Uma das concorrentes da segunda temporada do Drag Race Brasil, exibido pelo WOW Presents Plus, Mercedez Vulcão está honrada de ter participado do programa. A artista, que completa 10 anos de carreira como drag em 2025, é só alegria com o programa que começou a ir ao ar no dia 10 de julho. Criada pelo ator paulista Pedro Machitte, de 37 anos, Mercedez Vulcão sempre esteve nos seus pensamentos, mas foi em 2015 que a drag realmente nasceu.
Entre as características que o público conheceu estão os toques almodovarianos, referência ao cineasta espanhol Pedro Almodóvar, de quem é fã. “Pensei que se me chamasse ‘Mercedez’, assim com ‘Z’ no final, seria mais dramático”, explica.
Suas apresentações misturam performance, irreverência e música. Além de cantora, ela lançou recentemente o single Amante Latina, disponível nas plataformas digitais desde 15 deste mês.
Um dos pontos fortes da drag é a comunicação — seja em performances, vídeos ou entrevistas, sempre gosta de transmitir algo ao público. Por isso, já prepara novos projetos além do Drag Race. “A gente já ganhou um edital com o Rei Lear, no qual vamos fazer uma temporada em São Paulo no fim do ano ou no começo do próximo”, comemora.
Mercedez também falou sobre a amizade com Bhelchi, que considera sua maior conexão dentro da temporada. “De todas do casting, me conectei muito com a Bhelchi. A gente teve identificação desde o início. A gente se ajudou muito lá dentro”, conta.
Em entrevista à Revista O Grito!, a artista falou sobre a sua carreira, o Snatch Game, e nova fase na música.
Para começar, primeiro, de onde vem a escolha do seu nome drag?
Esse nome surge a partir do fato de que sou muito fã de Almodóvar, gosto muito dos filmes dele. Refleti: se fosse uma personagem de Almodóvar, como eu gostaria de ser chamada? Pensei que se me chamasse “Mercedez”, assim com “Z” no final, seria uma coisa mais dramática. E o “vulcão” vem da força da natureza. Queria um nome que tivesse um impacto. Às vezes, quando falo o nome as pessoas já fazem: “Uhul! Vulcão!”. O nome tem um impacto por si só. Então gosto muito disso e é teatral também.
Você é do teatro. O que você gosta e mais se identifica ou tudo é arte cênica para você?
Tudo é arte cênica, até na hora de pensar num look. O programa valoriza bastante a moda, e gosto de refletir sobre figurino, que também é arte dentro do teatro. Às vezes, isso acaba sendo mal compreendido no programa, porque sempre penso nesse caminho. Além disso, curto atuar, criar, encenar. Quando comecei a fazer drag, já fazia teatro há muito tempo.
Há quantos anos você já faz teatro?
Há 26 anos, desde criança. E a drag veio como uma peça que faltava no encaixe, pois sentia que faltava alguma coisa.
E você atua no teatro desde criança. E desde quando você faz drag?
Faço teatro desde criança e tinha essa vontade e interesse em fazer drag desde os meus 18 anos, quando fui ver show de drag pela primeira vez. Achava muito legal, mas achava que não era para mim, porque não frequentava muito a noite ainda e morava no interior.
Faço teatro desde criança e sempre tive interesse por drag desde os 18, quando assisti a um show pela primeira vez. Achava incrível, mas não me via nesse lugar ainda. Eu morava em Vinhedo, interior de São Paulo, perto de Campinas. Para ver shows, precisava ir até Campinas.
Com o tempo, essa inquietação cresceu. Eu assistia aos filmes de Almodóvar, via aquelas figuras e me perguntava por que não fazia drag. Em 2011, mudei para São Paulo e, em 2015, participei de um workshop de drags no Sesc Consolação. Achei maravilhoso e percebi que precisava fazer! Desde o começo, quis levar a drag para o teatro. Junto com amigas, criamos um movimento de trazer a drag de volta ao palco, criar espetáculos e projetos nesse espaço.

Dias / Divulgação)
Na arte drag cabe de tudo, Mercedez? Você uniu sua vivência anterior no teatro com a arte drag?
Cabe. Para a competição talvez não, porque é muito formatada, mas tem um caminho ali que estou abrindo junto com outras drags “na foice”.
Quais são influências da sua drag em relação ao teatro e de outras áreas também?
Minha primeira grande influência é Almodóvar. Minha drag passa por esse lugar dramático e intenso. Até nos looks, com esse perfil mais kitsch. Também tenho o lado musical: já lancei algumas canções e participei do Queen Stars Brasil.
Musicalmente, tenho um caminho mais indie rock. Gosto muito da cultura latino-americana como um todo. Pagamos muito pau para drag norte-americana. Claro que há coisas maravilhosas lá, mas acabamos deixando de olhar para a diversidade cultural que temos no nosso país e no nosso continente sul-americano.

