Em 1930, a pintora surrealista Leonara Carrington chegou muito perto de sintetizar o que representa o tarot. “Cada arcano, sendo um espelho e não uma verdade em si mesmo, converte-se no que você vê. O tarot é um camaleão”, sentenciou a artista, constatando que as cartas, mesmo que tenham o mesmo significado, podem representar questões diferentes para cada um que as consulta. O tarot, portanto, seria um canal direto e íntimo para quem as joga. Uma espécie de espelho em que as verdades do consulente se refletem.
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A sentença de Leonora continua fazendo sentido para muitos tarólogos ou estudiosos de uma das artes mais fascinantes já criadas pelo homem: um jogo que contém 22 arcanos (ou cartas) maiores e 56 menores. E que para muitos é uma chave para desvendar questões íntimas ou para escolher rumos em momentos difíceis ou prazerosos.
A taróloga pernambucana Sabrina Carvalho, que começou a estudar o tema ente 2007 e 2008, é sucinta sobre esse fascinante “camaleão”: “É uma grande ferramenta de autoconhecimento e de conexão, uma ferramenta para nos comunicarmos com nós mesmos”, pondera Sabrina, que começou a trabalhar na área em 2012 e que é responsável pela criação da escola Carcará, que já formou centenas de pessoas na leitura das cartas em Pernambuco.
Sabrina, na verdade, é uma das muitas profissionais que perceberam, com o tempo, a conexão entre o tarot e o inconsciente. Tese defendida há mais de um século pelo analista Carl Gustav Jung, que afirmava: a partir das figuras estampadas nas cartas, o indivíduo pode refletir sobre as virtudes e dissabores da própria existência. E tomar decisões mais favoráveis ao próprio desenvolvimento.
Mas qual seria a mágica que levaria à escolha da carta certa? Para Jung, tudo é resultado do movimento psíquico. Quando escolhe ao acaso um certo número de cartas de um monte, a pessoa concede ao inconsciente um veículo para que se expresse. Este usará, então, a partir das simbologias das cartas, um canal de comunicação com a consciência. E trará respostas que farão sentido ao momento presente.
Tarot e a Adivinhação
Tendo como base esse diálogo tarot-pessoa, Sabrina acredita que a busca pelo autoconhecimento é a forma mais profunda e adequada de lidar com o jogo. E desaconselha consultas de adivinhação, que ela própria não pratica.
Ronaldo Silva, tarólogo e parceiro de Sabrina em diversos trabalhos, também não. “Na medida que o consulente vem aberto, o tarot dialoga com ele, abrindo portas, mostrando os caminhos mais adequados. Mas ele (o tarot) não determina, a escolha será sempre da pessoa”, diz Ronaldo, que tem fortes restrições ao uso da cartomancia.
“Acho a cartomancia uma prática abusiva, pois a pessoa pode falar o que lhe der na telha, e impactar quem está buscando ajuda. Além disso, é uma prática passiva, pois o consulente se isenta da responsabilidade sobre sua vida, espera apenas respostas prontas”.
O tarólogo brasiliense Veet Pradma, no livro Curso de tarô e seu uso terapêutico, também descarta a “futurologia”. “Se insistirmos em mostrar para nossos consulentes que suas vidas são o produto de estranhas e imprevisíveis forças como sorte, azar, vontade divina, quando não de trabalho de magia em que intervém entidades não encarnadas, estamos degradando seres humanos para a categoria de escravos que nunca poderão libertar-se por si mesmos”, escreveu.
Carcará
Nas décadas de 1980 e 1990, a taróloga Helena Rego (já falecida) se projetava na cena local, com cursos ministrados na extinta Livraria Síntese, que funcionava na rua do Riachuelo, no centro do Recife, e aglutinava os apaixonados pelas cartas. O tarot, à época, atraia curiosidade, mas ainda era um assunto desconhecido e pouco difundido entre os recifenses.
A partir da segunda década do século 21, a cena mudou. Com o ingresso de Sabrina Carvalho na área, responsável pela abertura da escola Carcará, em 2019, o cenário viveu um período de ebulição, com a formação de vários novos tarólogos. As aulas eram dadas na galeria Maumau, no Espinheiro, e não só atraiam novos estudantes, como novas ideias que misturavam tarô e arte.
