Olivia Rodrigo
GUTS
Universal Music, 2023. Gênero: Pop rock
GUTS, de Olivia Rodrigo, veio ao mundo como um disco que, antes mesmo da sua criação, sofreu com o peso e a pressão das expectativas depositadas nele. Isso porque no conturbado ano de 2021 a ex-estrela da Disney, uma adolescente que tinha acabado de completar 18 anos, se viu catapultada para dentro do sucesso pop instantâneo que ela própria se tornou quando lançou seu primeiro álbum solo, SOUR.
Flertando com um delicioso pop rock, ritmo que há muito andava relegado e adormecido dentro do mainstream, a cantora e compositora estadunidense fez um disco de estreia marcado pelo forte teor confessional, por vezes até ressentido, com desabafos de uma jovem que acabava de atravessar seu primeiro grande término e experimentava muitas das típicas angústias do que representa ser uma garota na adolescência.
Olivia chamou seu ex-namorado de maldito sociopata, cantou sobre inseguranças e imaturidade e até admitiu ser uma pessoa egoísta e invejosa. E é tudo isso que faz seu trabalho soar tão autêntico e, por mais paradoxal que possa parecer, maduro. É que, desde o debut, ela demonstra ser tão ciente de quem é, que não precisa abrir mão de uma parte dela mesma para se vender como alguém além dos seus próprios limites.
Tudo isso está ainda mais amplificado em GUTS. No recém-lançado álbum, ela escancara isso logo de cara quando começa esbravejando “I forgive and I forget / I know my age and I act like it” (“Eu perdôo e esqueço / sei minha idade e ajo como tal”). A diferença agora é que dois anos separam o primeiro álbum do seu sucessor. Então, se SOUR foi uma “sofrência” pop sobre o término de um namoro adolescente, GUTS articula e bota para fora os desconfortos de quem ainda está se descobrindo como uma jovem mulher adulta no mundo.
O recado fica claro quando os versos acima entram para romper o tom angelical de balada romântica da faixa de abertura “all-american bitch”. Quando a canção se altera no mesmo instante para um pop rock desenfreado, Rodrigo coloca para fora toda a raiva represada em relação ao que é esperado dela como mulher. E, se desde o começo ela sempre soube seu lugar, agora mostra a que veio – e isso se reflete não só nas letras, mas na sonoridade ainda mais mergulhada no rock, ritmo para o qual ela já acenava no disco estreante em faixas como “brutal” e “good 4 you”.
Sem exatamente sair da zona de conforto, o novo trabalho de estúdio poderia passar despercebido ou indiferente em relação ao anterior, mas felizmente este não é o caso. Produzido mais uma vez por Daniel Nigro, parceria de longa data da cantora, o álbum não chega a ser exatamente ousado e inovador quando comparado ao seu antecessor, mas, sem dúvidas, evidencia a evolução de Olivia Rodrigo na sua jornada artística e pessoal.
A explosiva “bad idea right?” é uma das canções que melhor ilustra essa desenvoltura. Com um solo de guitarra estridente ao final, a faixa traz uma Olivia confortável em admitir uma recaída pelo seu ex, muito provavelmente o mesmo que ela chamou de sociopata dois anos atrás. A letra, bastante irônica e bem-humorada, brinca com o que pode parecer contraditório “I just tripped and fell into his bed” (“Eu simplesmente tropecei e caí na cama dele”).
Do início ao fim, GUTS é um prato cheio de referências a nomes cuja mistura pop rock movimentou o mercado mainstream nos anos 2000, como Avril Lavigne, mas, sobretudo, traz fortes influências do punk rock dos anos 1990, como Rage Against The Machine, segundo Olivia revelou em entrevista à Rolling Stone. Até Jack White (ex-The White Stripes), Kathleen Hanna (pioneira do movimento Riot Grrrl) e St. Vincent se envolveram como mentores, conforme ela também contou em entrevista, desta vez ao The New York Times.
Tudo isso converge de forma muito evidente também em faixas como a enérgica “ballad of a homeschooled girl”, com suas linhas de baixo destacadas, na qual Olivia desabafa as angústias da ansiedade social, e a cheia de atitude “get him back!”. Sem medo de soar mesquinha, mais uma vez, ela não foge do contraditório e admite o que talvez muita gente já tenha pensado, mas nunca tenha tido coragem para verbalizar: o desejo de reconquistar um amor do passado só para se vingar dele e magoá-lo.
Para nossa sorte, Olivia Rodrigo continua fiel a seus potentes desabafos sobre decepções amorosas e relacionamentos frustrados. Quando o piano começa a tocar na intensa “vampire”, os vocais dela se elevam para narrar os arrependimentos e mágoas de um relacionamento com um cara mais velho, um amor doloroso que a sugou. A partir de então, o disco se afasta de euforia pop punk para enveredar por sonoridades mais calmas e leves, trazendo boas surpresas como a suave “lacy”, uma das faixas mais íntimas e vulneráveis ao lado da melancólica e autodepreciativa “making the bed” e da vibrante e sincera “pretty isn’t pretty”.
Perto do final, as batidas dos sintetizadores de “love is embarrassing” tomam conta para trazer um pop rock chiclete sobre como o amor pode nos impulsionar a tomar atitudes tolas. Ela se reconcilia consigo mesma ao admitir que o drama de ontem, já não significa nada hoje; o problema é que até quando ela desiste, continua voltando atrás de mais. Mais uma vez, Olivia habilmente traduz a dualidade de quem vive sua juventude, abraçando sua própria contradição adolescente sem receios.
Se no primeiro disco, ela começou questionando “Where’s my fucking teenage dream?”, em GUTS ela encerra com uma reflexão sincera sobre as dores e ansiedades do seu amadurecimento em “teenage dream”. Na faixa, que começa fúnebre, ela imagina o dia em que não será mais a revelação jovem do pop que é hoje. É aqui que Olivia Rodrigo demonstra estar mais consciente de si mesma do que jamais esteve e GUTS, enfim, alcança seu grande ato final.
Ouça Olivia Rodrigo – GUTS
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