Pedro Almodóvar de quem é fã. (Foto: Renan Simões/Divulgação)
Teve algum desafio que gostaria de ter feito na competição e não conseguiu? Na primeira temporada, teve prova de atuação, mas a segunda temporada não, o que poderia ser uma ótima oportunidade para você.
Queria muito. Eu iria “macetar” nessa prova. E no Roast também.
Você, inclusive, já participou do Gongada Drag.
Sim, participei e tenho outra apresentação marcada. Eles gostaram bastante da minha participação lá. Adoraria ter feito o roasting no Drag Race Brasil. E também aquelas novelinhas pequenas. O meu lado de ator mesmo é esse lugar de sentar, estudar texto, criar personagem. Esse é o lugar que tenho mais afinidade. Ao longo da minha carreira, já trabalhei com improviso, mas não é o meu forte. Não fico improvisando com o público, como a Silvetty Montilla. Esse não é o meu lado. Minha área é ser ator de texto, de criação e de processo.
Adorei a sua Elke Maravilha e acho que ela foi incompreendida no programa. Sua piada chamando o Dudu Bertholini de Pedro de Lara vai ficar para a história do Drag Race Brasil.
Acho que foi uma boa piada também. O que eles esperam do Snatch Game é o escracho. Uma possibilidade que mandei na audição foi a Dercy Gonçalves, porém seria escracho demais. Resolvi não apelar para esse caminho, porque seria uma escolha muito óbvia, já que todo mundo estava falando que alguém precisava fazer a Dercy. Talvez precisasse ter ido mesmo para o óbvio. Aliás, o Drag Race é muito sobre o óbvio.
Percebi que se você leva propostas que fogem desse caminho, o público acaba não aceitando. Precisa ser uma coisa mais direta. Isso foi um aprendizado que tive ali. Se é a forma com a qual você precisa se comunicar com o público, é necessário também ter uma comunicação mais direta.

Sua formação te leva para um caminho mais cerebral, mais nerd, enquanto o Drag Race é um produto mais popular, tem uma linguagem mais direta.
Enquanto artista, luto muito contra esse lugar somente cerebral. Para mim é um esforço tentar ser cada vez mais popular, ligada com o público, com o povo, porque é um porre a arte que não comunica. Às vezes, me vejo caindo neste lugar por conta da minha formação e tento sair, desconstruir e sair desse lugar, porque tem muito artista que tem essa formação e fica meio arrogante. Não considero que essa comunicação mais direta seja errada, acho que isso é desejável. E acho que é um ponto que pequei.
Tenho uma grande mestra do teatro, que é Neyde Veneziano. Ela é fodástica na academia, estudou teatro de revista, me dirigiu e já fiz assistência de direção para ela. O teatro de revista era super popular no Brasil e foi tema da tese de doutorado dela. “Não ofereço o meu teatro aos deuses, ofereço o meu teatro ao povo”, ela defendia. Existe esse lugar dos artistas acadêmicos rebuscados, que é como se você estivesse oferecendo esse teatro para Baco e para o Olimpo. Essa frase é o que eu acredito.
Colocar isso em prática é um desafio enquanto artista e há muitos atravessamentos. Há toda essa questão da tecnologia, das redes sociais e os desafios de como se comunicar com isso hoje em dia. Não sou “geração de TikTok”, tenho 37 anos e como me adapto a isso? Como faço para não parar no tempo?
Mas você ainda é jovem, Mercedez.
Sim, mas é uma preocupação. Já não dialogo com o TikTok, por exemplo, apesar de postar lá de vez em quando. É uma linguagem mais recente. Ao mesmo tempo, desde sempre tive a consciência de que o público do Drag Race não é meu público e de que minha drag não é o perfil dos fãs do reality. No entanto, sabia que estava entrando lá para, de uma certa forma, conseguir fisgar quem é meu público ali no meio.
Hoje em dia, tem todo tipo de drag e nem todas são de fato consumidas. Tem um público ali, uma parte, que não conectou bem com meu trabalho. Sou a menos seguida da temporada nas redes sociais. Então isso é um sintoma.