Foi exatamente lá que, em 2019, o artista plástico Maurício Costa sugeriu a criação do primeiro tarot pernambucano. Com apoio de Sabrina e de outros 25 artistas, um baralho – hoje esgotado – feito em gravura, e todo em preto e branco, foi lançado.
“Foram feitos apenas 50 tarots e eles foram vendidos rapidamente”, lembra Sabrina, que logo após o lançamento, teve que encarar a pandemia do Covid 19. Ela mudou a rotina de atendimento e agora prepara-se para inaugurar um novo espaço, no edifício Texas, no Pátio da Santa Cruz. Para incrementar o local, no próximo dia 18, ela está lançando o evento Tarot no edifício Texas, entre as 15h e 18h. Quem participar pagará apenas 70 reais pela consulta. O Texas fica na rua do Rosário, 163, em frente ao Pátio de Santa Cruz. A Carcará voltará a funcionar lá.
Como todo o planeta, durante a crise da Covid-19, Sabrina foi obrigada a reinventar-se. As consultas on-line viraram uma rotina, que continua até hoje, ao lado dos atendimentos presenciais. Alguns cursos também são oferecidos de forma on-line e presencial. Recentemente, a taróloga promoveu uma oficina de tarot e yoga e um pequeno seminário sobre tarot e amor. O seu perfil no Instagram – onde mantém semanalmente um sistema de jogos coletivos para os seguidores – tornou-se essencial para o contato com o público. O endereço é @sabracarvalho.
Além disso, ela integra o grupo Café Tarológico, composto pelos também tarólogos Rebeca Oliveira, Aristeu Portela e Ronaldo Silva, parceiros em estudos e eventos ao público. “Acho que o tarot está em um momento bom. Virou modinha”, diz Sabrina, que, no entanto, não deixa de reconhecer: ainda existe um preconceito e desconhecimento das cartas. Muitas temem que o tarot seja um portador de más notícias. “Nosso trabalho de desmistificar essa questão é muito importante”, diz.
O tarólogo Aristeu Portela, que iniciou o trabalho em 2018, também acredita que o tarot vem se firmando. “Se formos avaliar pela popularidade de perfis dedicados ao tarot nas redes sociais, certamente diria que ela vem aumentando nos últimos anos, em várias partes do Brasil”. Como exemplo, ele cita a Saturnália, uma escola de astrologia que também oferece cursos de tarot on-line e que é muito acessada. “É excelente”, diz Aristeu.
Milhares de baralhos de tarô
Para os ainda não iniciados, um recado importante: só são considerados tarots os baralhos que contém 78 cartas, com os 22 arcanos principais e os 56 arcanos menores, divididos em quatro naipes: espada, copas, paus e ouro, que contém 14 cartas cada, e que segundo os especialistas, são a parte que representa as questões materiais e físicas do consulente.
Qualquer outro jogo que não tenha essa configuração, diz Sabrina, não é tarot, é um oráculo. Isso se aplica, por exemplo, ao famoso baralho de Osho, um clássico para quem aprecia esoterismo. Ou ao baralho cigano Lenormand. Nesses casos, as cartas têm mais a ver com a filosofia da pessoa ou do grupo que as lançou, do que com os preceitos do tarot.
Tirando isso, as opções são monumentais. Existem milhares de baralhos, numa escalada que mostra o quanto as cartas se tornaram populares mundialmente.
O mais usado em países latinos é o tarot de Marselha, um clássico que integra a coleção de qualquer iniciado ou iniciante. Com simbologia rebuscada, apesar das figuras simples e cores marcantes, esse baralho segue o padrão milanês. Ele teria se originado na corte de Visconti e teria migrado para a França, onde se popularizou pelo mundo.
Outros baralhos, por sua vez, são verdadeiras obras de arte, a exemplo do tarot de Salvador Dali, que traz ele e sua esposa Gala como personagens de algumas cartas; de Gustav Klimt, que aproveita os quadros do pintor para ilustrar os arcanos; e da Art Nouveau, cujas figuras seguem o padrão rebuscado da escola artística. Mas eles, apesar de serem usados para jogos, são mais conhecidos como itens de colecionador, pela beleza e acabamento das edições.
Alguns, especificamente, são uma curiosidade, como o que tem apenas gatos representando os arcanos. Ou os que trazem bruxas. E um deles chega a ser inacreditável: assinado pelo quadrinista italiano Milo Manara, o tarot traz toda a explosão sexual que as histórias do artista retratam. Sexo e closes obscenos dão a tônica das cartas.
