O Caso Bolsonaro

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Charge de Latuff, publicada no calor do caso Bolsonaro (Reprodução)

OS PRECONCEITOS DE BOLSONARO
Deputado federal carioca corre o risco de perder o mandato sob a acusação de ter dado declarações racistas no programa CQC

Por Tiago Negreiros

“Soldado que vai a guerra e tem medo de morrer é covarde”. Rufem os tambores. Toquem as cornetas. O capitão do exército e deputado federal Jair Messias Bolsonaro diz estar pronto para uma guerra. Sua luta será para evitar uma cassação por quebra de decoro parlamentar depois de ter dado declarações racistas na TV Bandeirantes. Bolsonaro participava do quadro “O povo quer saber”, do humorístico CQC, na segunda-feira 28, quando respondeu a pergunta da cantora Preta Gil, que indagara o deputado sobre como ele reagiria se seu filho se apaixonasse por uma negra. A resposta: “Preta, não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Eu não corro esse risco e meus filhos foram bem educados. E não viveram em ambientes como lamentavelmente é o seu”.

Preta Gil viu e deu o primeiro tiro. Afirmou via twitter que iria processar o deputado e argumentou, em tom de desabafo: “sou uma mulher negra, forte e irei até o fim contra esse deputado racista, homofóbico, nojento”. A declaração de Preta Gil repercutiu e o assunto tomou forma na internet. Em questão de horas Bolsonaro já estava no topo do Trending Topics Brasil. Na terça-feira 29, a guerra já alcançava o Congresso com 20 parlamentares assinando três representações contra Bolsonaro. “Representamos ao Conselho Nacional de Defesa da Pessoa Humana, à Procuradoria Geral da República – afinal, racismo não é crime? – e, no âmbito do Parlamento, ao Presidente Marco Maia, para que determine a competente investigação pela Corregedoria da Câmara”, escreveu o deputado Brizola Neto em seu blog.

A partir daí a situação para Bolsonaro passou a ficar tensa. Temendo perder o mandato, o deputado precisou levantar a bandeirinha branca. No seu site pessoal, o parlamentar divulgou “nota de esclarecimento”: “A resposta dada deve-se a errado entendimento da pergunta – percebida, equivocadamente, como questionamento a eventual namoro de meu filho com um gay. O próprio apresentador, Marcelo Tas, ao comentar a entrevista, manifestou-se no sentido de que eu não deveria ter entendido a pergunta, o que realmente aconteceu.” A verdade é que Bolsonaro recuou porque ele sabe que racismo é crime, o que facilitaria uma cassação de mandato por quebra de decoro. Uma prisão é mais complicada, visto a sua imunidade parlamentar.

Na retaguarda virtual de Bolsonaro estão seus dois filhos, que também são políticos; o vereador Carlos Bolsonaro e o deputado estadual Flávio Bolsonaro. Ao verem a tag #forabolsonaro nas primeiras posições do Trending Topics Brasil, os pimpolhos embarcaram na guerra para tentar recuperar a imagem do papai. Carlos Bolsonaro – o mesmo que defende a esterilização de mendigos – escreveu no twitter, em letras garrafais: “papai mandou eu obedeço com muito orgulho. Se os filhos respeitassem os pais nos dias de hoje, certamente teríamos um país melhor! Continuem forçando a barra em cima do que não existe! No fim sairemos vencendo porque estamos do lado da verdade! Oportunistas!”. Embora mais contido, Flávio Bolsonaro involuntariamente complicava ainda mais situação. “Vejam o vídeo com imparcialidade e vejam se há nexo entre pergunta e resposta? Claro q não! Não adianta quererem taxar o Bolsonaro de racista, sua história é sua maior defesa!”

