americana, Pequenas Coisas Como Estas é um bom drama baseado em história verídica, filmado de modo delicado por Tim Mielants. A parceria parece ter dado certo: o próximo filme do diretor, uma dramédia intitulada Steve em fase de pós-produção, terá novamente Cillian Murphy como protagonista. Ainda não há data prevista para lançamento.
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