“O Deserto de Akin” aposta na delicadeza como resistência, mas evita confrontos diretos

O cineasta Bernard Lessa acompanha a vivência de um médico cubano e suas relações no Brasil em tempos de crise política

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Foto: Rede Filmes/Retrato Filmes/Divulgação.
“O Deserto de Akin” aposta na delicadeza como resistência, mas evita confrontos diretos
2.5

O Deserto de Akin
Bernard Lessa
BRA, 2025. Drama. Distribuição: Retrato Filmes
Com Reinier Morales, Ana Flávia Cavalcanti, Guga Patriota e Welket Bungué

Em O Deserto de Akin, Bernard Lessa constrói o retrato de um personagem que, em tese, carrega um potencial dramático expressivo: um médico cubano que, em meio ao turbulento cenário político de 2018, vê sua permanência no Brasil ameaçada pelo fim do programa Mais Médicos após a eleição de Jair Bolsonaro. Entre a ligação afetiva com o país e a impossibilidade de seguir exercendo a medicina, Akin se encontra diante de uma decisão que é, ao mesmo tempo, íntima e política.

O longa, no entanto, escolhe trilhar um caminho deliberadamente contido. A narrativa se ancora em gestos sutis, em pequenos vínculos amorosos e na rotina cotidiana do protagonista, evitando grandes explosões dramáticas ou confrontos mais diretos com a hostilidade política que permeia aquele contexto histórico. Esse minimalismo, por vezes, sugere sensibilidade; em outras, soa como um recuo que esvazia a densidade do tema que o próprio filme se propõe a abordar.

Lessa aposta numa estética crua, com predominância da luz natural, planos prolongados e câmera na mão que acompanha de perto as interações dos personagens. Essa abordagem busca conferir naturalismo, mas nem sempre encontra equilíbrio: momentos intimistas se alternam com cenas em que a falta de polimento técnico, seja no som, seja na iluminação, compromete a imersão. Há um certo descompasso entre a intenção de realismo e a falta de dinamismo da encenação, que se mantém linear, quase monocromática, ao longo de toda a projeção.

No centro, Reinier Morales entrega um Akin ponderado e de fala mansa, cuja serenidade beira a apatia. A relação com Érica (Ana Flávia Cavalcanti) e Sérgio (Guga Patriota), que forma um triângulo amoroso transformado em trisal, é conduzida com delicadeza, mas carece de espontaneidade. Parece servir mais como símbolo de resistência afetiva do que como retrato orgânico de um vínculo humano. Essa construção, associada à ausência de contradições mais incisivas no protagonista, enfraquece o potencial dramático de sua jornada.

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Foto: Rede Filmes/Retrato Filmes/Divulgação.

Mesmo quando insere elementos simbólicos, como a amizade com as cobras que circulam ao redor de sua casa ou a breve incursão ao deserto que dá título ao filme, a obra não permite que essas imagens ganhem força transformadora. Funcionam mais como parênteses visuais do que como motores narrativos capazes de tensionar ou ressignificar a trajetória de Akin.

Politicamente, O Deserto de Akin se posiciona de forma clara. Seu protagonista encarna o oposto do bolsonarismo crescente, representando um ideal de humanidade, solidariedade e inclusão. Mas essa oposição permanece majoritariamente implícita, restrita a diálogos pontuais e a breves registros de hostilidade política. Falta ao filme a disposição para encenar o confronto, para mergulhar na atmosfera opressiva que ele denuncia e para explorar de forma mais contundente as implicações dessa ruptura social e institucional.

O resultado é uma obra que valoriza o afeto como gesto político, mas que não consegue sustentar essa proposta com a complexidade que ela exige. Seu mérito está na tentativa sincera de imaginar outro Brasil possível, construído pela delicadeza e pelo cuidado. Ainda assim, essa delicadeza, quando não acompanhada de densidade dramática e narrativa, corre o risco de se confundir com inofensividade.

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