O SOFRIMENTO POLÍTICO DE HERTA MÜLLER
Vencedora do Nobel lança livro sobre período esquecido do pós-2ª Guerra e mostra que atrocidades não são exclusivas de povo algum
Por Paulo Floro, da Revista O Grito!
O novo romance da prêmio Nobel Herta Müller, Tudo O Que Tenho Levo Comigo deixa claro que o abandono do ser humano no século passado ainda tem muito a revelar. Ela pega um atalho na grande produção literária que trata do sofrimento que os judeus sofreram antes e durante a Segunda Guerra para expor as atrocidades cometidas por um dos vencedores do conflito, a União Soviética. Neste livro, um tema não muito conhecida vem à tona, que é a perseguição das minorias étnicas alemãs nas repúblicas sob influência russa.
Na história, Leopold Auberg é um garoto de 17 anos de origem alemã que vive na Romênia da segunda metade dos anos 1940. Ele é enviado para campos de trabalhos forçados, o gulag de Nowo-Gorlowka, na Ucrânia. Stálin decide que grupos germânicos em seu territórios colaboraram com Hitler e por isso teriam que pagar o preço ajudando a construir obras para o seu regime.
Leopold é gay, num mundo onde o homossexualidade é crime. Após vivenciar suas primeiras experiências fortuitas com outros homens é retirado de sua família para a deportação. Num primeiro momento, ele vê algo bom em ser retirado do jugo dos pais e avós que poderiam condená-lo por sua orientação sexual. Quando chega aos campos, inicia um novo entendimento sobre sua condição ali.
Herta Müller trata esse período de trabalhos forçados com uma prosa poética. A forma como ela trata a fome é possível apenas em um texto subjetivo como esse. “Quando eu não tinha nada para cozinhar, sentia a fumaça serpentear pela minha boca. Eu recolhia a língua e mastigava o vazio”. Ele chega a esquecer de sua sexualidade por um momento e passa a retomar apenas quando sai do gulag. Mas o trauma ainda permanece forte.
O livro tem o valor histórico de trazer luz a um momento ainda pouco estudado e lembrado. A obra saiu no mesmo ano em que Herta venceu o Nobel de Literatura. A autora fez parte da minoria de que retrata no livro. Sua mãe esteve internada em um desse campos e morreu sem jamais falar do assunto. Nascida na Romênia em 1953, ela foi perseguida pelo governo de Nicolae Ceausescu ao recusar-se a colaborar com o serviço secreto. Mudou-se para Alemanha, onde mora até hoje.
Os depoimentos para o livro foram colhidos com o amigo e poeta Oscar Pastior, com que iria assinar a obra em conjunto. Após a morte dele em 2006, a autora decidiu terminar o livro sozinha. Tudo O Que Tenho Levo Comigo dá voz a esses inocentes que são vítimas de um período histórico, mas ainda pouco falado. Herta consegue registrar de forma meticulosa essas condições desumanas e a humilhação que os prisioneiros sofreram. Seu relato tem uma premissa estética muito clara, de explorar o sofrimento de forma poética.
E seu modo de denunciar, de fazer política, e para o leitor, a empatia criada com aquele ambiente, aqueles personagens mostra que a autora tem conseguido seu intuito.
TUDO O QUE TENHO LEVO COMIGO
Herta Müller
Tradução de Carola Saavedra
[Companhia das Letras, 304 págs, R$ 48]