Foto: Jonas Dias/Divulgação
A arte drag é hoje uma das vertentes mais potentes do meio artístico brasileiro. Não à toa, duas das maiores drag queens do mundo são daqui: Pabllo Vittar e Gloria Groove, ambas fenômenos em escala global. O país do futebol e do samba é agora também referência na arte drag, mostrando ao mundo talentos extraordinários. Um deles é Paola Hoffmann Van Cartier, de 36 anos, artista multifacetada que não abre mão do que ama para fazer sua arte, mas que também luta por mais dignidade para todas as pessoas que vivem dessa profissão. “Dar visibilidade é ótimo, a gente quer, mas precisamos também ser recompensadas, porque gastamos e investimos”, afirma.
Nascida em Vila Velha, Paola foi a representante do Espírito Santo entre as dez queens participantes na disputa pelo título no Drag Race Brasil. A segunda temporada estreou em 10 de julho, na plataforma de streaming WOW Presents Plus. Ela foi a segunda eliminada do reality.
Com 20 anos de carreira, a artista se destaca como uma “pageant queen”, categoria que valoriza elegância, técnica e presença em concursos de beleza. Ao longo da trajetória, acumulou títulos internacionais como Global International 2017 (Tenerife) e Queen of the North Continental 2023 (Holanda). Também foi performer residente em casas noturnas da Itália e da Irlanda do Norte.
Seu nome artístico é uma homenagem às suas raízes italianas, à drag mother Vanessa Van Cartier, vencedora da segunda temporada de Drag Race Holland, e à House of Hoffmann, fundada por ela mesma ao lado da drag Elaysa Hoffmann. Paola aposta em um estilo refinado, com performances de dublagem e passarela marcadas por precisão e sofisticação.
A cultura capixaba ganhou destaque nacional com sua estreia no programa. No primeiro episódio, a artista desfilou um look inspirado na icônica panela de barro, representando as paneleiras de Goiabeiras e a tradicional moqueca capixaba.
No terceiro episódio, o reality mostrou o apoio que Paola recebeu de suas irmãs enquanto contava sua história de vida. Ela destaca que essa força foi fundamental, pois todas as pessoas que passam pela prostituição precisam de amor, carinho e compreensão. “Tiveram um tato de mostrar a minha história de uma forma que tocasse as pessoas e que o público conseguisse entender o que é estar nessa vida”, avalia.
Em passagem pelo Recife, Paola participa da próxima watch party Drag Phenomena, no Club Metrópole, nesta quinta-feira (28). Já na sexta (29), também estará na boate, desta vez, ao lado de outra queen do casting, Bhelchi, queridinha do público do Drag Race Brasil. Paola revela, ainda, para quem está torcendo para levar a coroa: “Não tem como não torcer para a única, inigualável, a ‘chupa cu de Recife’, meu amor: Ruby Nox, minha torcida é toda dela. E também torço pela Poseidon e pela Bhelchi”, afirma.
Em conversa com a Revista O Grito!, Paola falou sobre sua carreira, desejos, irmandade drag e a dor de reviver esses momentos e o acolhimento do público.
O público até viu você ser eliminada, mas jamais saiu derrotada do terceiro episódio de Drag Race Brasil. Afinal, você representa exatamente aquilo que transformou a franquia em um fenômeno global e abriu caminho para sua versão nacional: a força da arte em transformar e até salvar vidas. Como enxerga a Paola antes e após a entrada no reality?
Enxergo a Paola de antes como uma pessoa que não tinha tanta visibilidade, que não tinha um palco e um lugar para poder mostrar aquilo que ela é. E, após o programa, a gente tem uma visibilidade maior por estar no mainstream e a oportunidade de tocar pessoas como pude fazer no reality. Essa é a grande diferença do antes e do pós-Drag Race.

