MEDO É ALIMENTO
Hideshi Hino, mestre do mangá de horror cria Oninbo, personagem que assim como ele próprio, vive dos traumas humanos e nutre desprezo pelas pessoas
Por Paulo Floro
ONINBO E OS VERMES DO INFERNO VOL. 1
Hideshi Hino
[Zarabatana Books, 192 págs, R$ 29]
Com apenas quatro livros de uma extensa obra lançados no Brasil, Hideshi Hino, mestre do horror no mangá japonês ganha mais um volume, Oninbo e Os Vermes do Inferno pela Zarabatana Books. Todas as suas características se fazem presentes aqui – o sadismo, o naturalismo com que mostra os personagens, o gosto pela crueldade – mas ganham um adendo com um tour psicológico a que submete o leitor. Isso, somado ao tom burlesco, que se aproxima do cartum fazem de Oninbo um interessante destaque na biblioteca do autor.
Oninbo é um demônio em forma de criança que vive de caçar vermes que se escondem na alma das pessoas, se alimentando de seus traumas e medos. Mas nem de longe Oninbo é um benfeitor. Primeiro porque não existe a bondade nas obras de Hino, muito menos o altruísmo, mesmo que imbuído de outros interesses. Para o pequeno demônio, os humanos são apenas o habitat onde vive sua comida.
Enquanto A Serpente Vermelha, uma das obras mais emblemáticas do autor apresentava um horror coletivo causado por delírios manifestados na clausura de uma casa afastada, aqui Hino se atém ao particular. Não há mais a figura do observador, que assim como o leitor, poe em xeque a sanidade ao ser testemunha de tamanha loucura e crueldade. Numa análise psicanalítica rasa, se faz entender no mangá que são os traumas causados por esses vermes que transformam as pessoas e que repercutem no cotidiano, trazendo perturbadores delírios. Oninbo age como uma espécie de “terapeuta”, retirando de modo extremamente violento esses traumas – ou no caso, vermes.
Percebe-se uma visão bastante desencantada do autor sobre as agruras do ser humano, representado por Oninbo, demônio que nutre profundo desdém pelas pessoas e ademais, espera que nunca se esgotem o mal nas almas do planeta, local onde está seu alimento. Hino, assim como o personagem título, sempre pareceu se interessar pelo medo causado pelo horror, combustível para toda sua obra. A diferença é que até este livro, ele sempre tratou o próprio medo com muito respeito, o que corroborava ainda mais o terror de quem lia.
Em Oninbo, ele trata esse tormento pessoal com pilhéria. Se trata, na verdade de um profundo sadismo com as desgraças de milhões de pessoas e suas terapias e tentativas de extirpar o trauma que cresce em seu inconsciente, como um verme. Até nos desenhos é nítida essa intenção de soar vil em relação ao espírito humano. Mais do que outras obras, Oninbo e os demais personagens são desenhados como um mangá de comédia, cheio de onomatopeias e expressões típicas. Em alguns momentos chega a ser cartunesco, como a luta contra o adversário Mamushinbo e seus cabelos-tentáculos. Não é como A Serpente Vermelha e O Garoto Verme, onde tudo é assustadoramente real.
A Zarabatana já promete mais um volume de Oninbo e Os Vermes do Inferno para este ano. Apesar do argumento das histórias ser repetitivo e um tanto cansativo na última parte, esta é claramente uma edição que mostra o quanto Hideshi Hino cultiva com criatividade o horror em sua obra.
NOTA: 8,5