para serem lançados até o fim do ano. (Foto: Renan Simões/
Divulgação).
Mas nesse período da exibição está tendo um crescimento?
Tive um ótimo crescimento e sou a menos seguida da temporada. Então isso é simbólico.
Você é mais velha do casting da segunda edição?
Sou a mais velha da temporada, junto com a Bhelchi. Gosto de lembrar que ela também é. Sou mais ou menos dois meses mais velha que ela.
E como foi a sua primeira vez quando você começou?
Considero que comecei em 2015, depois desse curso [no Sesc Consolação]. Já tinha feito alguns projetos de montação como um protótipo. Só passei um lápis no olho, batom e falei que estava montada, com uma peruca. Numa festa de aniversário de um amigo, fiquei na porta recebendo os convidados, com cerca de 21 anos. Depois, aqui na Parada LGBT de Recife, em 2014, bem cdzinha.
2015 considero que comecei mesmo a minha primeira performance num concurso que tinha em São Paulo que chamava Cover Girl da Divina Raio-Laser. Na minha primeira participação em concurso, fiquei em segundo lugar. Viam em mim uma coisa teatral, cômica, bem diferente das outras meninas. Todo mundo levando “diva fina” e eu palhaçada.

Divulgação).
Percebo que o público se apegou muito a vocês. Esse elenco é maravilhoso. Não só de qualidade, mas sobre identificação, sobre carisma que vocês têm com o público. E como é a relação com as meninas do casting da segunda temporada?
Não só é uma temporada muito talentosa, é um elenco muito carismático. E isso passa para o público. Tenho visto muito comentário agora que fui eliminada, muitos comentários sobre o fato de que qualquer uma que sair, a audiência vai ficar triste. Isso demonstra que está todo mundo entregando e dando sangue.
Tenho uma relação muito boa com todas. Claro que existem coisas no backstage, conflitos que acontecem às vezes, mas o que acontece é que essa é uma temporada muito profissional. Todo mundo tem uma postura tão profissional que ninguém fica trazendo isso a público para render em cima disso. Até porque isso foi uma coisa que aconteceu na primeira temporada, isso mais desgasta a imagem das pessoas do que gera coisas positivas, todo mundo entendeu isso. Todas as meninas da segunda temporada entenderam isso, ao meu ver.
Os problemas internos a gente resolvia ali e não ficava externalizando. E, de repente, acontece uma coisa, a gente se ajuda de novo e essa é a vibe. E isso é uma maravilha.
O Recife parece que está guilhotinando as queens. A eliminação da Chanel aconteceu quando ela estava aqui e a sua também. Qual o sentimento ao se assistir sendo eliminada? O que achou da edição?
Quando a Ruby Nox me convidou para cá, eu falei: “Sua quenga, você tá me chamando no dia da minha eliminação, você quer você quer ver a minha desgraça, né?”. Ela respondeu: “Não, aqui a gente vai te acolher, o público vai te amar, te abraçar”. E foi exatamente o que aconteceu, foi muito legal, fiquei muito feliz, porque não sabia como ia ser a edição, sabia que era a minha eliminação, mas não sabia como isso seria mostrado. Fiquei muito feliz, achei que a edição mostrou coisas boas no dia da minha eliminação.
O público foi muito receptivo. A hora que rolou a eliminação, a galera ficou super inconformada, gritou, vaiou. Na hora que falaram que estava eliminada, pediram para ficar, que não era justo. Achei muito engraçado e, no final, aplaudiram, foram super carinhosos comigo, todo mundo querendo conversar depois, foi muito legal, me senti muito acolhida nesse momento. Não tive nenhuma sensação ruim por ser meu episódio de eliminação. Foi uma noite muito tranquila.
Você entende que isso é só o começo, que isso vai impulsionar a sua carreira, isso vai abrir portas?
Desejo que seja assim, porque participei de outro reality que não foi assim. Ele terminou e eu não tive nada, aquilo não me rendeu nada. Aqui [no Drag Race Brasil] já está sendo bom, houve um crescimento de público me acompanhando. Está sendo bem interessante.
Tenho coisas boas para lançar. Estou com duas músicas novas lançadas, uma delas chama-se “Amante Latina”. Gravei clipe, inclusive takes com alguns boys aqui do Recife. Esse clipe ainda não tem data. Outros trechos captei em São Paulo. Há trechos em vários lugares, e aproveitei para gravar aqui. Vou deixar o povo decorar a letra antes de lançar.
Falando em música, o público adora o seu verso do girl group da canção “Shot”, lançada no programa.
Gostei também, foi muito legal fazer esse girl group.
Vocês têm que ser as novas “Spice Girls”.
Tem sim, a gente até fez um grupo no WhatsApp para tentar marcar um show, turnê, ou outra coisa. Só que é complicado, pois bancar os custos de cinco drags é babado, é muito custo, tem que ver quem bancaria isso, mas a gente quer muito.
Sobre um novo convite dentro da franquia, ainda está cedo para a Mercedez?
A gente não tem controle nenhum sobre esses convites. Aparecendo a qualquer momento, eu vou falar “sim”. No entanto, a minha vontade é de ter pelo menos um ano, um ano e meio de intervalo. Tem coisas que quero desenvolver antes de voltar. Ganhamos um edital para fazer mais uma temporada da peça Rei Lear, por exemplo. Nos apresentamos aqui no Teatro Santo Isabel, no Recife, inclusive, e foi tudo!
Antes de voltar, há coisas que quero desenvolver antes. Sei que o meu formato de drag não é exatamente um formato que agrada nem os jurados nem o público, a exemplo das minhas runways. Então é algo que quero trabalhar, não para mudar quem sou, mas para refinar o que já tenho, de uma forma que caiba melhor ali. E não quero fazer só isso.
Sinto que coloquei muitas atribuições na mão de outras pessoas para minha ida. Na próxima vez, quero também construir melhor a minha estética, com mais autonomia na costura.
Eu costuro, mas é uma atividade recente. No desafio da costura, fui bem naquele look de papel, mas quero aprofundar mais na história da moda, para entender melhor as referências, saber mais o que levar. Preciso de um tempo, porque estando lá numa próxima vez, já tendo passado pela experiência, agora sei como o reality funciona.