Você é capixaba e trouxe sua origem no look na primeira passarela. Paola tem fãs por lá? Qual a sua relação com o Espírito Santo?
Antes do programa, eu tinha poucos admiradores em Vitória. Após o reality, tenho recebido muito amor e carinho do público capixaba — não só da nossa comunidade LGBTQIAPN+, mas também de muitos heterossexuais, já que a atração conseguiu “estourar a bolha” e mostrar nossa arte para além da comunidade. Tenho hoje muitos fãs no Espírito Santo e isso me deixa muito feliz. Minha relação com meu estado é a melhor possível. Sou muito regionalista, levo sempre o meu povo e a minha cultura comigo e tento, ao máximo, exaltar e divulgar o Espírito Santo onde quer que eu vá.
Quais são suas inspirações enquanto artista?
Em primeiro lugar, minha mãe drag, Vanessa Van Cartier. Ela é uma pessoa maravilhosa, me inspira muito, tem um coração como poucas no mundo. Outras inspirações são Melissa Bianchini, Miss Abby OMG, Victoria Shakespears, Fontana e Kelly Heelton — queens que conquistaram o público fora do Brasil, quebraram barreiras de xenofobia e chegaram a lugares que muitas delas talvez nunca imaginassem alcançar.
No Brasil, minhas referências são Chica Chiclete, Silvetty Montilla, Bianca Castelli e inúmeras artistas que iniciaram a carreira na mesma época que eu. A Labelle Beauty é uma grandíssima inspiração, além de ser minha amiga pessoal, que amo de paixão. São essas pessoas que moldaram e ajudaram a formar a Paola Hoffmann de hoje.
Quais os seus trechos prediletos do programa?
A minha entrada, que foi bem icônica, sendo a primeira a chegar, com uma frase que muita gente não entendeu. A “monarquia” a que me referia era a da minha família drag, já que duas pessoas próximas já haviam sido coroadas. Como a coroa passa de geração em geração, essa era a intenção da fala.
Outros dois momentos marcantes foram minha passarela com o look inspirado na moqueca capixaba, que representou meu povo e minha cultura, e a homenagem a Gal Costa, um dos destaques da minha trajetória.
Qual a sua relação com as outras queens do casting?
Minha relação com a maioria das minhas companheiras é maravilhosa. É claro que, com a correria, não temos tanto tempo de estar sempre em contato, mas sempre que possível mantemos laços muito bons. Com algumas delas falo praticamente todos os dias. São pessoas que amo, que estão comigo de mãos dadas em qualquer momento e que quero levar para a vida inteira.
Você foi da Itália direto para o Drag Race ou você já estava morando no Brasil?
Essa é até uma história inacreditável! Eu não queria me inscrever na segunda temporada de Drag Race Brasil. Não me via mais como uma queen que poderia ser chamada, estava com a autoestima baixa, sem acreditar no meu potencial. Graças à minha amiga Victoria Shakespeare, acabei enviando o vídeo no último dia de inscrição.
No momento em que mandei o vídeo, olhei para o meu ex-companheiro, que estava na minha frente, e falei: “Estou na segunda temporada do Drag Race Brasil! Vou comprar minha passagem e voltar para o Brasil”. Naquele instante, comprei a passagem e voltei exatamente um mês antes de ser confirmada na temporada.
Tudo acontece por acaso e era o momento certo. Às vezes desacreditamos do nosso potencial, e é por isso que amigos próximos fazem diferença. Victoria me encorajou, disse que eu tinha potencial e que iria conseguir. Tudo se transformou quando eu mesma passei a acreditar. As coisas conspiraram para que desse certo — e aqui estou, dando essa entrevista depois de participar do programa que sonhei a vida inteira.
Tem algo que não conseguiu apresentar, mas que gostaria muito de ter mostrado lá?
Queria muito ter feito o Snatch Game, porque teria sido um momento icônico no programa. Também queria ter apresentado o meu Roast, que seria uma ótima oportunidade de mostrar outro lado da Paola. E claro, adoraria ter chegado à final, porque meu look para essa etapa era impressionante, teria deixado o público impactado.
Os seus fãs e os fãs do programa querem muito que você tenha uma segunda chance. Você fala vários idiomas, mas toparia outras franquias? Quais teria predileção?
Vi esse burburinho na internet após minha eliminação, e isso me deixa muito feliz, me dá mais garra e vontade de continuar mostrando minha arte. Estou só esperando o convite, porque qualquer franquia, de qualquer país, pode me chamar que estarei lá. Até se inventarem um Drag Race Marte X The Universe, eu vou! Isso é o que eu amo: competir, estar no palco, mostrar a nossa arte. Quero muito levar o talento brasileiro para o mundo e provar que as queens daqui são babadeiras, meu amor.