O que para Sabrina, que mantém um exemplar do Manara, não é problema algum. Mesmo não sendo o seu tarot favorito, ela afirma que ele pode ser bom para quem quiser consultar questões sexuais, por exemplo. Aliás, a pessoa que visita o local de atendimento da taróloga se depara com, pelo menos, algumas dezenas de tarots deslumbrantes. Sobre os quais ela afirma: “Gosto e jogo com todos”.
Apesar da afirmação, é possível perceber que entre os muitos baralhos “favoritos”, um é bem mais manuseado e gasto que os demais: o tarot Smith-Waite, lançado em 1910 pelo ocultista inglês Arthur Waite e pela artista plástica inglesa Pamela Colman Smith, que traz uma simbologia diferente das versões dos tarots de Marselha e seus derivados ocultistas, e que hoje, é um dos mais usados em países de língua inglesa.
No caso de Sabrina, o apreço por este baralho é refletido nas canecas de água e café que ela utilizava na antiga sede da escola Carcará. Em todas, estão impressas fotos de Pamela Smith, também conhecida como Pixie, que durante anos foi omitida do baralho de Waite, originalmente chamado Rider-Waite, o nome da editora que o imprimiu e do seu suposto “único” criador.
A polêmica em torno desse baralho, que rendeu milhões de dólares no último século, se dá pelo seguinte motivo: Pamela era tão versada no ocultismo quanto Waite. Ela também participava da Ordem Hermética da Aurora Dourada (Golden Dawn), escola que se dedicava ao tarot, cabala, misticismo e hermetismo. A artista, portanto, teve influência vital na mudança dos arquétipos e no desenho das cartas. Mas morreu na miséria, sem usufruir do potencial do seu mais importante trabalho. Hoje, décadas após sua morte, seu nome foi reincorporado ao tarot.
Para Aristeu Portela, o Smith-Waite também é o favorito. E o primeiro que adquiriu. Ele o utiliza, principalmente, quando faz consultas para outras pessoas. Quando joga para si, costuma recorrer, também, ao Queer Tarot, de Ashley Molejo e Chess Needham. “Ele me encanta pela sua releitura queer e subversiva das imagens clássicas de Pamela’, diz.
Mas o tarot Smith-Waite é apenas uma opção. Cada tarólogo tem sua preferência pessoal. Ronaldo Silva fez a escolha pelo tradicional de Marselha e por um tarot raro, hoje só encontrado em sebos, o Encantado. No caso deste segundo, a opção se dá por um motivo especial: foi com essas cartas que o tarólogo se iniciou na década de 1990, quando começou os estudos na área. “Existe todo um diálogo com o tarot e com os arquétipos que ele sugere. Eu sou conservador”, diz Ronaldo, referindo-se ao tarot de Marselha e ao apego pelas suas origens, o Encantado.
Além dos baralhos de Marselha e de Smith-White, um terceiro está na lista dos mais usados, famosos e polêmicos: o tarot de Thot, de Crowley Harris, feito em parceria com Lady Freida Harris.
Crowley escreveu o chamado Livro de Toth, que virou um sucesso entre ocultistas e estudiosos que gostam da metafísica por trás das cartas. Ele era poeta, mago, escritor, hedonista e thelemista, cuja principal lema era “Fazes o que tu queres, há de ser tudo da lei”. Frase usada, por sinal, na música Sociedade Alternativa, de Raul Seixas.
O tarot de Crowley, que até hoje é envolto em polêmicas devido a seu potencial transgressor, só foi publicado após a morte dele e de Lady Freia, em 1969. Ele também chama a atenção pela beleza e simbolismo das cartas. Na opinião de Sabrina Carvalho, é um dos tarots mais feministas, pois não possui reis entre os arcanos, apenas princesas e rainhas.
Assim como Pamela e Waite, Crowley também era membro da Ordem Hermética da Aurora Dourada, cuja influência nos tarots do século 20 não pode ser subestimada.
Recentemente, um tarot brasileiro, assinado por Elisa Riemer e Paula Mariá, o Nosotras, lançado em 2018, vem encantando gerações de tarólogos. Trazendo apenas arcanas femininas, que substituem os tradicionais masculinos, o tarot retrata negras, índias, orientais e impressiona pela beleza visual e pelos arquétipos recriados.
