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Foto: Cecilia da Fonte/Divulgação.

“O cinema é um instrumento, a arte é um caminho”: os processos de Dea Ferraz no livro “Agora”

Obra amplia a investigação iniciada no longa homônimo e integra percurso de pesquisa da realizadora

A cineasta pernambucana Dea Ferraz inicia a circulação do livro Agora, que será lançado em sessões com exibição do filme homônimo e debates nas cidades de Recife, Garanhuns e Caruaru. A obra, publicada pela editora Vacatussa, parte dos processos criativos do longa-metragem lançado em 2020 e também da dissertação de mestrado da realizadora. Mais do que um produto editorial, o livro surge como desdobramento de um percurso que une arte, reflexão e prática cinematográfica.

“Não sei dizer quando nasce o filme e quando nasce a pesquisa, tudo parece nascer junto ou de uma forma circular. Prática que alimenta teoria, teoria que alimenta prática e o livro vem como consequência desse processamento, de forma muito orgânica”, disse Dea Ferraz em entrevista à Revista O Grito!.

O longa Agora foi lançado em 2020, durante a pandemia, e teve sua circulação restrita aos festivais online. A ausência da experiência coletiva nas salas de cinema foi, segundo Dea, um ponto sensível: “É um filme que pede a sala escura, o desdobramento da caixa, a imersão nos corpos, a experiência física”, afirmou.

Dea Ferraz Divulgacao
Foto: Divulgação.

Para a autora, o livro também funciona como uma forma de recuperar e ressignificar essa experiência. “Durante todo o processo eu tive o cuidado de ir registrando conversas, encontros, reflexões que me atravessavam e o livro é resultado disso tudo, com o cuidado de uma revisão que priorizou uma linguagem menos acadêmica e mais pessoal, incluindo trechos de diários e diálogos”, explicou.

O pensamento em torno da linguagem, da imagem e da fisicalidade dos corpos atravessa sua trajetória no cinema. Dea classifica parte de sua produção como um percurso de pesquisa em constante evolução. “Trabalho com cinema há 20 anos, tenho cinco longas e esse é meu primeiro livro. Acho que, nesse trajeto, experimentei a linguagem de formas diversas, e cada filme diz muito desse caminho. Mas eu diria que há um desenho de pesquisa mais evidente a partir de Câmara de Espelhos (2016), quando observo o discurso e os corpos normatizados; depois, a pesquisa segue com o Agora, a partir de corpos em improviso e, de certa forma, mais livres; se aprofunda em Segunda Pele (a ser lançado), que explode o corpo em outras formas; e se expande com o Atlas Tentacular, que é minha primeira vídeo instalação, a ser lançada ainda este mês, e que sonha os corpos tentaculares do pós-antropoceno”, disse a cineasta.

Ao refletir sobre o lugar que ocupa no campo cinematográfico, Dea Ferraz indica que seu trabalho não busca necessariamente atingir amplas audiências, mas se conecta com formas de sensibilidade que escapam ao racional. “Existem filmes incríveis e transformadores que dialogam mais diretamente com esse ‘grande público’ e existem os que desejam atravessar outros portais, outros lugares. Filmes que estão mais focados em distorcer do que sedimentar lugares estabelecidos. Filmes em que o risco faz parte do jogo”, disse. Sobre Agora, completou: “Uma abertura para se deixar levar por uma provocação que passa mais pelo corpo do que pela razão”.

A relação com o corpo também se configura como uma busca de natureza existencial e filosófica, que atravessa sua prática cinematográfica. “A minha investigação pelo corpo passa pela minha vontade de devolver nossos corpos ao mundo. Precisamos voltar a ‘estar-no-mundo’, ampliando nossos corpos em simbiose com tudo a nossa volta. O cinema é um instrumento, a arte é um caminho”, afirmou.

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Foto: Divulgação.

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