(Foto: Reprodução/WOW Presents).
No episódio da eliminação, você contou um pouco mais sobre a sua história. Foi uma cena muito marcante. Qual sua avaliação sobre a edição desse momento?
Tenho uma avaliação maravilhosa sobre a edição do programa, principalmente nesse trecho. Os editores tiveram o tato de mostrar minha história de uma forma que tocasse as pessoas e que o público conseguisse entender o que é estar na prostituição, o que é passar por essa vida.
Li alguns comentários dizendo que eu poderia ter escolhido “lavar banheiro” ou qualquer outro trabalho, mas ninguém sabe o que a gente estava vivendo no momento para acabar entrando nessa realidade. Para mim, sinceramente, a opinião dessas pessoas não importa. O que me importa é que a edição conseguiu mostrar minha trajetória de um jeito que as pessoas pudessem compreender melhor o tema.
Como foi assistir ao episódio da sua saída do programa?
Foi bem difícil, duro. Apesar de já saber praticamente tudo o que aconteceria, ninguém quer reviver aquele momento. Me senti frustrada, mal, sem acreditar que tinha mostrado tudo o que gostaria. Chorei muito. Ao mesmo tempo, fiquei feliz pela oportunidade de contar minha história e mostrar que a arte drag vai muito além de ser só bonita.
A sua mãe drag, Vanessa Van Cartier, comentou a respeito da sua eliminação?
Com certeza. Quando o episódio terminou e cheguei em casa da watch party, a primeira pessoa que me ligou foi a Vanessa. Ela disse coisas lindíssimas. Só de lembrar, já me emociono. Eu tinha medo de decepcionar minha família drag, de não ser aquilo que esperavam de mim.
Mas minha mãe drag me ligou e disse que estava orgulhosa, independente de eu ter sido a segunda eliminada ou uma finalista. Citou que representei as Van Cartiers com dignidade. Isso, para mim, vale mais do que o prêmio do programa: ouvir que dei orgulho para alguém que é minha maior inspiração.

Race Brasil. (Foto: Reprodução/WOW Presents).
É verdade que você está de volta de vez ao Brasil?
Sim, estou de volta, pelo menos por enquanto. Pretendo ficar no país e ir para fora apenas a passeio, ou para gravar alguma franquia internacional, quando me convidarem (risos).
Diante de tudo o que tem acontecido agora, o que você diria para a Paola que estava começando a fazer drag, anos atrás?
Eu diria para a Paola que tudo aquilo que ela sonha vai ser conquistado. Não vai acontecer no momento em que deseja, vai demorar, podem passar 20 anos até chegar onde gostaria. Mas que não desista.
Diria para nunca deixar que os comentários a façam se sentir menor, para continuar sonhadora, acreditando em si, sem abaixar a cabeça. Continuar firme, mesmo que digam que ela é “difícil de trabalhar”. Não é isso: ela só quer ser reconhecida com o mínimo de respeito e valorização. E vai conquistar o mundo — basta acreditar.

categoria “Tempero Brasileiro”. Foto: Divulgação).
Após sua saída, torce por qual queen agora para levar a coroa?
Desde que saí e comecei a dar entrevistas, alguns disseram que “virei a casaca”, que estou torcendo para outra queen daquelas que escrevi o nome no espelho. Mas as pessoas não entendem que meu episódio de eliminação foi justamente o que mais me aproximou de uma das queens: alguém que virou minha melhor amiga, minha irmã, minha companheira, que não solta a minha mão e não desistiu de mim quando pensei em desistir.
Não tem como não torcer para a única, inigualável, a “chupa cu de Recife”: Ruby Nox. Minha torcida é toda dela.
Também torço pela Poseidon e pela Bhelchi, que amo demais. Mas minha torcida maior é para a Ruby. Quero que ela conquiste a coroa e mostre ao mundo o que é a arte drag brasileira: desde as drags que surgiram na época da ditadura até as que começaram recentemente, inspiradas por um episódio de Drag Race. Não existe outra que represente nossa arte de maneira tão completa quanto Ruby Nox. Eu sou #TeamRubyNox até a morte!

Divulgação).
Gostaria de acrescentar mais alguma coisa, Paola?
Quero fazer um apelo aos produtores brasileiros que organizam eventos drags. Muitos dizem e gritam de peito aberto: “support your local queen” [apoie sua drag local]. Mas apoiar não é só chamar para fazer show sem dar cachê ou ajuda de custo. Visibilidade é ótimo, mas precisamos ser recompensadas, porque gastamos, investimos e queremos dar o nosso melhor. É triste e revoltante quando isso não acontece.
Enquanto queens internacionais recebem de R$ 60 a 100 mil de cachê, passagens de primeira classe e hospedagens de luxo, muitas artistas brasileiras — igualmente ou até mais talentosas — não recebem nada. São chamadas apenas “pela visibilidade”.
Produtores, por favor: parem de desvalorizar nossa arte. Drag é arte, mas também é trabalho. Muitas de nós vivem disso. Valorizem nossas drags brasileiras e paguem cachê justo.
E sim, gritem aos quatro cantos “support your local queen” — mas pagando.
Muito obrigada ao Grito! pelo convite, pela entrevista e por tudo. Um beijo!
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