Foto: Dani Santos/Divulgação).
Com o olhar de agora, assistindo a edição, você faria algo diferente?
Com certeza. Fiquei com muito medo de vazar a informação de que estava lá, porque não pode. Então, por isso, acabei colocando muito serviço na mão de poucas pessoas. Na questão dos looks, sobrecarreguei algumas pessoas para não vazar informação. Hoje, pulverizaria melhor essas runways, colocaria menos coisa na mão de mais pessoas porque é possível aprofundar e detalhar melhor os looks, provar mais vezes, é possível terminar antes do tempo, mudar e melhorar. Isso seria uma estratégia melhor que eu faria.
Além dos looks, mais outra coisa que você faria diferente?
Para ser bem sincera, no primeiro episódio fiquei muito nervosa. É estreia e não sabia como era e, no final, fui “safe”. Fiquei aliviada e, quando passou o primeiro episódio, me questionei por que estava tão tensa. Não fui participar do programa para passar nervoso, fui para me divertir e para mostrar o que faço. Quando passei do primeiro para o segundo episódio, decidi que iria me divertir. Tanto é que quando anunciaram que teríamos que construir um look de papel, sou a única que começa a pular de alegria porque achei divertido, fiquei genuinamente feliz com o desafio e comecei a me divertir com o processo.
Não é à toa que fiz aquela letra: “Cheguei aqui pronta pra diversão”. Se não aproveitar, o público não vai se divertir comigo.
E é o que o própria RuPaul e a Greg e os jurados falam, as queens tem que se divertir também. Se essa tensão que você falou do primeiro episódio continuasse, ia transparecer isso ao longo da temporada.
O único momento que fiquei tensa depois foi na minha dublagem contra a Adora Black. Na hora que dublei, não sentia as minhas pernas. Estava ali dublando, mas não sentia o meu corpo, porque a gente estava o dia inteiro já de salto, não senti a minha perna. Só fui lembrar o que fiz assistindo na exibição.

