FAROESTE ARTSY E SEM TESTOSTERONA
Longa cumpre bem o papel de subverter um gênero mofado, mas exagera na ornamentação
Por Rafael Dias
O filme de bang-bang não é mais o mesmo. Ainda bem. Nem caberia mais hoje um John Wayne e Billy The Kid, montados a galope com esporas empunhando espingardas e desilusões contra xerifes e índios apaches. A fórmula, tão ostensivamente explorada, se esgotou. Hoje o faroeste, ícone do cinema norte-americano, perdeu testosterona, definhou, enfim, morreu; mas continua vivo de alguma forma, sob um manto de melancolia e luto. É com essa mortalha que se reveste o filme O Assassinato de Jesse James Pelo Covarde Robert Ford, ainda em cartaz em algumas salas do País e que acaba de sair em DVD. Estrelado por Brad Pitt e Casey Affleck, o longa envolve-se de uma atmosfera poética bonita, com uma linearidade um pouco difusa e pretensiosa muitas vezes, é verdade; entretanto cumpre bem a proposta de renovar um estilo.
A obra, dirigida pelo neozelandês Andrew Dominik, impressiona pelas imagens, antes de tudo. Cheia de pompa, sua couraça exibe uma fotografia impecável, num nível quase onírico (o que rendeu uma indicação ao Oscar), além de figurino crível e produção de arte esmerada, que, quando somados, criam uma aura de art movie às cenas estéreis do Meio-Oeste norte-americano. As tomadas de câmera, detalhistas e pensadas meticulosamente, como prescreve a cartilha de Hollywood, são tão boas que beiram a grandiloqüência. A violência parece ter sido sublimada, assim como as nuvens que aparecem constantemente nas seqüências. A morte e a transcendência, como antecipa o título, são temas que a todo instante rondam os personagens, embora isso não esteja exposto.
Casey Afleck: sua ambiguidade, que chega a assustar, é um dos destaques do filme
Mas, embebido em suas pretensões grandiosas, o filme, que contou com a produção executiva de Ridley Scott e do próprio Brad Pitt, comete um pequeno escorregão: na ânsia de enfeitar, o filme se torna artsy. As cenas, em alguns momentos, são excessivamente ornamentadas; falta algum traço de rudeza em suas paragens pintadas de campos de trigo. A impressão é de que o diretor se preocupa menos com a história que com a maneira como conduz seu entrelaçamento. Parece uma versão hedonista de Os Indomáveis, de Clint Eastwood, ótima refilmagem western dos anos 1990.
Não fosse por esse deslize, o enredo de O Assassinato…, que recompõe a fase decadente do fora-da-lei mais famoso do Meio-Oeste, Jesse Woodson James (1847-1882), um dos personagens folclóricos do banditismo norte-americano, seria fabuloso. Sensível, o filme desloca o foco da violência e amoralidade dos cowboys para se aprofundar na angústia psicológica de um bando, liderado pelos irmãos James, que se desintegra lentamente (uns são presos, outros se deturpam) em meio a sentimentos de traição, culpa e remorso.
De antemão, os espectadores já sabem o destino que Jesse James terá de seguir. Alvo de uma conspiração interna, o personagem de Brad Pitt está fadado a morrer pela mão de um de seus comparsas. O que não se sabe são os motivos reais que levariam seus amigos escudeiros, agora traidores, a fazerem isso – em especial um deles, seu fiel e novo companheiro, Robert Ford (Casey Affleck, indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante), em quem o lendário bandido depositava todas as suas fichas.
O filme tem boas atuações acima da média. Brad Pitt, apesar de exagerar na pose de galã ao defender seu personagem, está bem como o odiado herói sem escrúpulos e com absurdo senso humano. Destaca-se também a participação especial de Sam Shepard (Paris, Texas) no papel do estóico irmão Frank James. Mas, faça-se jus, é Casey Affleck quem destoa dos demais. Introvertido, o ator tem a proeza de expor a ambigüidade de seu personagem, que ora parece um farsante imaturo ora um temível e calculista assassino, mantendo um tímido sotaque caipira – mistério que só se revela nos minutos finais.
O momento engraçado é do filme é quando o músico Nick Cave (que assina a trilha sonora junto com Warren Ellis) faz uma ponta especial, tocando seu violão cheio de raiva e ironia. Apesar da narrativa lenta e excessiva (são duas horas e 40 minutos), o que faz diluir a tensão e a sua força poética, a obra abarca com delicadeza e compaixão o fim de um mito. Mata uma lenda (ou um gênero antiquado) para renascer em si mesmo.
O ASSASSINATO DE JESSE JAMES PELO COVARDE ROBERT FORD
Andrew Dominik
[The Assassination of Jesse James for the Coward Robert Ford, EUA, 2007]
NOTA: 8,5
Trailer do filme