Não é bem assim. A história de Bolsonaro mais atrapalha do que ajuda. Vale conferir que o medo, agora, é inédito. O deputado é famoso por suas declarações homofóbicas e sempre sair ileso delas. Foram mais de 20 processos abertos contra ele na Câmara, mas nenhum capaz de punir o deputado. Sequer lhe enfraquecer a imagem. Nas últimas eleições Bolsonaro conseguiu se reeleger para o seu sexto mandato como deputado federal, pelo Rio de Janeiro, com mais de 100 mil votos. Foi o 11° mais votado do Estado. São mais de 20 anos de Congressos e uma ampla coleção de polêmicas das mais absurdas. Seu alvo predileto são os homossexuais. Em novembro do ano passado, Bolsonaro esbravejava em repúdio ao Kit contra a homofobia, que visa combater a discriminação dentro das escolas públicas. “É um estímulo ao homossexualismo. É um incentivo a promiscuidade”, dizia. Em outra ocasião, o deputado sugeriu aos pais darem palmadas nos seus filhos para eles “aprenderem a serem homens”. “Se o filho começa a ficar meio gayzinho, leva um coro. (Aí) ele muda o comportamento dele”.

Em 2008, Bolsonaro era protagonista de uma das cenas mais lamentáveis da Câmara. Num bate-boca com a então deputada Maria do Rosário – hoje ministra da Secretaria dos Direitos Humanos – o parlamentar empurrou e chamou a colega de “vagabunda”. Em outros momentos, taxou Lula de “homossexual”, Dilma de “assassina especialista em assalto e furto” e promoveu uma singela homenagem ao então presidente FHC: “durante a ditadura militar deveriam ter sido fuzilados uns 30 mil corruptos, a começar pelo presidente Fernando Henrique Cardoso”. O golpe de 1964 impetrado pelos militares, para Bolsonaro, foi uma “revolução”. Chega a ser constrangedor em sua página pessoal na internet ele divulgar um editorial do jornal O Globo, escrito pelo finado Roberto Marinho, defendendo com amor o regime ditatorial. Garrastazu Médici, um dos mais sanguinários presidentes da ditadura, para o deputado, foi um “homem ético”.

Enfim, nem a história e nem o próprio Bolsonaro ajudam. Diante de toda a repercussão do caso envolvendo Preta Gil, Bolsonaro distribuiu entrevistas para vários portais e engrossou a rejeição à sua imagem. “Aceito meu filho ter relacionamento com qualquer mulher, menos com uma com o comportamento da Preta Gil. Quem é o pai dela? Gilberto Gil. Aquele que vive dando bitoquinha em macho por aí”, dizia ao site da Veja. Sem citar o nome do deputado Jean Willys, um dos que assinou a representação contra o parlamentar, Bolsonaro atacava: “Eu estou entrando agora com uma representação no Conselho de Ética, para que eu possa ser ouvido lá e acabe com essa polêmica. Ou eu vou deixar que um deputado homossexual, não sei se é ativo ou passivo, queira crescer em cima de mim?”

O caminho para uma cassação não é curto. E, diante do histórico de impunidade no Congresso, além de longo, de difícil êxito. Para se ter ideia, o corregedor responsável pelo encaminhamento da representação ao Conselho de Ética é Eduardo da Fonte, partidário de Bolsonaro. Cabe a Fonte enviar ou não o processo. Só depois de encaminhado é que poderá ser aberto um pedido de cassação. E pedido é o que não falta. Na quarta-feira (30) a OAB-RJ entrou com um processo contra o deputado e há na internet um abaixo-assinado com mais de 9 mil assinaturas pedindo a cassação do mandato do parlamentar.

Engraçado. Roy Ashburn, senador republicano pela Califórnia, era conhecido nos EUA por suas duras declarações contra os gays. Qualquer projeto favorável aos homossexuais recebia forte oposição do parlamentar. Em março de 2010 o senador foi flagrado dirigindo bêbado, acompanhado de um rapaz, após sair de uma boate gay. Divorciado e pai de três filhos, Ashburn revelava dias depois a uma rádio: “eu sou gay. Estas são palavras tão difíceis para mim”.