Uma das agremiações mais ativas e combativas do carnaval pernambucano, o Grêmio Lítero Recreativo Cultural Eu Acho é Pouco se empenhou em manter a fagulha da brincadeira acesa durante esses dois anos sem carnaval. Ao realizar uma série de ações em prol dos foliões, mantendo um posicionamento político firme e claro contra o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, o bloco se manteve vivo e animado como vem fazendo desde o seu primeiro carnaval em 1977.
“Tá fazendo três anos agora do último carnaval brincado, né? Foi justamente em fevereiro de 2020 e foi um carnaval bem intenso pra todo o mundo. Parecia que estava no ar que ia acontecer alguma coisa”, relembrou a jornalista Luciana Veras, uma das voluntárias da agremiação. No último carnaval antes da pandemia, o Eu Acho é Pouco saiu às ruas cinco vezes: Em um arrastão, no ensaio aberto, no sábado de carnaval, na segunda com o Eu Acho é Pouquinho e na terça-feira.
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“A rua é um grande espaço democrático de construção e também de disputa do carnaval”, sintetizou Veras sobre o palco da festa. Depois dessa intensa folia, no fatídico março de 2020 chegou o lockdown. “A primeira coisa que a gente fez, lá pra junho e julho, foi começar a pensar no que poderíamos fazer para ajudar o povo”, relembrou.
Nesse momento, ao pensar em retrospecto, Luciana Veras parou e fez uma reflexão por ser, talvez, uma das primeiras vezes em que colocou em palavras racionalmente tudo o que viveu no período. “Eu não consigo nem explicar direito como foi, eu fico olhando aqui e pensando ‘como é que a gente sobreviveu a 2020?’ nós seres humanos mesmo. Estava todo mundo muito mexido, entristecido com o confinamento, com as perdas, com o avassalador avanço da pandemia no Brasil e com o desgoverno”.
Foi em uma reunião virtual de planejamento das ações na pandemia que surgiu a ideia que estabeleceu um norte para a agremiação durante os anos sem festa. “Alguém trouxe uma frase que é muito usada nos países de língua hispânica: ‘Defender a alegria e organizar a raiva’. Então a primeira ação que o Eu Acho é Pouco fez foi produzir essa camisa. Ela foi a maneira que nós encontramos tanto para falar sobre o que estávamos sentindo, quanto para expressar que era possível, que aquilo ia passar”, afirmou.
Para a jornalista o pior era não ter as ruas para expor a indignação pela forma irresponsável com que o governo estava tratando a pandemia. “Todo o mundo puto com o governo Bolsonaro e sem poder ter os espaços de encontro para colocar isso para fora. O Carnaval é também um lugar onde extravasamos nossas revoltas. Carnaval é política”, disse. Em 2021, mais uma vez sem carnaval, o bloco lançou uma nova camisa com arte de Antônio Bob que trazia um dragão em casa e as vacinas na ladeira simbolizando o não-carnaval.
Nesse mesmo ano de 2021, a agremiação confeccionou máscaras que foram entregues de brinde para quem comprou as camisas. Mas o mais importante foi a atenção com os trabalhadores do bloco. “Com a venda das camisas do carnaval de 2021, nos acertamos para chegar junto aos profissionais da festa. Então, a gente pagou a orquestra, pagamos o pessoal da batucada, aos seguranças, claro que não como quando temos o carnaval inteiro, mas chegamos junto para fortalecer”, detalhou.
Em 2022 o mesmo esquema de produção de camisas se repetiu, agora com arte de Clara Moreira, e com arrecadação novamente usada para auxiliar os trabalhadores do carnaval. Quando a pandemia deu uma arrefecida, em maio de 2022, o bloco voltou com a festa “O Retorno do Dragão”, na Casa da Rabeca, em Olinda.
“Ficamos sentindo que carnaval é mais política do que tudo porque passamos quatro anos com um governo que discriminava os artistas”, disse Luciana. Uma presidência que gostava de dizer que os trabalhadores da cultura viviam de mamata. Depois de voltar com as festas em 2022 o Eu Acho é Pouco se dedicou intensivamente a campanha de Luiz Inácio Lula da Silva porque entendeu que precisava ajudar na manutenção (e reconstrução) da democracia brasileira. De forma paralela, sem qualquer convite oficial ou remuneração da campanha, mas até para respeitar a sua história. E em 2023 o famoso dragão vermelho e amarelo estava lá, em Brasília, na posse de Lula.