Os Rejeitados
Alexander Payne
EUA, 2h13. Gênero: comédia
Com Paul Giamatti, Da’Vine Joy Randolph e Dominic Sessa
O cinema norte-americano tem um apreço especial pelos tipos excluídos, perdedores, rejeitados, os “outsiders”, sendo estes personagens recorrentes na filmografia de Hollywood há décadas. Dentro desses papéis volta e meia temos a figura do professor rabugento, um ser obtuso e intransigente, que mantém uma fachada de carrasco, mas que esconde sob essa casca dura uma alma de compaixão e ternura.
Os Rejeitados (The Holdovers), que estreou na semana passada nos cinemas brasileiros, tem no centro da sua trama um personagem desse tipo, mas que é interpretado de maneira magistral e cheia de nuances por Paul Giamatti, em um dos melhores papéis de sua carreira. O longa marca o reencontro do ator com o diretor Alexander Payne, 20 anos após o clássico moderno Sideways.
Giamatti interpreta Paul Hunham, um professor de uma escola preparatória de elite nos EUA, que precisa cuidar (contra sua vontade) de um estudante durante o recesso de final de ano. Interpretado pelo estreante Dominic Sessa, o jovem Angus é um garoto problemático que vive uma relação conturbada com sua mãe e padrasto, que o abandonam em pleno Natal para curtir a Lua de Mel sozinhos.
Completa esse time de solitários rejeitados Mary Lamb, uma governanta do campus, cujo único filho acaba de morrer no Vietnã. Ela é interpretada por Da’Vine Joy Randolph, em uma atuação serena, detalhista, mas cheia de intensidade e entrega, um dos pontos altos do filme, certamente. O trio transforma essa convivência forçada em cumplicidade, mas essas transformações acontecem com alguns percalços pelo caminho, o que é mérito do roteiro bem amarrado de David Hemingson, que conseguiu inserir de maneira fluida comentários sobre diferença de classe, raça, conflitos geracionais e os percalços do amadurecimento quando não se tem apoio.
Abandonado pelos pais, Angus projeta essa alienação parental em uma atitude de rebeldia. Já Hunham transfere todas as frustrações de uma vida de solidão para sua atitude severa com os alunos. Giamatti consegue dar um verniz complexo ao personagem, na medida em que vai revelando pouco a pouco o que ele esconde por debaixo da armadura de mau humor. Se esse tipo de personagem é comum em diferentes filmes sobre “outsiders”, nenhum foi interpretado de maneira tão sensível e humanizada quanto o Paul Hunham de Paul Giamatti.
Alexander Payne é um cineasta conhecido por trazer para as telas as pequenas histórias que são ricas em humanidade por serem recortes do cotidiano comum. Em todos os seus filmes perpassam um interesse genuíno de compreender as relações humanas em diferentes contextos. Seus personagens quase nunca são protagonistas isolados de sua própria história, com aquelas jornadas de autodescoberta e coisas do tipo. No universo de Payne, o diálogo e as nuances das interações entre os personagens formam o motor narrativo de sua criação. E no caso de Os Rejeitados, tudo ainda é permeado por um humor seco, irônico e, em alguns momentos, bonachão (aquela comédia abobalhada, exagerada).
O trio de personagens acaba se complementando, de certa maneira, com essas três almas solitárias se abrindo pouco a pouco às possibilidades de uma amizade improvável. Randolph tem o papel mais desafiador, pois está aqui no centro de um espaço que a exclui, em uma cidade majoritariamente branca e elitista (Boston nos anos 1970). Ela enxerga tudo com bastante ceticismo e projeta uma aura de rispidez como uma autodefesa, mas por dentro precisa lidar sozinha com uma das maiores tragédias que alguém pode vivenciar, que é perder um filho ainda jovem. Payne vai inserindo essa personagem no meio da relação entre professor-aluno não como uma figura de apoio, mas como uma peça complexa nessa amizade, respeitando toda a humanidade que sua personagem carrega.
Com poucos cenários e filmado quase sempre com iluminação natural, Os Rejeitados é minimalista em diversos aspectos. Tudo no filme converge para destacar a relação entre o trio de personagens, adicionando cada vez mais camadas aos relacionamentos de todos eles de maneira que, ao final, todos serão impactados e transformados por essas interações. É um gigante exercício de empatia, o que por vezes confere ao filme um lado demasiadamente otimista, mas sem nunca resvalar para o pieguismo. Payne, assim como seu protagonista, parece também ter dosado sua acidez em busca de um lado mais límpido e bonito da vida.