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O Quarto ao Lado
Pedro Almodóvar
EUA/ESP, 2024. 1h47. Drama. Distribuição: Warner
Com Tilda Swinton, Julianne Moore, John Turturro
Do Rio de Janeiro (RJ)
Dono de uma carreira extraordinária e reconhecido como um dos maiores cineastas da história, Pedro Almodóvar não precisa provar nada para ninguém. Ainda assim, o diretor tem a rara capacidade de continuar a conceber obras ímpares e renovar sua filmografia, ainda que permaneça fiel à sua marcante assinatura estética. O Quarto Ao Lado (2024) – vencedor do último Festival de Veneza e cuja premiére no Brasil aconteceu nesta sexta-feira (4) no Festival do Rio – é mais uma comprovação da genial, e frutífera, inquietude do artista espanhol.
Primeiro longa-metragem totalmente em inglês de Almodóvar, o filme reúne as sensacionais Tilda Swinton e Julianne Moore em um tocante retrato sobre como lidamos com a condição existencial que nos une: a morte. Após anos sem contato, Ingrid (Moore) reencontra a amiga da juventude Martha (Swinton), diagnosticada com câncer cervical em estágio 3, sem possibilidade de cura. Com sutileza e assertividade combinadas, a trama se desenrola sem rodeios à questão central do direito à eutanásia a pacientes terminais.
Elementos fundamentais nas obras do diretor, fotografia e direção de arte são, uma vez mais, instrumentos narrativos detalhadamente executados em prol do roteiro baseado no livro O Que Você Está Enfrentando, de Sigrid Nunez. Em um plano na qual a personagem doente de Tilda Swinton resgata um pouco da vivacidade por causa da conversa com a querida amiga, um jarro de flores no canto da tela simboliza a força da vida. Até mesmo as cores diferentes dos milkshakes ajudam a conceber o iminente distanciamento de um casal, durante sequência em flashback.
Com uma abordagem enaltecedora da intimidade entre as duas personagens, Almodóvar opta por closes fechados, planos-detalhe dos rostos, ora das duas, ora de apenas uma das atrizes. A decisão estética beneficia, especialmente, a estupenda construção da Martha de Tilda Swinton; a atriz britânica entrega uma performance fenomenal, focada na expressão magra e sofrida de quem está à beira da morte. Uma atuação, sem dúvida, que a posiciona na corrida ao Oscar 2025.
Pedro Almodóvar levanta a bandeira do direito à eutanásia duas décadas depois do maravilhoso Mar Adentro (2004), do também espanhol Alejandro Amenábar – que versa sobre a verídica trajetória de Ramon Sampedro, marinheiro e escritor espanhol que, tetraplégico desde os 25 anos, lutou pelo direito de morrer dignamente. Se o filme de Alejandro Amenábar traz a discussão sob uma ótica mais poética, Almodóvar constrói seu discurso de modo mais firme e direto. É explícita a intenção do diretor em questionar a maneira pela qual a sociedade trata quem opta pelo suicídio assistido como alternativa consciente em prol da sua dignidade.
“Se você é curado do câncer, é tratado como herói. Se você morre, bem, fica a impressão de que você não foi forte o suficiente”, critica a personagem de Tilda Swinton em determinado ponto do filme. O filme é repleto de frases poderosíssimas e existenciais. “Há muitas formas de viver dentro de uma tragédia” é uma das que mais permanecem ecoando em mim, após a sessão.
Incuravelmente engajado, Almodóvar ainda encontra espaço para criticar a morte do planeta (ou da humanidade, devido às crises climáticas) através do ótimo personagem de John Turturro. Como não achar admirável a ousadia de, em seu primeiro longa nos Estados Unidos, o cineasta explicitamente condenar a ascensão da extrema-direita e a consolidação do neoliberalismo?
Com doses de humor certeiras e sua roupagem melodramática sempre eficiente, O Quarto ao Lado é mais uma linda peça para a coleção excepcional de obras do diretor espanhol. Aos 75 anos, Pedro Almodóvar reflete sobre a morte e concebe uma obra vívida, elegantemente conduzida e com poderosas mensagens para o público. Arte com A maiúsculo.
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