Sabrina Carvalho, por exemplo, o utiliza exclusivamente para jogar com clientes mulheres. Mas apesar da admiração pelo trabalho, ela pondera. “Ele é fantástico, e mostra um empoderamento poucas vezes visto. Mas admito que nos jogos de tarot, a presença das energias masculina e feminina são essenciais.”
Origens do tarot
As origens do tarot são o assunto mais polêmico e controverso em torno do baralho. Nesse ponto, o oráculo se fechou em mistério e não dá pistas sobre qual das versões correntes é a verdadeira. E elas são muitas.
A mais aceita é a de que, por volta do século 15, um artista chamado Bonifácio Bembo pintou um conjunto de cartas sem nomes e números para a família Visconti, de Milão.
Essas imagens, segundo registra a taróloga e estudiosa Rachel Pollack (morta no mês passado), no seu clássico Setenta e Oito Graus de Sabedoria, incluíam o baralho clássico, usado em um jogo italiano chamado tarocchi: quatro sequências de 14 cartas, mais 22 arcanos mostrando diferentes cenas e posteriormente chamadas de trionfi, em português triunfos ou trunfos.
“Atualmente, muita dessas 22 cartas, os arcanos, podem ser interpretadas como um simples catálogo de tipos sociais medievais, como o Papa ou o Imperador, ou conceitos morais comuns na Idade Média, como a Roda da Fortuna. Há até mesmo uma carta representando uma heresia popular, uma imagem de uma Papisa que pode ser descrita como uma brincadeira com a Igreja”, descreve Rachel. Essa versão, comenta a autora, teria dado origem aos outros tarots.
Mas ela mesma se questiona: os 22 arcanjos correspondem às 22 letras hebraicas? “Uma breve observação das impressionantes correspondências entre o tarot e o conjunto do misticismo judaico e dos conhecimentos ocultistas, coletivamente chamado de cabala, demonstrará o modo como as cartas de Bembo parecem quase demandar uma interpretação esotérica, apesar da falta de evidências concretas”.
Se o tarot pode ter surgido na Itália, como explicar a fama do baralho de Marselha? “Quando os franceses conquistaram Milão e a região do Piemonte, em 1499, levaram o jogo dos trionfi para o sul da França. O tarot se popularizou na cidade de Marselha, que se tornou um grande centro de reprodução de cartas na Europa…O arranjo das 78 cartas de Marselha se tornou o padrão ao qual os tarots mais recentes seriam comparados”, explica, por sua vez, Anthony Louis no Livro Completo de Tarô.
Saindo da Europa, e aderindo a relatos mais antigos, existem teses que afirmam que o tarot se originou no Antigo Egito, a partir de relatos de que na biblioteca de Alexandria havia um deck de lâminas de tarot forjada em ouro, e papiros que explicavam seus significados. Mas, com a queima da biblioteca, não há como ter certeza de nada.
Entretanto, a mais fantástica origem atribuída ao tarot é dada pelo tarólogo, cabalista, numerólogo e professor Nilton Shutz. Segundo ele, o tarot é fruto da extinta civilização Atlântida, que na sua versão, seria ela própria um tarot vivo.
Para explicar essa tese, Nilton conta que o continente perdido possuía sete cidades, e mais um núcleo central habitado por anjos e deuses. Usando a numerologia, ele multiplica as sete cidades pelo número 3, que perfaz 21, e soma a oitava cidade sagrada, que totaliza 22, a soma dos arcanos maiores.
Com a queda e inundação de Atlântida, os egípcios, que fariam parte dessa civilização, teriam se tornado os mantenedores do tarot. Os hebreus, que também estariam lá, seriam outros protetores, por isso o alfabeto hebraico teria 22 letras. E os ciganos, que até hoje são nômades, foram incumbidos de ajudar a divulgá-lo pelo mundo. Verdade ou não, ninguém nunca saberá.
Endereços dos cursos e das consultas
Sabrina Carvalho
@sabraccarvalho
81 – 999654458
Carcará Escola de Tarot
Rua do Rosario da Boa Vista 163 – 2º andar
Os tarólogos Sabrina Carvalho, Rebeca Oliveira e Aristeu Portela podem ser contactados pelo Instagram da escola
@ronaldosilva
@carcaratarot
@saturnalia
@nilton.schutz
Clube do Tarot.
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