INQUIETAÇÕES NA (DA) REDE
Polêmico livro de Andrew Keen tenta provar que a cultura online e a blogosfera estão destruindo a economia e valores da civilização moderna
Por Alexandre Figueirôa
O CULTO DO AMADOR
Andrew Keen
[Zahar, 208 págs, R$ 39,00]
Andrew Keen foi um dos empreendedores pioneiros do famoso Vale do Silício, na Califórnia, local de onde surgiu boa parte das novidades que hoje circulam por nossos equipamentos digitais e transformaram a internet na maior sensação da virada do milênio. Há dois anos, porém, Keen, como se tivesse sido atacado por algum cavalo de Tróia embutido num spyware, começou a detonar a Web 2.0. O resultado de suas inquietações com os rumos da web o levou a escrever O Culto do Amador, obra polêmica que vem gerando debates por todo o mundo. Nele, o autor tenta nos provar como a cultura online formada por blogs, MySpace, YouTube, Orkut e a pirataria digital estão de alguma forma destruindo a economia, a cultura e os valores mais caros à civilização moderna.
A tese de Keen é simples. Para ele a Web 2.0 está transformando “a cultura numa rede de banalidades e desinformação em que cada um pode falar o que quiser, sem preocupação com a relevância ou a veracidade das informações”. A partir de dados concretos e realmente assustadores, o autor vai desfiando o novelo e comprova por A+B que o mundo online é como o velho Oeste dos antigos filmes de caubóis. Ou seja, uma terra sem lei, sem ordem, em que não se respeita a propriedade intelectual; e onde não profissionais manipulam dados e a opinião pública para atingirem os objetivos mais espúrios, tudo em nome de uma pretensa democratização dos meios de comunicação.
Segundo Keen, a indústria fonográfica e a mídia impressa foram os primeiros a sentirem nas suas contas bancárias o avanço da web, mas o estrago irá mais longe e não poupará nem mesmo a poderosa indústria do audiovisual. Para ele, o fenômeno observado hoje, não se trata apenas de paranoia ou ressentimento de quem está perdendo o controle do poder e do dinheiro em circulação, mas uma verdadeira catástrofe, pois a internet de hoje, diz ele, parafraseando o escritor Jorge Luis Borges e seu ensaio “A biblioteca de Babel”, seria ” anônima, incorreta, caótica e esmagadora. É um lugar onde não há realidade concreta, não existe certo e errado, nenhum código moral vigente”.
O apocalipse desenhado por Keen pode não ser tão dramático quanto ele pinta, contudo lendo atentamente as suas considerações e dados, fica evidente que se alguma coisa não for feita com urgência, os efeitos de suas previsões poderão se transformar num pesadelo real. Dos já conhecidos males da cultura online como o famoso Control C+ Control V, que tem se tornado uma dor de cabeça para os educadores; as difamações públicas dos sites de relacionamento; a invasão de privacidade e o roubo de dinheiro dos internautas; as campanhas publicitárias disfarçadas de produção independente; Keen levanta uma série de questões que, no mínimo, precisam ser investigadas.
Neste sentido, a afirmação unânime de editores de jornais sérios e responsáveis não pode deixar de ser levada em consideração. Na mídia tradicional cada fato relatado é devidamente checado e averiguado, e se alguém cometer algum ato ilícito, seja um veículo ou um repórter, vai responder juridicamente por isto. Na blogosfera, não. Um boato, uma inverdade pode ser postada e multiplicada rapidamente, destruindo a carreira e a honra de qualquer cidadão. O autor, amador e desconhecido, todavia, continuará impune.
Na mesa redonda “Existe Jornalismo na Blogosfera?”, realizada durante a Semana de Jornalismo do curso de Comunicação Social da Universidade Católica de Pernambuco, as inquietações apontadas por Keen em seu livro foram compartilhadas com os estudantes e um dos palestrantes, o professor Marcelo Abreu, de forma lúcida e lógica, fez um diagnóstico preciso de como as informações que circulam sem nenhum critério pela web estão transformando os veículos impressos e os textos jornalísticos neles difundidos. Segundo ele, embora seja necessário se fazer uma distinção entre o conteúdo on-line produzido pelas publicações tradicionais e os “jornalistas ocasionais” em seus blogs, hoje, há um afrouxamento dos critérios de apuração e mais e mais, de forma preocupante, a mídia convencional está se deixando levar pelo encantamento das novidades tecnológicas e, muitas vezes, pondo de lado princípios essenciais para a prática do bom jornalismo.
O tema, como se pode ver, é complexo e estamos muito longe de vislumbrar soluções. Contudo, o fato de que, em meio à euforia provocada pelas inúmeras ferramentas que todos os dias surgem para alçarem a internet à condição de redentora de todas as mazelas humanas, estejamos testemunhando o aparecimento de vozes destoantes não deixa de ser um alívio. Talvez, para nós, eternos consumidores colonizados das engenhocas e modismos dos grandes centros do capitalismo, restem apenas o consolo de assistirmos calados o embate entre as bestas feras do apocalipse e os anjos da salvação.
Mas, neste momento, de intensa transformação dos modos consagrados de produção e difusão da cultura, não custa nada provocar o debate. Não devemos postular o retorno à era pré-web e negar incondicionalmente todos os benefícios que ela nos proporcionou, porém fomentar o espírito crítico e separar o joio do trigo é uma ação necessária. Pensar novos modelos de negociação e de critérios para fazer frente à barbárie em plena ascensão no meio digital é fundamental. E isto tem que ser feito logo antes que a nossa capacidade de elaborar idéias seja reduzida a 140 toques de uma mensagem do twitter.