E como foi assistir a edição?
Olhei e falei: “Eu entendi”. Era aquilo que estava conseguindo dar naquele momento. É uma sensação física mesmo, um bagulho muito maluco.
Quando chegou a sua vez de dublar, já era o quinto episódio. Àquela altura, já estava cansada física e mentalmente falando?
Sim, estava cansada. Tive um problema muito sério lá, só estava conseguindo dormir três horas por dia, não desligava. E quando era de manhã, tinha que estar ligada para gravar.
O fuso horário do Brasil em relação à Portugal, onde a temporada foi gravada, prejudicou você…
Deitava lá meia-noite para dormir, o que significava 21h do Brasil. Acordava às três da manhã, com o meu corpo imaginando que era só um cochilo. Em qual época que deitei para dormir às nove horas da noite sendo drag queen? Nunca! Nesse processo, acordava estalada de madrugada e ficava rolando na cama até 7h da manhã para sair para o estúdio. Seguia para gravar morta de sono e à base de energético. Gravava até tarde, até hora de finalizar tudo. E era assim todos os dias.
No quinto episódio [dia da eliminação], estou com cara de cansaço.
Não reparei.
Repara a minha cara desmontada. Nos momentos desmontada, estou com olheira e com bolsa d’água embaixo do olho de cansaço.
No workroom ou no confessionário?
No workroom e no confessionário também. Nessa maquiagem da gatinha de pelúcia, enquanto estava me maquiando, olhava e me perguntava como iria esconder a olheira. Pesei a mão na maquiagem. No fim, saiu! Então essa foi uma dificuldade muito grande que tive com o sono.
Só você ou também as outras?
Perguntava para as outras e elas falavam que no segundo episódio, por exemplo, já tinham regulado o sono. Fiquei assim até a hora de ir embora, estava assim e depois que voltei, ainda fiquei com esse problema.

Divulgação).
Com sua eliminação, para quem vai sua torcida agora? Quem você se conectou mais?
Minha torcida agora é a Bhelchi, que é maravilhosa. E também, estou torcendo muito pela Ruby Nox, que está arrasando muito. Não vi, porque fui eliminada, o que ela levou depois que saí. Mas até esse momento, ela estava levando excelência. Então, são minhas torcidas de coração.
De todas do casting, me conectei muito com a Bhelchi. A gente teve identificação desde o início. A gente se ajudou muito lá dentro. Às vezes, batia uma paranoia na cabeça de uma, a outra chacoalhava e chamava para “voltar para a Terra”. Aconteceu dela achar que iria ser eliminada, se achar horrorosa e eu: “Não, cala a boca!”. O mesmo comigo. E a Bhelchi também me dizia: “Está ótima, vamos animar!”.
Você e Bhelchi já se conheciam antes do programa?
Não. Bhelchi conhecia meu trabalho. Por ela ter menos tempo de drag, então eu não a conhecia. Ela me viu performando em São Paulo e conhecia o meu trabalho. No programa só que fui apresentada à ela e fiquei admirada.
E teve acesso ao trabalho das outras colegas do casting?
A única que conhecia, de fato, era a Desirée Beck. Sou amigo da Aimée Lumiere, então sabia do trabalho dela. Mas fora ela, nenhuma outra. O que acho muito legal também no Drag Race é chamar drags que são de bolhas e estados diferentes, porque, amei conhecer o trabalho da Ruby por exemplo. Quando é que teria a oportunidade de conhecer a arte dela se não fosse lá? Isso é ótimo.

Divulgação).
Como enxerga a cena drag atualmente? Apesar do Drag Race, que tem sua importância, você acha que se vive um bom momento para a cena drag?
A arte drag funciona em ondas. Nos anos 90 e 2000, havia nomes muito fortes. Depois, houve uma queda, até que o RuPaul’s Drag Race trouxe a cena de volta para o mainstream. Em 2015, rolou um verdadeiro boom da drag no Brasil, pelo menos em São Paulo, onde posso falar com mais propriedade.
Antes do Drag Race Brasil, sentia que estávamos entrando novamente numa fase de queda, mais precarizada. A primeira temporada brasileira trouxe um novo fôlego. Mesmo eu não participando, percebi o impacto: abriu oportunidades para várias drags. Agora, vivendo a segunda temporada como participante, minha visão é diferente porque estou dentro da experiência.
Hoje, por exemplo, tirando um episódio, tenho a agenda fechada de watch parties até a final. Isso é um sonho: poder viajar pelo Brasil com minha drag.
Era o que você planejava, sempre desejou isso?
Planejar não, mas desejar sim. Sempre quis. É maravilhoso poder estar em Recife, depois Belo Horizonte, Campinas, interior de São Paulo… Vários lugares me chamando. O Drag Race Brasil refresca o olhar do público sobre a arte drag nacional. É um formato que todos conhecem, mas antes víamos apenas as drags de fora. Agora temos nossas drags aqui, e isso dá um up não só para o elenco, mas para toda a cena.
Claro, percebo que há uma diferença em relação à primeira temporada: o momento econômico do país mudou.

