DESTRUIDOR
Provocativo no texto, formal na narrativa, assim é Partículas Elementares, adaptação para o cinema do polêmico Michel Houellebecq
Por Júlio Probo
“Meu papel é o de destruidor das ilusões”, proclamou o novo gênio da literatura francesa, o polêmico escritor Michel Houellebecq,ao ser entrevistado sobre sua obra cujo conteúdo niilista tem amealhado tantas láureas quanto detratores ao redor do mundo. As duas correntes têm lá sua razões. Festejado no papel de arguto cronista dos novos tempos ele é capaz de profetizar contemporaneidades cientificas com o mesmo rigor cirúrgico com que disseca as relações inter-pessoais e a solidão dos seus personagens. Mas, das entranhas dos seus livros exalam, sobretudo, a própria misantropia desse autor de humor misógino (“pergunta: qual o nome da gordura que envolve a vagina? resposta: mulher” piada do livro A Possibilidade de Uma Ilha), personagens racistas (“negros têm cérebro de répteis” diz o protagonista de Partículas Elementares) e declarações anti-semitas na imprensa (“O islamismo é a religião mais estúpida”). O estampido desse coquetel incendiário fatalmente iria reverberar para além das fronteiras da literatura .
Partículas Elementares é o primeiro filme baseado na obra de Michel Houellebecq, cujo romance homônimo foi lançado em 1998 e já foi descrito como “romance sobre o suicídio do Ocidente”. Transposta para a cidade de Berlim pelo roteirista e diretor alemão Oskar Roehler, a trama gira em torno das diferenças de personalidade entre dois meio-irmãos que tem em comum apenas o abandono da mãe hippie e um vago sentimento de inadequação. De resto, tudo neles é oposição.
Bruno (Moritz Bleibtreu, no papel que lhe rendeu o prêmio de melhor ator no último festival de Berlim) tem o comportamento absolutamente impulsivo, emocional e profundamente hedonista. Sua busca pelo prazer sexual é incansável e meticulosa. Numa de suas investidas por comunidades nudistas encontra o amor sob o corpo sinuoso de Christiane (Martina Gedeck) e com ela aventura-se pelos labirintos pouco iluminados dos clubes de sexo grupal.
Sexo não é exatamente a prioridade na vida do biólogo molecular Michael (Christia Ulmen) uma vez que sua prestigiosa teoria sobre clonagem humana prescinde de qualquer contato sexual, exatamente como sua vida afetiva. Michael representa a racionalidade absoluta. Sua aversão ao contato físico só retrocede ao voltar para os braços de Annabella (Franka Potente, a estrela de Corra, Lola, Corra), seu antigo amor de infância.
Bruno e Michael são duas possibilidades de um mesmo homem contemporâneo em profundo conflito existencial, tendo o sexo como força catalisadora de prazeres, angústias e frustrações. Sentimentos compartilhados pelos demais personagens deste filme alemão cujo roteiro propõe a atmosfera crua de Houellebecq: sexo grupal, sedução de adolescente, masturbação em homenagem a mãe, suicídio, críticas ao movimento hippie, indiferença paterna e até uma piada nada lisonjeira sobre brasileiros.
Sexo grupal, sedução de adolescente, masturbação em homenagem a mãe, suicídio e críticas ao movimento hippie compõem atmosfera do filme.
Cenas de um filme iconoclasta que, curiosamente, incorre numa contradição. Uma certa timidez estilística em desacordo com o caráter escancaradamente provocativo dos temas em questão. A ousadia formal merecia ir além da fotogafia, empenhada em ajustar o padrão cromático às cenas de “flashback” , mas asséptica além da conta nas demais cenas. O “incêndio Houellebecq” foi debelado.
Mesmo com tantos indícios de sua literatura presentes no filme, Michel Houellebecq já declarou que não gostou da adaptação para as telas de Partículas Elementares sobretudo pelos cortes no personagem do cientista cuja teoria antevia a clonagem humana. Ironicamente, contudo,o fato do “priapismo” ganhar mais espaço no cinema que a “ciência” funciona como uma metáfora, reveladora, da escala de valores no nosso Admirável Mundo Contemporâneo.
PARTÍCULAS ELEMENTARES
Oskar Roehler
[Elementarteilchen, Alemanha, 2007]
NOTA : 8,0
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