O ANTI-CONTEMPORÂNEO
Livro de Sant’Anna coloca em cheque as grandes obras de arte e lança mais fogo na fogueira de discussões sobre o real papel da crítica de arte contemporânea e a real funcionalidade da obra
Por Paulo Floro
O ENIGMA VAZIO
Affonso Romano de Sant’Anna
[Rocco, 336 páginas]
Poeta e ensaísta, o escritor Affonso Romano de Sant’Anna deu início ao seu mais novo livro, O Enigma Vazio com certa dificuldade. O livro – que visa repensar o papel da crítica bem como a arte contemporânea – teve permissão negada para reproduzir algumas obras. O artista plástico norte-americano Cy Twombly foi um deles. A censura de alguns artistas, entretanto, serviu para exemplificar de forma implícita o objeto de estudo do autor, que optou por páginas contendo retângulos em branco com indicação de sites onde o leitor poderá – por si próprio – conferir as obras.
Ele demonstra em seu livro que refletir sobre a arte contemporânea dos séculos XX e XXI é uma tarefa tão árdua e complexa quantos os próprios objetos de análise. O limiar tênue do que é ou não arte pode levar críticos e estudiosos ao impasse – e muitas vezes fazê-los sucumbir ante ao mosaico de conceitos que compõem hoje o panorama artístico. Affonso se debruça, sobretudo, sobre os trabalhos de Marcel Duchamp e no modo como eles foram recebidos pelo público e por pensadores do século 20.
Apesar de transgressor, Duchamp foi outra das dificuldades enfrentadas em O Enigma Vazio. “Os representantes do artista pediram para analisar textos do livro para saber se falaria mal dele. Era só o que faltava, o homem que mais debochou da arte no sec.20, que se dizia ‘anartista’, que disse que a arte tinha acabado, que todo mundo era artista e tudo era obra de arte, imagine seus representes querendo censurar alguma coisa”, afirmou Romano. Em seus estudos, ele propõe um questionamento da linguagem artística do “que é arte” e vai além: “ouso dizer, ironicamente, que estou desconstruindo a desconstrução, que se julgava um método limite, insuperável, porque acreditava muito em suas retóricas e sofismas”, diz. A partir destes discursos, ele questiona até onde a obra é uma criação do artista e a partir de quando passa a ser criação daqueles que pensam o criador e a criatura?
Para Romano, a arte está cheia de “enigmas vazios” que a crítica tenta preencher com especulações e “devaneios artístico-literários”. “A função da crítica é ampliar a leitura e propiciar o entendimento da obra. O crítico deve exercer o que chamo de ‘terceiro olhar’ já que sua função é discernir, clarear, estabelecer categorias e não cair em armadilhas alheias”, explica. “Diferentemente de enigmas verdadeiros, a arte contemporânea está cheia de enigmas vazios que muitos tentam preencher com uma verborragia igualmente insossa”, completa. Romano chama de “action writing” essa escrita pretensamente literária, onde o escritor se faz mais hermético que o próprio artista.