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Pele terá sessões na sala de exibição do Museu. (Foto: Divulgação/Embaúba Filmes).

Pele, de Marcos Pimentel, percorre as narrativas estampadas nos muros e fachadas das grandes cidades

Em entrevista à Revista O Grito!, cineasta mineiro comenta sobre a concepção do longa e também explica como a produção acaba repercutindo episódios recentes da história brasileira

“São gritos silenciosos estampados nos muros da cidade, então chamamos a atenção para isso e construímos uma narrativa com esses conteúdos”, é o que propõe o documentário Pele, do diretor Marcos Pimentel. Sem diálogos ou entrevistas, o longa proporciona uma experiência sensorial pelas artes e intervenções urbanas e explora as interações dos habitantes dos grandes centros com os traços e palavras que preenchem as fachadas e muros.

Lançado no circuito comercial brasileiro em outubro deste ano, após passar por diferentes festivais ao redor do mundo, o filme chegou a receber o Grande Prêmio da Crítica, no Festival Message to Man, na Rússia. No Recife, o título encontra o público neste mês de dezembro pela programação da 26ª edição da mostra Expectativa/Retrospectiva do Cinema da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj).

Em entrevista à Revista O Grito!, o cineasta mineiro conta que a ideia surgiu a partir das suas andanças por Belo Horizonte, cidade onde vive. “Me chama muito a atenção essa coisa pulsante que a arte urbana tem. Um monte de símbolos que estão estampados pela arquitetura da cidade, nas estruturas de concreto, e que muitas vezes passam despercebidos por nós”, revela. “Às vezes, as pessoas param debaixo de uma palavra e se forma alguma coisa entre aquela palavra e o corpo dela. Então, eu resolvi fazer um filme sobre isso.”

Parte das imagens foram capturadas anos antes, durante as filmagens de obras como Taba (2010) e Polis (2009), ambos curtas-metragens do diretor que partem de uma abordagem contemplativa para percorrer a experiência urbana contemporânea. “Só que eram sequências curtas dentro de curtas-metragens e aí eu falei assim ‘bom, quero fazer um filme só sobre isso’”, destaca Pimentel, cuja trajetória artística é marcada por obras que se inclinam ao cinema de poesia.

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Filme leva em conta a efemeridade das intervenções urbanas. (Foto: Divulgação/Embaúba Filmes).

A partir de então, ele começou a mapear em Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo, as três capitais onde as imagens foram gravadas, lugares que abrigavam diferentes intervenções urbanas, fossem graffitis, pichações, lambes ou até anúncios publicitários. “Sempre tendo que levar em conta que é uma arte muito efêmera, que é modificada constantemente, ou pela passagem do tempo que vai desgastando ou pelas pessoas e os governos, porque alguém chega e resolve fazer uma outra coisa em cima, ou derrubar um muro, ou colar cartaz, ou pintar de cinza.”

“Então, era um filme que não dava para a gente ficar preparando tanto antes, porque, até conseguir o recurso e sair para filmar, podia nada aquilo existir mais”, explica. “Era um filme que a gente tinha que se entregar muito, esperar muito e filmar pouco, porque você tem que esperar que aconteça alguma coisa ali ou que haja alguma interação entre os corpos, entre os automóveis, entre os veículos e aquelas situações.”

A história brasileira nas ruas

Para além da abordagem poética, também se fazem presentes críticas sociais mais incisivas e comentários sobre momentos da recente história do Brasil. Os protestos contra a Copa do Mundo e também contra as Olimpíadas, as manifestações de Junho de 2013, o impeachment de Dilma Rousseff, o golpe de Michel Temer, o Ele Não, o Lula Livre, a Lava Jato e, posteriormente, a Vaza Jato, além dos escândalos do governo Bolsonaro, são só alguns dos inúmeros episódios repercutidos, que inundam o discurso e a vivência das ruas.

“Parece mentira de tão absurdo que é, mas está tudo ali e é incrível ver como o muro grita isso. A gente tem um monte de gente querendo gritar para o mundo um monte de opressão que vem sofrendo há séculos e também comentar os fatos que estão vivenciando”, pontua Marcos Pimentel. Para ele, a produção representa também um ponto de virada em sua trajetória, já que consegue fornecer uma síntese bem equilibrada entre poesia e política, fusão ainda pouco explorada em obras anteriores.

“Eu acho que durante muito tempo eu fiz filmes que apontavam muito mais para a poesia. Claro, política está presente em tudo o que a gente faz, mas eu passei a maior parte da carreira fazendo mais filmes de atmosfera, que tinham um tempo estendido, que tinham uma observação contemplativa sobre determinadas situações e personagens e que apontavam mais para questões do cotidiano, do tempo e da memória. Mas o nosso país mudou tanto nos últimos tempos, que não dá para não falar de algumas coisas.”

“Me interessa a experimentação de linguagem e de narrativa apontando para uma coisa mais ligada a poesia, mas que tenha uma carga política importante e diga coisas para as pessoas. Eu acho que não dá para não se posicionar no momento do nosso país e o documentário pode ser um aliado potente e vigoroso para causar reflexões nas pessoas sobre o modelo de sociedade que a gente quer para a gente”, avalia.

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