“Bichanas de Pelúcia”. (Foto; Cris Costa/Divulgação).
Na sua opinião, quais os maiores desafios de ser artista no Brasil?
Falar de arte drag é falar de cultura no geral. Existe engajamento nas redes, que é importante, mas e a parte financeira? O público precisa também ir aos shows, pagar ingresso, comprar o merchan da drag — camisa, bóton, o que for. Estive na watch party em Recife e levei meu material justamente para isso: apoiar o trabalho e ter um extra.
Nos EUA, há a cultura da gorjeta em dólar nos shows. Aqui, não temos isso. Pagamos ingresso e, muitas vezes, ainda reclamamos do valor. É uma questão cultural mais ampla, que envolve teatro, dança, música, drag. Por isso, é essencial a consciência: se você gosta do trabalho de alguém, vá ao show, pague, engaje nas redes, dê stream, compartilhe. O “boca a boca” ainda é muito importante para nós.
Como você é visto na cena teatral?
Tenho uma ótima relação com as pessoas com quem já trabalhei. Sou muito profissional no sentido de cumprir com as minhas responsabilidades, de decorar e ensaiar. Sou muito nerd nesse sentido. Então, as pessoas respeitam muito o meu trabalho porque não deixo ninguém na mão. Sou muito caxias.
Antes da drag, tinha uma relação de amor e ódio com o teatro. Sentia que faltava algo, estava sempre trabalhando em projetos de outros e nada era realmente meu. Quando criei a Mercedez, levei a drag para o teatro, e foi quando tudo se encaixou. Isso abriu portas: profissionais que não trabalham com drag passaram a me chamar para projetos diversos. A drag me trouxe reconhecimento dentro e fora do teatro.
E como você se define enquanto artista?
Sou drag e ator. Não consigo separar. A drag pode estar em qualquer lugar. A Pabllo Vittar, por exemplo, é drag e cantora ao mesmo tempo. Eu sou drag e ator. São duas artes intrínsecas.
E quais são os seus próximos projetos?
A gente já ganhou um edital com o Rei Lear, no qual a gente vai fazer uma temporada em São Paulo no fim desse ano ou no começo do ano que vem. Esse edital também prevê a leitura de um novo espetáculo, ainda não a montagem, mas já é uma possibilidade animadora.
Quero também desenvolver uma linha de trabalho de comunicação no ambiente corporativo: vídeos institucionais, mestre de cerimônias, talk shows. Já fiz isso antes, inclusive em empresas. A ideia é mostrar que a drag pode comunicar muito além da Semana da Diversidade.
Uma palestra que seria maçante, feita por uma drag, pode se tornar mais leve e eficiente, prender a atenção e transmitir melhor o conteúdo. Esse é um caminho que quero seguir.

Você se saiu muito bem no Tricotarde.
Sim, porque já tinha experiência nesse formato. Agora estou organizando um site com meu portfólio, para oferecer esse tipo de serviço. Quero que empresas entendam que drag também é sobre comunicação, diversidade e diálogo.
Sempre falo que em algum momento, na hora que aposentar, lá pra frente, não sei quando, mas vou mudar para o Recife. Falo que, em algum momento, venho morar nessa cidade.
Pois venham simbora logo, será muito bem-vinda! É verdade que já morou por aqui, gata?
Sim, já fiz projetos em Pernambuco com o grupo XPTO. Em 2014, fiquei quatro meses. Em 2017, passei seis meses, até o carnaval de 2018.
Aproveitou bastante?
Muito! Vivi a cidade, fui até na MKB. Experiência maravilhosa, diferente. Quando falo que quero morar aqui, não é visão de turista: já vivi a dinâmica da cidade. Também circulei pelo Agreste, Sertão, Petrolina, além de outros estados como Alagoas e Paraíba. Conheci o Rio São Francisco, a praia de Pipa no RN.
A arte tem esse lado de comunhão, de contato humano, de ser itinerante. A gente viaja para trabalhar e acaba conhecendo lugares e pessoas. Isso é maravilhoso.
Leia mais entrevistas
- Um papo com Grag Queen, que lança disco de estreia após sucesso de Drag Race BR 2
- “Tem alma, tem soul, tem groove”: um papo com Paulete Lindacelva, que lança o EP “Ácido Brasil”
- “A pornochanchada é o legítimo gênero do cinema brasileiro, que o país renegou”, diz Fábio Leal, vencedor no Festival do Rio
- No pódio dos fãs de Drag Race Brasil, Bhelchi nunca deixou o 1º lugar
- Cordel do Fogo Encantado e MIMO Festival celebram retorno simbólico em Olinda

